Século XX

António José Saraiva

António José Saraiva
António José Saraiva, por Elisabeta Mariotto História e Utopia - Estudos sobre Vieira, António José Saraiva, ICALP, 1992. António José Saraiva nasceu a 31 de dezembro de 1917, em Leiria, onde viveu até os quinze anos. Licenciou-se em 1938 e obteve o doutoramento em Filologia Românica, em 1942, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Envolveu-se na oposição ao Salazarismo, chegando a ser militante do Partido Comunista Português. Por apresentar incompatibilidade com o sistema ideológico da época, foi impedido de exercer a atividade de docência no âmbito universitário. Foi professor do liceu em Viana do Castelo de 1946 a 1949, tendo depois sido demitido e preso, fruto ainda da sua oposição ao regime. Em 1960, exilou-se em França, onde foi investigador do Centre National de Recherche Scientifique de Paris, na secção de História Moderna. Posteriormente, partiu para Holanda, onde foi professor catedrático da Universidade de Amesterdão até 1974. Após a Revolução de Abril e o fim do regime Salazarista, voltou a Lisboa, assumindo o cargo de professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Lisboa, onde exerceria a atividade de docência até o fim da sua vida. Faleceu em Lisboa a 17 de março de 1993, deixando 24 obras de referência nos domínios da História da Literatura e da História da Cultura portuguesas. Tendo apresentado sempre uma postura contestatária, manifestou, nos seus livros, um olhar crítico sobre a sociedade contemporânea e, principalmente, sobre a cultura portuguesa, seu principal objeto de estudo. António Saraiva procurou estudar a fundo a história de Portugal para poder compreender e caracterizar o perfil psicológico e cultural do povo português. Na sua obra A Cultura em Portugal – Teoria e História (1994), o autor analisou o sentimento de isolamento de Portugal perante a Europa e a influência deste sentimento na construção da identidade cultural portuguesa. Segundo Saraiva, Portugal sentir-se-ia isolado devido à sua posição geográfica, comprimido entre o mar e Espanha, o que levaria os portugueses a sentirem-se como ilhéus, incomunicáveis. Impossibilitados de se relacionar com os vizinhos e de comparar realidades humanas diferentes da sua, os portugueses teriam um desconhecimento dos limites da sua própria realidade. Apresentariam, assim, uma avaliação pouco realista das suas verdadeiras possibilidades, ora inferiorizando-se e refugiando-se numa auto ironia perfurante, ora aventurando-se e desafiando o mundo. De acordo com Saraiva, este facto também pode ser observado na mitificação que, em Portugal, geralmente se faz do estrangeiro, às vezes caracterizando-o como um lugar de delícias e outras vezes como um lugar de perdição. A dualidade que se observa na perceção do estrangeiro e da própria identidade também se manifesta no sentimento tipicamente português chamado "saudade". Segundo Saraiva, a saudade é um tema que tem uma presença saliente e quase obsessiva na língua e na literatura portuguesas e que define um modo de pensar e de sentir tipicamente português. Trata-se de um apego aos sítios e às pessoas que ficaram distantes e que também estaria relacionado a uma necessidade de contemplação do passado, uma busca pela idade de ouro de Portugal. Partindo dos estudos culturais, António José Saraiva também desenvolveu estudos sobre a língua portuguesa e, principalmente, sobre a história da literatura. Na sua obra Para a história da cultura em Portugal (1972), o autor afirmou que a história da literatura é apenas um degrau da história da cultura, não podendo ser compreendida sem a devida análise da cultura em que ela se insere. Da mesma forma, Saraiva considera que as línguas também se distinguem umas das outras como resultado de uma diferenciação cultural, numa tentativa de construir expressões que possam atribuir significado a realidades únicas e particulares. Apesar de não ter-se especializado nos temas sobre a Idade Média, sempre interessado nos estudos culturais, Saraiva também escreveu algumas obras sobre a época medieval, como é o caso de Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval (1942), A Épica Medieval Portuguesa (1979), e O Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1990). António José Saraiva foi uma personalidade de extrema importância para a história da literatura e da cultura portuguesas. Com ele, a história literária deixou de ser unicamente descritiva para se tornar contextualizada e enquadrada em parâmetros de tempo e espaço concretos. Bibliografia ativa • Calafate, P. (2006). Portugal como problema – Século XX: Os dramas de alternativa. Lisboa : Fundação Luso-Americana. • Saraiva, A. J. (1972). Para a história da cultura em Portugal. Lisboa : Europa-América. • Saraiva, A. J. (1994). A Cultura em Portugal – Teoria e História. Lisboa: Gradiva. Bibliografia passiva • Saraiva, A. J. (1942). Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval. Lisboa. • Saraiva, A. J. (1956). O Humanismo em Portugal. Lisboa: Europa-América. • Saraiva, A. J. (1969). Inquisição e Cristãos-Novos. Lisboa : Estampa. • Saraiva, A. J. (1970). Maio e a Crise da Civilização Burguesa. Lisboa: Europa-América. • Saraiva, A. J. (1977). Herculano e o Liberalismo em Portugal. Amadora : Bertrand. • Saraiva, A. J. (1979). A Épica Medieval Portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa. • Saraiva, A. J. (1990). A Tertúlia Ocidental. Lisboa: Gradiva. • Saraiva, A. J. (1990). O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva. • Saraiva, A. J. (1996). O discurso Engenhoso. Lisboa: Gradiva. • Lopes, O. & Saraiva, A. J. (2001) História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora.

