Século XVI

João de Barros

João de Barros
João de Barros, por Elisabeta Mariotto Retrato de João de Barros, in Décadas da Ásia, Lisboa, Ed. de 1777-1778. Acredita-se que João de Barros tenha nascido em Viseu, em 1496. No entanto, não existe prova histórica que comprove a data e o local do seu nascimento. Filho de um nobre, Lopo de Barros, teve a sua entrada facilitada na corte de D. Manuel I. Tornou-se, ainda jovem, servidor do Paço Real e "moço do guarda-roupa" do então príncipe D. João III. Reconhecendo a capacidade do jovem, D. João III, logo que subiu ao trono, em 1521, concedeu a Barros o cargo de capitão da fortaleza de São Jorge da Mina, em África. No ano a seguir à sua nomeação, João de Barros partiu para assumir o seu posto, em África. Em 1525, já em Lisboa, foi nomeado tesoureiro da Casa das Índias, função que cumpriu durante três anos. Aquando da propagação da peste negra, em 1530, refugiou-se na sua quinta, em Ribeira de Alitém, próximo a Pombal. Regressou a Lisboa dois anos mais tarde, quando foi designado pelo rei para feitor da Casa das Índias e da Mina, uma posição de grande destaque e responsabilidade. João de Barros mostrou-se um administrador comprometido e honesto, algo raro para a época. Como resultado do reconhecimento do seu trabalho, recebeu de D. João III, em 1535, duas capitanias hereditárias no Brasil, no âmbito da política de fixação dos colonos no novo mundo. Construiu, com recursos próprios, uma armada de dez navios e novecentos homens, que partiram para o novo continente quatro anos mais tarde. No entanto, a expedição não foi bem-sucedida e não atingiu o objetivo pretendido. Demonstrando uma grande honestidade e um grande carácter, João de Barros arcou com as despesas daqueles que faleceram na expedição, indemnizando as famílias dos falecidos, o que resultaria na contração de uma grande dívida, com a qual teve que lidar por toda a sua vida. Além de se dedicar à administração pública, João de Barros também interessou-se pelas letras. Muito influenciado pela filosofia humanista, Barros escreveu várias obras em que destacou a importância da língua como factor de fixação da soberania imperial. Segundo ele, a língua não é apenas uma realidade instrumental, mas um elemento que representa a consciência nacional e fortalece o sentimento de comunidade, sendo um elemento fundamental do modo de ser português. Publicou, em 1540, a segunda gramática da língua portuguesa, sendo precedido, apenas, por Fernão de Oliveira. Intitulada Grammatica da Língua Portuguesa, a gramática de Barros foi a segunda obra publicada, em Portugal, com o objetivo de normatizar a língua, tal como era falada naquele tempo. Além do carácter normativo de uma gramática, também tinha um carácter pedagógico, com o objetivo de ensinar e educar. Era uma obra que apresentava também diálogos morais, além de ilustrações e tinha o objetivo de ajudar no ensino da língua materna dos portugueses. João de Barros sempre apresentou um interesse pela pedagogia e o ensino. Um anos antes de publicar a referida gramática, já havia publicado uma cartilha conhecida como Cartinha de João de Barros. A cartilha era dedicada à alfabetização, contendo letras, "táboas" e combinações de letras que formavam sílabas e que colaboravam para a aprendizagem da escrita da língua portuguesa. Sempre acompanhada de ensinamentos morais, a cartilha de Barros também apresentava os mandamentos de Deus e da Igreja, acompanhados de algumas orações, à semelhança de um outro livro, também publicado em 1540, O Diálogo de João de Barros com dois filhos seus sobre preceitos morais. Além destas obras, que colaboraram para o ensino e a normalização da língua portuguesa, João de Barros também escreveu obras que exaltavam os feitos dos portugueses no mundo. A primeira, A Crónica do Imperador Clarimundo, publicada em 1522, exalta a história de Portugal, que é tratado como "a clareza do mundo", uma terra que representa "a mãe de todo o esforço". Sempre exaltando os feitos de Portugal, Barros justificava a expansão ultramarina com argumentos espirituais, apresentando-a como uma cruzada religiosa contra os mouros. Em Décadas da Ásia, obra publicada em 4 volumes, sendo o primeiro de 1552, o autor narra as aventuras e as glórias do império português. É uma obra que impressiona pela sua riqueza informativa, narrando com muitos pormenores os feitos dos portugueses em África e, principalmente, na Ásia. O mais impressionante quanto aos detalhes informativos da obra é que Barros nunca teria ido à Ásia, tendo obtido as informações sobre esta terra à partir dos escravos provenientes do Oriente, que comprava no Terreiro do Paço e a quem pedia que lhe descrevessem as terras de onde provinham. É considerado um grande historiador devido à quantidade de informações sobre a história de Portugal que concentrou nos seus livros. Consta que, em janeiro de 1568, sofreu um acidente vascular cerebral e foi exonerado das suas funções na