Adolfo Coelho

Adolfo Coelho, por João Leal


Adolfo Coelho
Adolfo Coelho

Promotor e interveniente das célebres Conferências do Casino, historiador da literatura, introdutor em Portugal dos estudos linguísticos e da pedagogia, Francisco Adolfo Coelho (1847-1919) foi sobretudo - a par de Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso, Leite de Vasconcelos e Rocha Peixoto - uma das figuras decisivas na constituição e desenvolvimento inicial da etnografia e da antropologia em Portugal, no decurso do período que se estende dos anos 70/80 do século XIX até às primeiras décadas do século XX.

De acordo com as linhas gerais desse período, a obra de Coelho começou por privilegiar o estudo da literatura e das tradições populares. Na área da literatura popular, Adolfo Coelho organizou nomeadamente a primeira recolha sistemática de contos populares portugueses (Os Contos Populares Portugueses, 1879) assim como as primeiras recolhas de literatura e tradições infantis (Jogos e Rimas Infantis, 1883). Na área das tradições populares, além de inúmeros outros estudos avulsos, Coelho foi o autor dos Materiais para o Estudo das Festas, Crenças e Costumes Populares Portugueses (1880) - publicados na Revista de Etnologia e Glotologia por ele fundada e dirigida - e que constituem uma das mais importantes recolhas de tradições populares da antropologia portuguesa oitocentista. A este interesse inicial pela literatura e pelas tradições populares, Adolfo Coelho acrescentou, posteriormente aos anos 80 do século XIX, um interesse mais alargado por outros domínios da cultura popular portuguesa. Esse processo de alargamento temático da sua pesquisa é testemunhado antes do mais pelos programas de estudos etnográficos e antropológicos de que foi o autor, com particular destaque para aquele que foi publicado sob o título Exposição Etnográfica Portuguesa (1896). Mas encontrou também eco num conjunto de investigações concretas, entre as quais se salientam Os Ciganos de Portugal (1892), diversos estudos sobre cultura material (A Caprificação, 1896, Alfaia Agrícola Portuguesa, 1901), e, sobretudo, os ensaios consagrados à análise, a partir de um ponto de vista antropológico, de questões de natureza pedagógica (Os Elementos Tradicionais da Educação, 1883, A Pedagogia do Povo Português, 1898 e Cultura e Analfabetismo, 1916).

Caracterizada por uma importante abertura temática, a obra de Adolfo Coelho pode também ser vista como um lugar onde se cruzam de forma simultaneamente eclética e rigorosa os diferentes modelos teóricos que, na época, se encontravam à disposição dos estudiosos da cultura popular. Nas áreas da literatura e das tradições populares, as referências teóricas usadas por Coelho vão do difusionismo pré-evolucionista de Theodor Benfey à mitologia comparada de Max Müller e ao evolucionismo de Tylor e Lang. Na sua restante produção antropológica, é possível detetar, a par de uma importante influência evolucionista, uma certa abertura relativamente ao difusionismo alemão e, mesmo, em relação à Escola Sociológica Francesa de Durkheim e Mauss.

Resultando de um esforço multifacetado e irrequieto para enraizar em Portugal uma tradição de estudos antropológicos atenta aos desenvolvimentos que a disciplina conhece internacionalmente entre os anos 70 do século XX e o início do século XX, a obra de Adolfo Coelho deve também ser vista como um lugar onde ganha corpo uma reflexão sobre Portugal e sobre a cultura popular portuguesa marcada por um dos grandes temas estruturantes do pensamento português oitocentista: o tema da decadência e da regeneração nacionais. A opção de Coelho por esse tema remonta à sua participação nas Conferências do Casino. Mas tem também expressão na sua obra antropológica, onde é possível encontrar uma permanente oscilação entre duas formas de encarar a cultura popular portuguesa. Esta ora é vista como um fator de regeneração suscetível de contrariar a decadência do país, ora é vista como um domínio ele próprio afetado pelo irreversível declínio da nacionalidade.

Pela vontade de saber que nela se expressa, pelo espírito inovador e irrequietismo intelectual que a atravessam, pelo seu comprometimento com as grandes questões do seu tempo, a obra etnográfica e antropológica de Adolfo Coelho deve pois ser vista como um dos "lugares de memória" da antropologia e da cultura portuguesas.


BIBLIOGRAFIA

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1875a, "Belfegor", Cenáculo, I, 65-80.

1875b, "Os Elementos Tradicionais da Literatura. Os Contos", Revista Ocidental, II, 329-346; 425-444.

1875c, Recensão Crítica a «Antichi Usi e Tradizioni Popolari Siciliane nella Festa di S. Giovanni Battista» de Giuseppe Pitré, Bibliografia Crítica de História e Literatura, I, 302-304.

1875d, Recensão Crítica a «Os Contos Populares Sicilianos» de Giuseppe Pitré, Cenáculo, 193-200.

1878a, "Materiais para o Estudo da Origem e Transmissão dos Contos Populares", O Positivismo, I, 74-83.

1878b, "A Morte e o Inverno", Renascença, I, 10.

1878c, "Notas Mitológicas", Renascença, I, 47-48.

1879a, Contos Populares Portugueses, Lisboa, F. Plantier [reeditados em 1985, Lisboa, Publicações Dom Quixote].

1879b, "Romances Populares e Rimas Infantis Portuguesas", Zeitschrift für Romanische Philologie, III, 61-72; 193-199.

1880a, "Esboço de Um Programa de Estudos de Etnologia Peninsular", Revisla de Etnologia e Glotologia, I, 1-4.