Vitorino Magalhães Godinho

Vitorino Magalhães Godinho
Vitorino Barbosa de Magalhães Godinho, por Joaquim Romero Magalhães Fotografia: José Manuel Rodrigues Nascido em Lisboa (1918), filho de Vitorino Henriques Godinho – oficial do Exército e político republicano – e de D. Maria José Vilhena Barbosa de Magalhães. Estudos secundários em Lisboa, Liceus de Gil Vicente e de Pedro Nunes, licenciatura em Ciências Historico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1940). Professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa (1941-1944), investigador do Centre National de la Recherche Scientifique (1947-1960), Doutor ès-Lettres pela Faculdade de Letras da Universidade de Paris (1959), professor catedrático do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1960-1962), Doutor honoris causa e professor na Faculté des Lettres et Sciences Humaines da Universidade de Clermont-Ferrand (1970-1974), Ministro da Educação e Cultura (1974), professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, coordenador do departamento de Sociologia (1975-1988), Diretor da Biblioteca Nacional (1984). Prix d’Histoire Maritime da Académie de Marine (1970) e Prémio Balzan (1991), sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras e da Royal Academy (Londres). Dirigiu várias coleções, nomeadamente nas Edições Cosmos, e fundou e dirige a Revista de História Económica e Social (1979).Tendo começado os seus estudos pela Filosofia (Razão e História – Introdução a um problema, 1940; Esboço sobre alguns problemas da Lógica, 1943) cedo passou a interessar-se pela História. E de imediato inicia pesquisas sobre a História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Duas são as linhas de investigação inicial: um minucioso trabalho erudito sobre as fontes (Documentos para a História da Expansão Portuguesa, 1943-1956) a partir de uma problemática muito ampla (A Expansão Quatrocentista portuguesa, 1944) e uma tentativa de reconstituição das culturas e civilizações antes da chegada dos portugueses (História económica e social da Expansão Portuguesa, 1947; O "Mediterrâneo saariano" e as caravanas do ouro – séculos XI ao século XVI, 1956). Só assim, na conjugação destas duas linhas de trabalho, se conseguirá proceder à construção da história portuguesa e do seu impacte no Mundo nos séculos XV e XVI. Tendo prosseguido os seus trabalhos na École Pratique des Hautes Études em Paris – junto de Lucien Febvre, Fernand Braudel e Ernest Labrousse –, aí apresenta Prix et monnaies au Portugal, 1750-1850 (1955) e L’économie de l’empire portugais – XVe- XVIe siècles (1966), obra esta que foi tese de doutoramento (editada em português, com acrescentos, em 1963-1971, Os descobrimentos e a economia mundial, com edição definitiva em 1983-1984). Pertence à grande escola de estudos históricos que se desenvolve em torno da revista Annales (Économies – Sociétés – Civilisations). Destaca-se pela resistência à ditadura (o que lhe valeu por duas vezes o afastamento da universidade portuguesa) e também pela sua intervenção cívica em democracia, de que resultaram várias publicações: O Socialismo e o futuro da Península (1970), Portugal. A Pátria bloqueada e a responsabilidade da cidadania (1985). Apresentou propostas originais para reforma do sistema educativo português: Um rumo para a educação (1974).Deve-se-lhe a atualização e a renovação dos estudos de história da expansão portuguesa numa perspetiva mundial. Partindo das reflexões e investigações de Oliveira Martins, Jaime Cortesão e Duarte Leite consegue ir muito mais longe e construir explicações muito enriquecedoras. A economia dos descobrimentos henriquinos (1962) e Os descobrimentos e a economia mundial revelam essa largueza de preocupações, mostrando como se entrelaçam e conjugam aspetos vários das disciplinas das ciências sociais na investigação histórica. Também no domínio da História de Portugal, moderna e contemporânea, escreveu estudos fundamentais e promoveu investigações que refizeram muitas temáticas: A estrutura da antiga sociedade portuguesa (1971), Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar, séculos XIII-XVIII (1990). Igualmente se lhe deve a indicação de novos temas e novos problemas para investigações e dissertações que dirigiu, em especial durante o seu magistério na Universidade Nova de Lisboa.Das suas lições de rigor erudito, de alargamento metodológico e da problematização das fontes como objeto cultural, de ensaio de quantificação e de cruzamento com as diferentes ciências sociais, de fundamentação teórica e de aplicação de uma visão histórica aos diferentes domínios do saber, de cidadania ativa resultou uma notável renovação dos estudos de história em Portugal. Como escreveu numa das suas primeiras obras, "não é possível analisar os problemas da realidade portuguesa contemporânea sem os inserir na trama da evolução do nosso país, quer dizer, sem estudar as condições de formação do mundo em que vivemos, a génese da nossa cultura, da nossa sociedade, da estrutura político-económica de Portugal". Levando longe a sua proposta de que a história deve ser pensada na dialética da globalidade e de que a história é uma forma de pensamento, fundamenta uma visão da contemporaneidade muito rica e estimulante.