Casa da Índia, recebendo título de fidalguia e uma tença régia do rei Dom Sebastião. Faleceu, dois anos mais tarde, na sua quinta de Alitém. Tendo-se endividado por causa da expedição fracassada de 1539, nunca conseguiria recuperar-se financeiramente, morrendo na mais completa miséria, sendo tantas as suas dívidas que os filhos renunciaram ao seu testamento. Bibliografia ativa • Infopédia (2003-2012) João de Barros. Porto: Porto Editora. http://www.infopedia.pt/$joao-de-barros,2 • Rocha, H. F. (2005). Alfabetizar Letrando: Um Repensar da Aquisição da Língua Escrita. Petrópolis. • Ministério da Educação de Portugal. Breve Evolução Histórica do Sistema Educativo. In: Sistema Educativo Nacional de Portugal. http://www.oei.es/quipu/portugal/historia.pdf • Calafate, P. (2006). Séculos V-XVI : a afirmação de um destino coletivo. Lisboa : Fundação Luso-Americana. Bibliografia Passiva • Barros, J. (1540). Grammatica da Língua Portuguesa. (versão digital) • Barros, J. (1522). Crónica do Imperador Clarimundo. (versão digital) • Barros, J. (1532). Rhopicapneuma ou Mercadoria Espiritual. • Barros, J. (1540). Diálogo da Viciosa Vergonha. (versão digital) • Barros, J. (1540). Diálogo sobre Preceitos Morais. (versão digital) • Barros, J. (1543). Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé. • Barros, J. Décadas da Ásia. Volumes I (1552), II (1553), III (1563) e IV (1615). (versão digital) • Barros, J., Couto, D. (1777-1788). Da Ásia de João de Barros e de Diogo do Couto : dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento dos mares e terras do Oriente. Lisboa: Na Régia Officina Typografica. • Calafate, P. (1991). A filosofia da história no renascimento português : João de Barros. In: Homenagem a Vieira de Almeida. Lisboa : Faculdade de Letras da Univ. de Lisboa, p. 137-150. • Cantarino, N. (2006). O idioma nosso de cada dia (texto parcial). Revista de História da Biblioteca Nacional. In: Revista de história.

Fernão de Oliveira

Fernão de Oliveira
Fernão de Oliveira, por Elisabeta Mariotto Grammatica da lingoagem portuguesa, Fernão de Oliveira, Lisboa, edição de 1536.Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal Fernão de Oliveira nasceu em Aveiro, em 1507. Foi um homem de múltiplos interesses, tendo desenvolvido atividades como gramático, historiador, cartógrafo, piloto e teórico de guerra e de construção naval. Iniciou os estudos, aos nove anos, no Convento de S. Domingos daquela cidade, tendo sido transferido, em 1520, para o convento da mesma ordem, em Évora. Aos 25 anos, fugiu para Castela, onde se dedicou ao estudo da língua espanhola e se tornou clérigo secular. Em 1536, regressou a Lisboa, dedicando-se ao ensino e publicando a primeira gramática da língua portuguesa, intitulada Grammatica da Lingoagem Portuguesa. A partir desta publicação, passou a integrar o grupo dos gramáticos do Renascimento que se dedicaram à descrição das suas línguas maternas. Por volta de 1541, partiu para Itália, onde se dedicou à diplomacia secreta, provavelmente relacionada à complexa questão a respeito dos cristãos-novos que o rei D. João III manteve com a Santa Sé. Em 1543, regressou a Portugal, onde foi ameaçado de ser denunciado ao Tribunal da Santa Inquisição, por heresia. Temendo a perseguição do Santo Ofício, Fernão de Oliveira deixou o sacerdócio e fugiu para a França, onde se alistou como soldado e serviu na guerra contra a Inglaterra. Enquanto esteve em França, Fernão de Oliveira dedicou-se à marinha, desenvolvendo importantes estudos sobre a navegação, a guerra naval e a construção de embarcações. Esses estudos contribuíram para o desenvolvimento naval e a expansão marítima portuguesa, no século XVI. Escreveu várias obras sobre o tema, embora apenas Arte da Guerra do Mar tenha sido publicada, em 1555. Esta foi uma obra inovadora por apresentar um verdadeiro tratado sobre a guerra naval, abordando tanto os aspetos teóricos como práticos da questão. Por sua vez, a obra Ars Nautica, escrita em 1570, é o primeiro tratado enciclopédico mundial de matérias referentes à navegação, a guerra naval e a construção de embarcações. Não há registos de obras com tamanha extensão e profundidade sobre o tema na literatura europeia da época. Foi escrita em latim, o que evidencia que o seu público-alvo não eram os homens do mar, mas os humanistas que, como o autor, se interessavam por assuntos referentes à marinha. Noutra obra, o Livro da fábrica das naus, de 1580, Fernão de Oliveira fornece regras teóricas para a construção de navios e sublinha as significativas contribuições lusitanas para o progresso dos métodos de construção naval. Foi o primeiro texto escrito em português sobre a arquitetura naval. Tinha um caráter eminentemente teórico, com preceitos técnicos claros e ordenados e, da mesma forma que Ars Nautica, não era dirigido aos oficiais da marinha, mas aos intelectuais. Fernão de Oliveira foi muito perseguido pela Santa Inquisição. Foi acusado, inúmeras