A águia prisioneira

A Manuel da Silva Gaio


Águia soberba a quem mão perversa de escravo,

Num ócio de tirano, os olhos arrancou!

E, a gozar desse feito o delicioso travo,

Da jaula hedionda a férrea porta escancarou...

A águia, aturdida e cega, a princípio esvoaçava

Rente ao chão, e a roçar com as asas na terra,

Sem saber donde vinha a dor que a lancinava,

Nem que mistério aquela obscuridade encerra.

Mas na ânsia de luz a devora sem tréguas,

Cobra o ânimo, e erguendo o voo, a tudo alheia,

Lança-se para o azul, sob léguas e léguas,

Sem poder dissipar a treva que a rodeia.

E tão alto subiu no seu voo desfeito,

Que de repente, não podendo respirar,

Sentiu que lhe estalava o coração no peito,

E veio aos pés do escravo exânime rolar...

Alma humana! Águia cega em perpétua ansiedade,

Por mais alto que eleve o desvairado arrojo,

Quando julga atingir a suprema verdade,

No pó, donde partiu, cai outra vez de rojo!

António Feijó
Sol de Inverno

Lisboa, INCM, 1981


ANTÓNIO FEIJÓ

António Joaquim de Castro Feijó nasceu a 1 de Junho de 1859 em Ponte de Lima.

Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ingressou na carreira diplomática em 1886, exercendo a sua actividade em países como Brasil, Suécia, Noruega e Dinamarca. Traduziu Strindberg.

Poeta predominantemente influenciado pelo Parnasianismo, a sua obra revela tendências diversas entre o Romantismo, o Decadentismo e o Simbolismo.

Faleceu a 20 de Junho de 1917, em Estocolmo.

Disse Álvaro Manuel Machado:

«Obra de síntese, em Sol de Inverno, Feijó depura a sua arte lírica a partir de uma confluência da origem parnasiana com a descoberta da poesia chinesa, eliminando assim quase completamente uma certa retórica ainda romântica ou mesmo ultra-romântica de livros anteriores.»


Algumas Obras

Transfigurações (1882)

Líricas e Bucólicas (1884)

À Janela do Ocidente (1885)

Cancioneiro Chinês (1890)

Ilha dos Amores (1897)

Bailatas (1907)

Sol de Inverno (1922)

Novas Bailatas (1926)


Poemas de Sol de Inverno

Sobre António Feijó

António Feijó

© Instituto Camões, 2004