Vieira da Silva

Vieira da Silva
Vieira da Silva, por Marina Bairrão Ruivo Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), pintora de origem portuguesa, nasceu em Lisboa, no seio de uma família que cedo estimulou o seu interesse pela pintura, pela leitura e pela música, filha única de Marcos Vieira da Silva e Maria da Silva Graça. Os três primeiros anos da sua vida são pontuados por viagens a França e Inglaterra, e em 1910, a doença do pai leva-os a Leysin, na Suíça. Após a morte do pai, em 1911, Vieira e a mãe regressam a Portugal onde cresce num ambiente intelectualmente rico mas frequentado quase exclusivamente por adultos. No final do verão de 1913, depois de uma estadia de dois meses em Inglaterra marcada pela descoberta dos museus e do teatro de Shakespeare, Vieira recorda ter decidido tornar-se pintora. Depois de ter estudado desenho, pintura e escultura em Lisboa, vai para Paris em 1928, insatisfeita com o ensino ministrado na Escola de Belas Artes de Lisboa, num período politicamente instável face ao avanço do fascismo e culturalmente pouco estimulante. Em Paris deslumbra-se com a agitação da capital francesa num período rico na partilha de ideias por parte de artistas plásticos, escritores, músicos e bailarinos. Frequenta espetáculos, museus e galerias. Hesitando entre pintura e escultura, frequenta na Academia da Grande Chaumière as aulas de escultura de Bourdelle que era, à época, assitido por Germaine Richier e Alberto Giacometti, e de Despiau na Academia Scandinave, abandonando esta técnica em 1929 para se dedicar exclusivamente à pintura. Trabalha então com Dufresne, Waroquier e Friez e inicia-se na gravura no Atelier 17 de Hayter onde se concentra nas pesquisas de representação do espaço. Frequenta também as aulas de Fernand Léger e de Bissière nesta fase de intensa descoberta e experimentação. No verão de 1928 faz uma viagem de estudo a Itália que vai marcar definitivamente as suas pesquisas plásticas, ficando especialmente impressionada com Siena e a pintura pré-renascentista. Em 1930 casa-se com o pintor de origem húngara, Arpad Szenes (1897-1985), que conhecera na Academia da Grande Chaumière, perdendo a nacionalidade portuguesa. Torna-se pouco depois apátrida quando por sua vez Arpad Szenes perde a nacionalidade húngara. Pintora de temas essencialmente urbanos, a sua pintura revela, desde muito cedo, uma preocupação com o espaço e a profundidade. Em 1932 conhece Jeanne Bucher, que desempenha um papel decisivo na sua carreira, iniciado com a organização da sua primeira exposição individual no ano seguinte. É por seu intermédio que Vieira da Silva descobre a pintura de Torres-García que a marca profundamente. Em Portugal, as suas obras são vistas pela primeira vez em 1935, na Galeria UP, numa exposição organizada por António Pedro. No ano seguinte, Vieira da Silva expõe com Arpad Szenes no seu atelier de Lisboa. Num momento em que se teme o crescimento do fascismo na Europa, o casal reúne-se regularmente, até ao início da Segunda Guerra, no Café Raspail, com um grupo de artistas e intelectuais de esquerda, para discutir arte e política sob o nome de «Amis du monde». Em 1938 abandona a Villa des Camélias – residência do casal desde 1930 - e instala-se na casa-atelier do Boulevard Saint-Jacques onde convive com Alberto Giacometti, Jean Lurçat, Jacques Lipchitz, e Etienne Hajdu, entre outros. Em 1939, pressionada pelas circunstâncias, deixa Paris, ficando os seus trabalhos e atelier à guarda de Jeanne Bucher. Após uma curta temporada em Lisboa onde Vieira tenta, em vão, reaver a nacionalidade portuguesa e que esta seja atribuída ao marido, parte com Arpad para o Brasil em 1940 onde permanece até 1947. O casal fixa-se na Pensão Internacional, em Santa Teresa, local que se torna um centro de cultura e permuta de ideias. Aí convive com intelectuais e artistas como Cecília Meireles e Murilo Mendes, entre outros. O seu desenraizamento mas sobretudo a angústia da guerra refletem-se na sua pintura. Vieira ressente-se do clima e da distância e a obra deste período reflete, em parte, as suas inquietações: a guerra, o absurdo do Homem, a saudade. Expõe no Museu Nacional de Belas Artes (1942) e na galeria Askanazy (1944), no Rio de Janeiro. Após a reserva da crítica brasileira, é a vez de Paris ver os trabalhos de Vieira no Salon des Réalités Nouvelles de 1945. No ano seguinte, Jeanne Bucher organiza a sua primeira exposição individual em Nova Iorque, na Marian Williard Gallery. 1947 marca o regresso a Paris e o progressivo reconhecimento do seu trabalho, reforçado pela aquisição de La partie d’échecs pelo Estado francês, em 1943, e pela monografia que lhe é dedicada em 1949, por Pierre Descargues, editada pelas Presses Littéraires de France, na coleção «Artistes de ce Temps». Inicia-se, na década de 50, a participação em exposições importantes em França e no estrangeiro (Estocolmo 1950, Londres 1952, São Paulo 1953, Basileia e Veneza 1954, Caracas 1955, Londres 1957, Kassel 1959, entre outras) e a sua pintura toma um lugar de primeiro plano. O final da década é marcado pelo profundo envolvimento de Vieira e Arpad com as suas pesquisas plásticas. Constroem uma casa-atelier na rue de l’Abbé-Carton para onde se mudam em 1956, ano em que Vieira e Arpad obtêm a nacionalidade francesa. O Estado francês adquire obras suas e atribui-lhe várias condecorações, sendo a primeira em 