vezes, de heresia e esteve preso nas masmorras do Santo Ofício, de 1547 a 1550. Depois de ter sido convocado várias vezes para abjurar os seus erros, fazer confissões públicas e pedir perdão a Deus, conseguiu ser transferido para o Mosteiro dos Jerónimos, onde foi condenado a viver enclausurado até que pudesse sossegar a sua consciência e salvar a sua alma. Em 1551, o cardeal D. Henrique concedeu-lhe a liberdade, sob a condição de não se ausentar do país sem a sua autorização. No entanto, sempre dotado de um espírito aventureiro, Fernão de Oliveira embarcou numa expedição organizada por D. João III a África, em 1552. Esta, contudo, foi mal sucedida, resultando na prisão dos seus integrantes. Oliveira foi escolhido para negociar os resgates dos prisioneiros, regressando a Lisboa. Partiu para a Beira Alta, em 1554, onde foi denunciado ao Tribunal do Santo Ofício, sendo, novamente, preso por atentado contra a moral cristã. Depois de obter a liberdade, Oliveira exerceu as atividades de revisor ou corretor da Imprensa da Universidade de Coimbra e de professor de retórica. Em 1556, regressou a França e, à partir de então, poucos registos são encontrados sobre a sua pessoa. Acredita-se que tenha vivido até o ano de 1581, aos 74 anos, tendo apresentado uma longevidade extraordinária de acordo com os parâmetros da época. Um dos aspetos que caracterizaram Fernão de Oliveira foi o espírito crítico e humanista. O seu fascínio pelo mar, pela arte de navegar e pela expansão marítima levou-o a desenvolver também um fascínio pelas línguas, especialmente a portuguesa. Publicou, em 1536, a primeira gramática da língua portuguesa, que tinha como objetivo primordial a perpetuação da memória daquela língua. Foi publicada num período em que Portugal procurava afirmar sua a autonomia nacional em relação às outras nações. Oliveira intencionava, portanto, formalizar o sistema de escrita em português, desenvolvendo um sistema linguístico coeso, que pudesse refletir a coesão e o desenvolvimento da nação portuguesa. A nova realidade das expansões marítimas demandavam a transmissão das experiências para além da oralidade, tornando-se necessário registá-las. Além da necessidade de desenvolvimento da escrita para realizar os registos sobre as grandes expedições e os descobrimentos, também se observava, na época, uma manifestação do sentimento pátrio aflorado nos escritores. A gramática de Fernão de Oliveira surgiu, portanto, como resultado de uma demanda da expansão marítima de formalização da escrita da língua portuguesa. Oferece um conjunto de reflexões de caráter linguístico e cultural, na tentativa de propor uma norma para o português do século XVI, não seguindo, no entanto, o modelo das gramáticas até então produzidas. Trata de formas gramaticais, da fonética, da lexicologia, abordando especialmente alguns estudos etimológicos e da sintaxe. Como historiador, Fernão de Oliveira sustentou a independência portuguesa contra a anexação espanhola, defendendo a posição da burguesia comercial e marítima, dos mesteirais, da arraia-miúda do campo e da cidade, contra a grande aristocracia portuguesa. Bibliografia Ativa • Fernão de Oliveira. In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2012. http://www.infopedia.pt/$fernao-de-oliveira. • Domingues, F. C. (2002). Fernando de Oliveira. In: Navegações Portuguesas. http://cvc.instituto-camoes.pt/navegaport/c16.html. • Maestri, Mário. (2010). Fernão de Oliveira – O Cristão-Velho Abolicionista   A Repressão ao Pensamento Racional e Abolicionista em Portugal do Século 16. In: Revista Estudios Digital. • Mariguela, A. D. B. A Grammatica da Lingoagem Portuguesa de 1536: Fernão de Oliveira, as Normas da Língua Portuguesa e a Cultura Quinhentista. http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/slp04/02.pdf • Pinto, M. S. (2004). Grammatica da Lingoagem Portuguesa de Fernão de Oliveira. In: Tesouros da Biblioteca Nacional. http://purl.pt/369/1/ficha-obra-gramatica.html • Quadros, R. (2000), Aveirenses Notáveis. Aveiro. Câmara Municipal de Aveiro, pp. 8-13. Bibliografia Passiva • Buescu, M. L. C. (1978). Gramáticos Portugueses do Século XVI. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa. • Costa, S. (1984). Historiografia da língua portuguesa : século XVI. 1.ª ed. Lisboa • Cortez Pinto, A. (1948). Da Famosa Arte da Imprimissão: da Imprensa em Portugal às Cruzadas d'além-mar. Lisboa: Ulisseia Limitada. • Oliveira, F. (1975). A Gramática da Linguagem Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional. • Oliveira, F. (1991). Liuro da Fabrica das Naos. Lisboa : Academia de Marinha. • Passos, T. F. (1994). Fernão de Oliveira : 1.º gramático de Língua Portuguesa. Lisboa: Gazeta de Poesia. • Silva Neto, S. (1986). História da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugal. • Viterbo, S. (1924). O movimento tipográfico em Portugal no século XVI : apontamentos para a sua história. Coimbra: Imprensa da Universidade.