Basílio Teles

Basílio Teles, por Carlos Leone

Basílio Teles
Basílio Teles

Poder-se-ia dizer que se comemoram este ano os 150 anos do nascimento de Basílio Teles (Porto, 1856 – Porto, 1923), um dos pensadores mais originais e considerados do final do século XIX e início do século XX em Portugal. Contudo, tal seria uma grosseira sobrestimação das atividades que ocorreram em 2006, e sem surpresa, pois Basílio Teles há muito é um autor quase esquecido. Com efeito, os estudos sobre a sua Obra sempre foram raros e muito desiguais, e em 2006 o mais relevante que se fez (a não foi pouco, atendendo ao panorama) foi um colóquio na Universidade Católica do Porto (em Dezembro) e a publicação num só volume (também surgido em Dezembro) dos seus ensaios filosóficos (Ensaios Filosóficos, com prefácio de António Braz Teixeira). A sua atividade política constante e a diversidade da sua Obra poderiam fazer esperar uma maior atenção sobre pensador, mas o grau de elaboração dos seus textos provavelmente intimidam estudiosos, apesar da sua escrita ser verdadeiramente palpitante.

Se a posteridade regista sobretudo o filósofo (cf. “TELES (Basílio)” na Logos, v. Referências), o facto é que o seu trabalho dividiu-se entre essa faceta, os assuntos económicos, a atividade de publicista muito crítico da I República e a atividade política intensa. Depois de estudos incompletos, primeiro na Academia Politécnica do Porto e, depois, na Escola Médico-Cirúrgica também na sua cidade, dedicou-se ao ensino não universitário enquanto desenvolvia atividade política intensa e relevante no Partido Republicano. Chegou mesmo a ter de se exilar na sequência do seu envolvimento na tentativa falhada de implantação da República, lançada no Porto, de 31 de janeiro de 1891. O momento central deste percurso perfaz mesmo o título de uma obra que publicará mais tarde, Do Ultimatum ao 31 de Janeiro (1905), título sintomático de um sentir republicano altamente patriótico e de extrema exigência que rapidamente o tornará um dos críticos mais severos da experiência republicana de 1910 a 1926 (a morte em 1923 poupou-o a ver o termo ditatorial desta, que não o surpreenderia, decerto). Lendo-o os seus artigos na Imprensa desses anos será possível, até fácil, esquecer o quanto aquelas críticas eram motivadas pela imensa esperança num futuro melhor sob a República, procurado logo em 1891 apesar de todas as dificuldades. E, ainda que não alcançada, nunca relativizada ou reduzida ao “portugalório” que ele tão ostensivamente desprezava.


Da sua Obra, refira-se O Problema Agrícola, de 1899, Estudos Históricos e Económicos, de 1901, Introdução ao Problema do Trabalho Nacional, de 1902, e, já a título póstumo, as suas Memórias Políticas (1969, com longo ensaio introdutório do editor literário, Costa Dias) e os estudos resgatados ao esquecimento a que o próprio autor os tinha votado em vida por sua mulher e publicados em 1961 sob o título Figuras Portuguesas: como escreve, na Nota Prévia, Amorim de Carvalho, “sem pretender a erudita exaustão biográfica e histórica das figuras tratadas (Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, Francisco de Almeida e Fernão de Magalhães), Basílio Teles procurou fixar-lhes apenas a fisionomia moral até onde elas se ergueram – se puderam erguer-se – acima do homem vulgar; e, no quadro epocal em que as quatro figuras se movimentaram, até onde se ergueram, valorizando-se humanamente, acima do que Basílio Teles considerou com que o acume paroxístico dum mercantilismo desnacionalizador, que teve como resultado a perda da independência em 1580. São tratadas pela ordem de tal valorização, culminando esta em Fernão de Magalhães.” Registe-se o interesse sério em Magalhães, durante tanto tempo, e ainda à época em que Teles escrevia, desamado pela sua pretensa traição. Mas aqui não será o local adequado para explorar a leitura da História Política e Económica de Portugal elaborada por Basílio Teles, para o que seria necessário integrá-la numa tradição de debate que remonta, pelo menos, a Herculano.


É todavia forçoso mencionar a complexidade da sua reflexão filosófica, também ela filiada em percursos anteriores (sobretudo o de Sampaio Bruno). A sua filosofia organiza-se em torno de dois grandes temas, a metafísica do mal e a teoria da ciência. Na primeira, dialogando com Antero de Quental, rejeita a conceção de uma evolução do Universo em sentido moral e reduz a realidade à imanência, dando a transcendência por incognoscível. E por motivos racionais, de resto bem próximos da sua personalidade, é levado ao ateísmo, negando a possibilidade de Deus existir e permitir o mal. Desta linha de argumentação ética (aqui apenas indicada, como é evidente), Teles partiu para uma argumentação epistemológica complementar que, de certo modo, substitui a ciência à religião. Não se trata de Positivismo, na medida em que mantém um idealismo filosófico que distingue a Filosofia, enquanto síntese de saberes, dos conhecimentos científicos especializados. Assim, as noções científicas de Espaço, Matéria e Energia ganhariam o seu sentido último na noção, esta já filosófica, de Universo. Em rigor, é possível afirmar que o seu pensamento é em última análise cosmológico. Embora alguns dos seus estudiosos, como Luís Salgado de Matos, lhe denunciem escassas leituras, o facto é que a sua cosmologia e o seu significado ateísta são dos sistemas filosóficos mais consistentes alguma vez elaborados em Portugal, atraindo a atenção de investigadores até hoje.

Referências:

Braz Teixeira, A., “TELES (Basílio)” in VVAA, Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Editorial Verbo, Lisboa, São Paulo, 1989, vol. 5 (50-2). (Texto revisto e ampliado enquanto prefácio a Basílio Teles, Ensaios Filosóficos, INCM, Lisboa, 2006.)

Costa Leite, M., e Gaugeon, “No limiar da relatividade”, Análise, 11, Lisboa, 1989.

Salgado de Matos, Luís, “Basílio Teles”, O Tempo e o Modo, 36, 1996.