1960 (Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres). Vieira da Silva acumula vários prémios internacionais. A partir de 1958 organizam-se retrospetivas da sua obra: Hanover e Bremen 1958, Grenoble e Turim 1964, e em 1969-1970 em Paris, Roterdão, Oslo, Basileia e Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian). Em Portugal, Vieira da Silva expõe na Fundação Calouste Gulbenkian em 1977, na galeria EMI-Valentim de Carvalho em 1984 e na galeria 111 em 1985. Em 1983, o Metropolitano de Lisboa propõe-lhe a decoração da estação da Cidade Universitária. Vieira da Silva escolhe uma obra de 1940, Le Métro, para reproduzir em azulejos e conta com a colaboração do pintor Manuel Cargaleiro. Em 1985 Arpad Szenes morre. Vieira confessa perceber melhor a pintura do marido agora, após a sua morte, e retoma a sua pintura. Em 1988 o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e o Centre Nacional des Arts Plastiques apresentam, em Lisboa e em Paris, uma importante exposição das suas obras. Nessa ocasião, é condecorada pelo Estado português e pelo Estado francês. Em 1989, a Casa de Serralves no Porto organiza uma exposição de obras de Vieira da Silva e de Arpad Szenes nas coleções portuguesas. Em 1990, em Lisboa, é criada a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva cujo Museu, dedicado à obra dos dois pintores, foi inaugurado em 1994. Em 1991, a pedido da pintora, é fundado o Comité homónimo, em Paris. Vieira da Silva morre a 6 de março de 1992, em Paris. O Catálogo Raisonné da sua obra foi lançado na Fundação no mesmo ano. Pintora da Segunda Escola de Paris, Maria Helena Vieira da Silva teve um papel fundamental no panorama da arte internacional.MonografiasVieira da Silva nas colecções internacionais: em busca do essencial. Lisboa: Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, 2004.DESCARGUES, Pierre - Vieira da Silva. Paris: Les Presses Littéraires de France, 1949.SOLIER, René - Vieira da Silva. Paris: Le Musée de Poche, 1956.FRANÇA, José-Augusto - Vieira da Silva. Lisboa: Artis, 1958.WEELEN, Guy - Vieira da Silva. Paris: Fernand Hazan, 1960.VALLIER, Dora - Vieira da Silva. [Paris]: Ed. Weber, 1971.WEELEN, Guy - Vieira da Silva. Paris: Fernand Hazan, 1973.TERRASSE, Antoine – L’ Univers de Vieira da Silva. Paris: Henri Scrépel, 1977.WEELEN, Guy - Vieira da Silva: les estampes: 1929-1976. Paris: Arts et Métiers Graphiques, 1977.BESSA-LUÍS, Agustina – Longos dias têm cem anos, presença de Vieira da Silva. Lisboa: INCM, 1978.PHILIPE, Anne - L'eclat de la lumière: entretiens avec Maria Helena Vieira da Silva et Arpad Szenes. Paris: Gallimard, 1978.WEELEN, Guy, ; LASSAIGNE, Jacques - Vieira da Silva. Barcelona: Polígrafa; 1978; Paris: Ed. Cercle d'art, 1987.BUTOR, Michel - Vieira da Silva: peintures. Paris: La Difference, 1983.WEELEN, Guy, - Vieira da Silva: oeuvres sur papier. Paris: La Difference, 1983.CESARINY, Mário - Vieira da Silva - Arpad Szenes ou o castelo surrealista: pintura de Vieira e de Szenes nos anos 30 a 40 em Lisboa. Lisboa: Assírio e Alvim, 1984.BOZO, Dominique [et al.] - Vieira da Silva. Genebra: Skira, 1988.ROY, Claude - Vieira da Silva. Barcelona: Polígrafa; 1988.WEELEN, Guy, ; JAEGER, Jean-François ; DAVAL, Jean-Luc ; BÉRAN, Diane Daval ; DUVAL, Virginie - Vieira da Silva: monographie. Genebra: Skira, 1993.WEELEN, Guy, ; JAEGER, Jean-François ; DAVAL, Jean-Luc ; BÉRAN, Diane Daval ; DUVAL, Virginie - Vieira da Silva: catalogue raisonné. Genebra: Skira, 1993.MUSÉE DES BEAUX-ARTS DE ROUEN - Vieira da Silva: collections du centre Georges Pompidou et du Fonds National d'Art Contemporain. Rouen: Musée des Beaux-Arts, 1994.NOËL, Bernard - Vieira da Silva. Creil: Bernard Dumerchez, 1994.ROSENTHAL, Gisela - Vieira da Silva: 1908-1992: à procura do espaço desconhecido. Ed. em português. Colónia: Tashen, 1998.FONDATION DINA VIERNY-MUSÉE MAILLOL, org. - Maria Helena Vieira da Silva. Paris: RMN: Daval Editeur, 1999. ArtigosGRENIER, Jean - Vieira da Silva In: L'oeil. - Lausanne: Sedo S.A., [1955 -]. - N. 14 (Février 1956), 12-19.FRANÇA, José-Augusto - Vieira da Silva: 1958 In: Colóquio: artes. - Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. - 2.ª série, n.º 77 (Junho 1988), 5-13.LOURENÇO, Eduardo - Itinerário de Vieira da Silva ou da poesia como espaço: a propósito da exposição retrospectiva de Grenoble 64 In: O tempo e o modo. - Lisboa : [s.n.], 1965. - n. 24 (Fev. 1965), 199-209.AGUILAR, Nelson Alfredo - Vieira da Silva no Brasil In: Colóquio: artes. - Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. - 2.ª série, n.º 27 (Abril 1976), 6-15.DUBY, Georges - Vieira da Silva dans le mouvement de l'Histoire In: - XXe siècle. - Paris: XXe Siècle, 1977. - 48 (Juin 1977), pp. 40-45.LÉGLISE-COSTA, Pierre - Conversation avec Maria Helena Vieira da Silva In: Chandeigne, Michel - Lisbonne. - Paris: Autrement, 1988, pp. 78-81.ROSENTHAL, Gisela - Maria Helena Vieira da Silva: a la búsqueda del espacio desconocido In: Humboldt. - Bonn: Inter Nationes. - 0018-7615. - Ano 38, n. 118 (1996), 40-43.RUIVO, Marina Bairrão - Vieira da Silva In: Arpad Szenes / Vieira da Silva. Aveiro: Câmara Municipal, 2000., pp. 9-13.CABRAL, Isabel Matos Dias Caldeira ; ALMEIDA, Inês Barahona de Almeida - Telas e teias. Vieira tecedeira e a poesia de Sophia In: - Ferreira, Maria Luísa Ribeiro, org. - Colóquio As Teias que as Mulheres Tecem. - Lisboa: Colibri, 2003, pp. 39-72.