1880b, "Estudos para a História dos Contos Tradicionais", Revista de Etnologia e Glotologia, I, 108-144.

1880c, "Materiais para o Estudo das Festas, Crenças c Costumes Populares Portugueses", Revista de Etnologia e Glotologia, I, 5-34; 49-108; 145-207.

1880d, "Variedades", Revista de Etnologia e Glotologia, I, 207-208.

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1881b, "As Lendas da Serra da Estrela", Diário de Noticias de 21/9, 1.

1881c, "Notas Mitológicas. O Tangromangro e os Turanianos", Renascença, I, 165-176.

1882a, "Algumas Palavras sobre a Nossa Vida Nacional", Jornal do Comércio de 11/11, 1.

1882b, Contos Nacionais para Crianças, Porto, Livraria Universal de Magalhães & Moniz.

1882c, "O Estudo das Tradições Populares na Itália", Jornal do Comércio de 29/9, 1.

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1882e, "O Estudo das Tradições Populares em França", Jornal do Comércio de 8/12, 1-2.

1882f, "Etnografia" [Recensão Crítica a «Contribuições para Uma Mitologia Popular Portuguesa», fasc. I-VI; «Tradições Populares Portuguesas», fasc. VII-XII; «Mitografia Portuguesa»; «Ensaios Críticos», fasc. I-III e «Portuguese Folk-tales» de Z. Consiglieri Pedroso]. Jornal do Comércio de 22/12, 1-2.

1882g, Recensão Crítica a «Tradições Populares de Portugal» e ao «Anuário para o Estudo das Tradições Populares Portuguesas» de José Leite de Vasconcelos, Jornal do Comércio de 28/9, 1-2.

1883a, "Ditados Tópicos de Portugal", Anuário para o Estudo das Tradições Populares Portuguesas, I, 47-49.

1883b, Os Elementos Tradicionais da Educação. Estudo Pedagógico, Porto, Livraria Universal de Magalhães & Moniz.

1883c, "Etnologia. As Superstições Portuguesas", Revista Científica, I, 512-528; 561-578.

1883d, Jogos e Rimas Infantis, Porto, Livraria Universal de Magalhães & Moniz.

1883e, "Os Jogos e as Rimas Infantis de Portugal", Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 4.ª Série, n.º 12, 567-595.

1883f, "A Oliveira de Guimarães", Anuário para o Estudo das Tradições Populares Portuguesas, I, 17-18.

1883g, Recensão Crítica a «Il Vespro nelle Tradizioni Popolari della Sicilia» de Giuseppe Pitré, Anuário para o Estudo das Tradições Populares Portuguesas, I, 91-92.

1884, "Les Ciganos. A propos de la Communication de M. P. Bataillard «Les Gitanos d’Espagne et les Ciganos de Portugal»", Congrés International d’Anthropologie et d’Archéologie Pré-Historique. Compte-rendu de la Neuviéme Session à Lisbonne 1880, Lisboa, Academia das Ciências, 667-681.

1885a, "A Filha Que Amamenta o Pai", Revista do Minho, I, 73.

1885b, "As Maravilhas do Velho", Revista do Minho, I, 61-62.

1885c, "O Médico Aprendiz (Facécia Popular)", Revista do Minho, I, 21.

1885d, Tales of Old Lusitania, from Folklore of Portugal [trad. de Henriqueta Monteiro], London, Ywan Sonnenschein.

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1887a, "Os Ciganos de Portugal", Revista Lusitana,I, 3-20.

1887b, "Notas e Paralelos Folclóricos", Revista Lusitana, I, 166-174; 246-259; 320-331.

1890, Esboço de Um Programa para o Estudo Antropológico, Patológico e Demográfico do Povo Português. Secção de Ciências Étnicas da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, Tip. do Comércio de Portugal.

1892, Os Ciganos de Portugal. Com Um Estudo sobre o Calão. Memória Destinada à X Sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas, Lisboa, 1982, Lisboa, Imprensa Nacional.

1895, "Tradições Populares Portuguesas. O Quebranto", Revista de Ciências Naturais e Sociais, III, 117-124; 169-185.

1896a, Portugal e Ilhas Adjacentes. Centenário do Descobrimento da Índia. Trabalho Apresentado à Exposição Etnográfica Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional.

1896b, "Tradições Populares Portuguesas. A Caprificação", Revista de Ciências Naturais e Sociais, IV, 113-128.

1898, "A Pedagogia do Povo Português", Portugalia, I, 57-78; 201-226; 475-496.

1900, "De Algumas Tradições de Espanha e Portugal A Propósito da Estantigua", Revue Hispanique, VII, 390-453.

1901, "Alfaia Agrícola Portuguesa. Exposição da Tapada da Ajuda em 1898", Portugalia, I, 633-649.

1910a, "A Cultura Mental do Analfabetismo", Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, v, 1-19.

1910b, "Atraso da Cultura em Não Analfabetos", Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, v, 49-75.

1912, "O Estudo das Tradições Populares nos Países Românicos", Revista Lusitana, xv, 1-70.

1913, "Tomás Pires como Folclorista", António Tomás Pires (l850-1913), Elvas, Comissão Central de Homenagem a A. Tomás Pires, 3-6.

1916, Cultura e Analfabetismo, Porto, Renascença Portuguesa.

1918, João Pateta [ilustrações de Alice Rey Colaço), Lisboa, Tip. Eduardo Ferreira.

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2. Estudos sobre Adolfo Coelho e História da Antropologia Portuguesa

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