Vieira de Almeida

Vieira de Almeida
Vieira de Almeida, por Carlos Leone Francisco Lopes Vieira de Almeida (n. 9/8/1888, Castelo Branco – m. 20/1/1962, Cascais).Figura filosófica e cultural de grande relevo na sociedade portuguesa, e não só lisboeta, durante a primeira metade do século XX, aproximadamente, Vieira de Almeida foi, enquanto professor, autor e personalidade, um caso invulgar de rigor filosófico e atenção cívica que, embora hoje pouco lembrado, não pode ser esquecido quando se trabalha a história e a cultura portuguesas contemporâneas.Licenciado e doutorado pela Faculdade de Letras de Lisboa em Filosofia, ingressou como docente na Universidade pelo grupo de História (em 1915). Em 1921 voltou à área de Filosofia onde ascende a catedrático em 1930, mantendo-se em atividade permanente até 1958. Apesar de entre a sua extensa bibliografia encontrarmos poesia, romance a e teatro, bem como traduções, é a sua atividade como professor e ensaísta na área de Filosofia e também de História que o distingue. É mesmo possível afirmar que o seu foi um dos primeiros casos de articulação bem sucedida entre dois registos de crítica à sociedade portuguesa que marcam o século XX no seu conjunto: se, na primeira metade do século, é de um ideal de reformismo cívico que se faz o discurso crítico português, uma transição encetada ao longo das décadas de 1940 e 1950 leva a que na década de 1960 se assista a uma especialização disciplinar da análise social, fundada nos saberes emergentes das ciências sociais. Ora, Vieira de Almeida foi um percursor dessa especialização disciplinar, sendo um dos raros autores portugueses com trabalhos de relevo em Lógica (e na sua divulgação), mas nunca abdicando de um compromisso político explícito apesar dos dissabores que o regime lhe causou mesmo em idade avançada.Monárquico, e próximo de autores como Pequito Rebelo e Hipólito Raposo nos alvores da I República, não demorou muito a cativar simpatia noutros quadrantes e não espanta, por isso, ver o seu nome entre os fundadores da breve (apenas dois números) Revista dos Homens Livres («livres das Finanças e livres dos Partidos»), projeto frentista contra a degeneração da República na década de 1920. Fracassada essa «frente», e implantada a ditadura que estará na base do Estado Novo, Vieira de Almeida encontra-se já próximo do grupo Seara Nova, com o qual mantêm contactos, através de Câmara Reys, mesmo depois de António Sérgio se afastar da revista. Já então uma figura intelectual de referência (o seu primeiro trabalho filosoficamente relevante data de 1922, A Impensabilidade da Negativa), sempre se manteve disponível para apoiar a oposição nos períodos de maior repressão, entre as décadas de 1930 e 1950. Mesmo Humberto Delgado, que na sua campanha de 1958 não escondia o seu desgosto com a «guerra dos papéis» daqueles já idosos vultos da I República (os «barbas»), não deixou de o apreciar em particular, pela sua independência, vivacidade e, provavelmente, percurso político pouco comum (no qual o próprio Delgado talvez se revisse, com outras matizes). Na ressaca dessa campanha e do seu desfecho, encontramos Vieira de Almeida entre os «quatro grandes» (expressão de Mário Soares no volume de homenagem a Vieira de Almeida no centenário do seu nascimento, v. Referências bibliográficas) que se juntam a Delgado para convidar os socialistas Aneurin Bevan e Mendès-France para conferências em Portugal, em 1959. Impedidas as conferências, e presos os quatro notáveis (além de Vieira de Almeida, Jaime Cortesão, António Sérgio e Azevedo Gomes), o regime tentou voltar à normalidade. Não o conseguindo, não impediu no entanto Vieira de Almeida de morrer em casa, lúcido e comunicativo, estimado pelos mais variados setores da vida intelectual portuguesa.Além da Lógica moderna, matemática, que introduziu na Universidade de Lisboa com estudos originais sobre Boole, Russell e Tarski, e que divulgou em obras menos especializadas, a sua atividade como filósofo deu origem a trabalhos nas áreas de Estética, Epistemologia e História. Por isso não é de estranhar que nomes tão centrais na historiografia e ciências sociais portuguesas da segunda metade do século, como Jorge Borges de Macedo e Vitorino Magalhães Godinho (v. textos sobre ambos no CVC) tenham sido influenciados pelo seu magistério. Contudo como é ainda hoje comum em Portugal, não é possível falar-se de uma «escola», com discípulos inspirados pelo Mestre. No volume de homenagem já referido encontra-se sobre esta questão um debate com vários participantes, no qual destacamos as intervenções de Joel Serrão, Mário Sottomayor Cardia (v. texto no CVC) e Piteira Santos, onde impressões pessoais e análises competentes se reúnem de um modo muito invulgar na habitual dispersão do pensamento filosófico (e não só…) português – para glosarmos um dos títulos mais citados da bibliografia de Vieira de Almeida. Igualmente invulgar é o facto de a sua Obra Filosófica se encontrar publicada, reunida e apresentada em 3 volumes (v. Referências) por Joel Serrão e Rogério Fernandes.Figura cativante e polémica, capaz de simultaneamente comandar o respeito intelectual de especialistas e chegar a públicos mais amplos, os estudos dedicados ao seu pensamento não são muitos. O mais recente que conhecemos é a dissertação de Mestrado de Graça Maria Dias Lopes intitulada O pensamento estético em Vieira de Almeida (Universidade do Minho, 1998). Um esquecimento tanto mais lamentável quanto a sua combinação de atividade cívica, pública, e diversidade intelectual, em particular científica, é rara. E particularmente valiosa para apreciar um processo de mudanças institucionais que foi decisivo na evolução da sociedade portuguesa ao longo do século XX. _____________________________ Referências bibliográficas:Calafate, P., dir., História do Pensamento Filosófico Português, (vol. V, tomo 2), editorial Caminho, Lisboa, 2000.Gama Caeiro, F. da, «ALMEIDA (Francisco Lopes Vieira de)», in VVAA, Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Editorial Verbo, Lisboa, São Paulo, 1989 (vol. 1: 177-180).Nabais, Nuno, editor, Vieira de Almeida (1888-1988) – colóquio do centenário, ed. Fac. Letras de Lisboa/Colibri, Lisboa, 1991.Vieira de Almeida, Obra Filosófica, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986-8 (organizada e apresentada por J. Serrão e R. Fernandes).

Viana da Mota

Viana da Mota
Viana da Mota, por Teresa Cascudo José Viana da Mota (ou Vianna da Motta, conforme a ortografia vigente na sua época) marcou o curso da história da música em Portugal em dois aspetos fundamentais. Por um lado, formou várias gerações de pianistas portugueses, fundando uma escola interpretativa que se prolonga até aos nossos dias. Por outro lado, foi um dos primeiros compositores empenhados no “reaportuguesamiento” da música erudita, na afortunada expressão de Afonso Lopes Vieira. Utilizou a música tradicional e a poesia culta portuguesas nas suas obras, fazendo parte da geração que transformou Camões em símbolo da nação. A abertura Inês de Castro, baseada na versão narrada no poema épico Os Lusíadas é exemplo desta exaltação camoniana, assim como a Sinfonia à Pátria, a sua obra mais conhecida, cujos andamentos são precedidos por epígrafes retirados do mesmo poema. Para Viana da Mota, a “expressão para o sentimento da nação” era o objetivo mais alto ao qual devia aspirar a composição. Nascido em São Tomé em 1868, veio falecer em Lisboa em 1948. A sua dilatada carreira esteve repleta de sucessos, mas também sofreu penalidades pessoais e profissionais. Estas últimas, porém, nunca alteraram a sua imagem de artista “sóbrio, ponderado, inteligente, calmo, clássico”, nas palavras do compositor, seu discípulo, Fernando Lopes-Graça.De Lisboa para BerlimNascido no seio de uma família da burguesia – o pai era farmacêutico e músico amador – José Viana da Mota mostrou, desde muito cedo, um invulgar talento musical. Foi levado à corte pelo seu pai em 1874, tendo obtido, a partir dessa data, a proteção do rei D. Fernando e da condessa d'Edla. Aos 14 anos concluiu os seus estudos no Conservatório Nacional, onde foi aluno de Joaquim Francisco de Azevedo Madeira e de Francisco de Freitas Gazul. Em Lisboa, celebrizou-se como menino prodígio em concertos públicos que tiveram um eco considerável na imprensa da época.O jovem Viana da Mota, contando com o mecenato da Família Real, instalou-se em 1882 em Berlim, onde frequentou o recém criado Conservatório Scharwenka. Ali teve como professor, entre outros, fundador da escola, o pianista e compositor Xaver Scharwenka. Na mesma cidade, recebeu, entre 1886 e 1889, aulas privadas de piano e de composição de Carl Schaeffer, membro da Sociedade Wagneriana. O próprio Viana da Mota tornou-se nesta época num wagneriano ativo: ingressou na mencionada Sociedade Wagneriana em 1885, começou a frequentar o Festival de Bayreuth no ano anterior e chegou a publicar alguns ensaios de caráter interpretativo sobre a obra do compositor alemão.Em 1885, Viana da Mota foi um dos últimos alunos de piano de Franz Liszt em Weimar e, em 1887, frequentou o curso de interpretação pianística que Hans von Bülow dava anualmente em Frankfurt. Esta experiência foi decisiva para o pianista português, que em 1896 publicou um pequeno opúsculo com a descrição daquelas aulas. Bülow influenciou profundamente o seu estilo interpretativo, nomeadamente no que diz respeito à execução das obras clássicas, como as de Beethoven, com absoluta fidelidade ao texto. Em 1891 foi ainda aluno particular de direção de orquestra de Philipp Wolfrum, fundador da Sociedade Bach de Heidelberg.O pianista e pedagogoViana da Mota iniciou a sua carreira profissional em 1886, tendo-a prosseguido de maneira ininterrupta até 1945. Realizou a sua primeira digressão europeia em 1888, acompanhando o violinista Pablo Sarasate em Copenhaga e Helsínquia e o violinista Tivadar Nachez em Moscovo e S. Petersburgo. Até 1893, desenvolveu uma intensa atividade como intérprete, destacando-se os numerosos recitais em que acompanhou alguns dos mais importantes cantores da época. Em abril desse ano fez a sua primeira grande digressão em Portugal, onde não tinha tocado desde o seu concerto de despedida em 1882. Apesar de ter fixado a sua residência em Berlim, Viana da Mota apresentou-se regularmente em Portugal, principalmente em Lisboa e no Porto. O pianista fez a sua primeira digressão americana em 1892, ano em que visitou Nova Iorque. Ali conheceu Ferruccio Busoni através de Arthur Friedheim, também aluno de Liszt. Busoni e Viana da Mota tornaram-se amigos, tal como testemunha a interessante correspondência trocada entre ambos, recentemente traduzida e publicada em Portugal. Viana da Mota tocou pela primeira vez no Brasil em 1896, numa digressão com o violinista Bernardo Moreira de Sá. Voltou várias vezes à América do Sul, tendo sido muito aplaudido nos seus recitais em Buenos Aires, uma das cidades onde se apresentou mais vezes em público.A grande maioria das críticas publicadas ao longo da sua carreira assinalaram a solidez, clareza e limpidez da sua técnica, o brilho do seu toque e o rigor das suas leituras das obras dos mestres clássicos. Destacou-se como intérprete das obras de Liszt, Bach e Beethoven, tendo sido um dos pianistas que teve no seu repertório a integral das sonatas deste último. No entanto, as suas leituras de obras de compositores modernos (Debussy ou Falla, por exemplo) foram também unanimente elogiadas. Foi o primeiro pianista português a tocar em Lisboa as trinta e duas sonatas para piano solo de Beethoven na mesma série de concertos em 1927 no salão do Conservatório Nacional assinalando o centenário da morte do compositor. Apenas Florinda Santos e Artur Pizarro voltaram a realizar o mesmo feito em Portugal, algumas décadas depois. Viana da Mota foi também diretor musical da Orquestra Sinfónica de Lisboa entre 1918 e 1920, sucedendo a David de Sousa, e fundou em 1917 a Sociedade de Concertos de Lisboa.Viana da Mota publicou regularmente artigos sobre a técnica e interpretação pianísticas, sendo de destacar os seus estudos sobre a execução dos ornamentos na obra de Bach e de Beethoven. Publicou ainda, a partir da mesma data, estudos sobre a música dos compositores Wagner e Liszt. Leitor incansável de literatura e de filosofia, a sua estensa biblioteca conserva-se atualmente na Fundação Calouste Gulbenkian. Para além de exercer a crítica musical, Viana da Mota escreveu, a partir de 1897, numerosos artigos, atualmente dispersos em revistas especializadas alemãs e portuguesas. Assinou, ainda, os seguintes volumes: Nachtrag zu Studiem bei Hans von Büllow von Theodor Peiffer (Berlim, 1896; do qual existe tradução inglesa); Pensamentos extraídos das obras de Luís de Camões (Porto, Renascença Portuguesa, 1919); Vida de Liszt (Porto, Edições Lopes da Silva, 1945); e Música e músicos alemães, 2 vols. Coimbra: Coimbra Editora, 1947).Entre 1900 e 1905, desenvolveu uma intensa atividade como professor em Berlim, onde recebia os alunos que Eugen d'Albert, outro discípulo de Liszt, não podia atender por falta de tempo. Com o início da Primeira Grande Guerra, perdeu o visto para permanecer na Alemanha, tendo aceite um convite para lecionar na Escola Superior de Música de Genebra, sucedendo a Bernhard Stavenhagen, que também tinha sido aluno de Liszt. Em 1917 regressou definitivamente a Lisboa para assumir a direção do Conservatório Nacional. Nesse cargo, que ocupou entre 1918 e 1938, coordenou, juntamente com Luís de Freitas Branco, uma reforma curricular que contemplou a introdução de novas cadeiras de música e cultura geral. Foi professor, entre outros muitos, dos seguintes pianistas: Elisa de Sousa Pedroso, Campos Coelho, José Carlos Sequeira Costa, Luiz Costa, Maria Helena Sá e Costa, Maria Cristina Lino Pimentel, Maria Antoinette de Freitas Branco, Nella Maissa e Maria da Graça Amado da Cunha, assim como do compositor Fernando Lopes-Graça.O compositorViana da Mota dedicou-se à composição durante aproximadamente duas décadas, entre 1881 e 1905. A maior parte dos seus autógrafos e das primeiras edições das suas obras conserva-se no Centro de Estudos Musicológicos da Biblioteca Nacional de Lisboa. As suas composições podem agrupar-se, primeiramente, em três grupos que se correspondem com outras tantas fases criativas. O primeiro integra obras de infância, escritas para piano entre 1875 e 1883. Algumas delas foram editadas e refletem os gostos da época. Trata-se de marchas, peças de baile (mazurcas, valsas, polcas, etc.), pequenas peças, variações e fantasias sobre temas populares de óperas. O segundo grupo de obras, compostas entre 1884 e 1895, coincide maioritariamente com o seu período de formação na Alemanha e inclui peças para piano, Lieder e várias composições instrumentais nos géneros clássicos. Neste grupo pode ser incluída, seguindo critérios cronológicos, a Fantasia dramática (1893) para piano e orquestra, que se insere na tradição lisztiana, tanto no uso de um programa poético, concebido pelo compositor, como na sua vertente virtuosística. A obra foi escolhida como carta de apresentação para a sua primeira digressão portuguesa. Baseia-se num programa de influência sebastianista, concebido pelo próprio compositor, que narra um processo de libertação da tirania e da angústia pessoal graças à chegada de um providencial rei salvador.O terceiro núcleo de obras, compostas entre 1893 e 1908, caracteriza-se pelo recurso à canção tradicional portuguesa e é principalmente constituído por peças para piano, entre as quais podem ser referidas as Rapsódias portuguesas (1891-1893), os três cadernos de Cenas portuguesas (ca. 1893, 1905 e 1908) e a Balada op. 16 (1905). Pode distinguir-se um quarto núcleo de obras, escritas entre 1893 e 1897, que refletem de maneira mais elaborada um programa nacionalista, constituído pelas Canções portuguesas op. 10 (1893-5), a Sinfonia à Pátria (1894; revista em 1920) e a Invocação dos Lusíadas (iniciada em 1897; concluída em 1915 e revista em 1938). Viana da Mota abandonou quase por completo a composição a partir de 1908 em parte pelo seu desacordo com as novas tendências modernistas que se generalizavam por toda a Europa.As suas pequenas peças pianísticas manifestam uma adaptação à técnica do instrumento que proporciona um efeito brilhante. Tiveram uma boa aceitação na época, como o provam as numerosas edições de algumas delas, e eram usadas habitualmente pelo pianista como encores nos seus recitais. As suas composições nos géneros clássicos, já referidas, realizadas sob a orientação de Carl Schaffer, apresentam uma sólida conceção, mas dificilmente podem ser considerados para além de primeiras tentativas no domínio da composição. As suas obras para voz e piano sobre textos de autores alemães (muitos deles destinados à sua primeira esposa, a cantora Margarethe Lemke, ou dedicados a outras cantoras que Viana da Mota acompanhou como pianista) constituem exemplos de Lied, tal como era cultivado na época na Alemanha. É de destacar o papel dado ao piano pelo compositor e o cuidadoso tratamento do texto.A receção da Sinfonia à PátriaA importância de Viana da Mota para a cultura portuguesa prende-se com o seu papel como compositor nacionalista, podendo ser considerado o pioneiro da ideologia do nacionalismo no âmbito da composição. Viana da Mota distinguia claramente as obras em que a música tradicional era usada como elemento pitoresco – ou de “cor local” – e aquelas que perseguiam um objetivo programático de caráter nacionalista, tal como se evidencia nas seguintes palavras: “Talvez a canção popular seja o melhor caminho para chegar à alma do povo, mas terá então que encontrar-se a própria expressão para o sentimento da nação. E este é o mais alto ponto de vista.” A Sinfonia «À Pátria», a obra mais conhecida do compositor, pode ser considerada o modelo daquilo em que Viana da Mota estava a pensar quando escreveu a anterior afirmação. Foi dada em primeira audição em Lisboa em 1894 no Salão Neuparth, numa redução para piano realizada e interpretada pelo compositor. Foi, portanto, o próprio Viana da Mota quem proporcionou inicialmente aos críticos o programa da sua obra, o qual foi amplamente divulgado.Em 1896, António Arroyo escreveu um artigo elogiando Viana da Mota para a revista Amphion, onde a composição foi assim descrita: “A Sinfonia em lá maior Á Pátria é uma página de um elevado simbolismo, uma síntese luminosa e profundamente sugestiva dum momento histórico determinado; o autor, representando o momento de crise em que a pátria parece soçobrar, fá-la resurgir de novo para uma vida gloriosa num como rejuvenescimento da alma nacional. Ela divide-se em quatro tempos, os da forma clássica do modelo beethoveniano, tendo cada um a sua significação própria”. Isto é, a sinfonia foi saudada como uma síntese entre as “obras mais avançadas do seu tempo” e a “forma clássica do modelo beethoveniano” e como a expressão das circunstâncias históricas que atravessava a Pátria. Esse programa foi também difundido por António Arroyo através da seguinte descrição: “o autor, representando o momento de crise em que a pátria parece soçobrar, fá-la ressurgir de novo para uma vida gloriosa num como rejuvenescimento da alma nacional”. Um ano depois, em 1897, a mesma revista Amphion publicou a crítica da estreia orquestral da obra, mantendo os elogios e voltando a insistir no significado do programa da obra: “gerada sob o critério da moderna escola alemã, caracterizado pela forma do Poema Sinfónico e por todos os processos da música expressiva; cada um [dos seus] tempos traduz uma página de emoção diversa; no 1º tempo (Allegro heroico) formulou o autor a invocação às Tágides, contida nos versos do nosso Épico; no Adagio simboliza o lirismo português; no Scherzo pinta-nos o nosso povo numa cena de danças e cantigas nacionais; e no Final a página dramática da obra, descreve-nos a Decadência da pátria, a Luta na crise e o Resurgimento resultante dessa luta”No dia 21 de maio de 1897, uma orquestra de noventa instrumentistas dirigidos por Moreira de Sá tinha apresentado no Salão Gil Vicente do Palácio de Cristal, no Porto, a sinfonia de Viana da Mota juntamente com as seguintes obras: uma seleção das Variações sobre um tema popular brasileiro «Vem cá Bitú» do compositor paulista Alexandre Levy orquestradas por Moreira de Sá; o poema sinfónico Ave Libertas de Miguéz; as Cenas nas estepes da Ásia Central de Borodin; e, por último, o prelúdio do terceiro ato de Lohengrin, de Wagner. Nacionalismo e o modernismo wagneriano juntam-se no programa, onde se destaca a comunhão de objetivos partilhados pelo compositor português e seus colegas brasileiros. Assim, as Variações sobre um tema popular brasileiro foram escritas pelo jovem Levy antes da sua ida para Paris com o intuito de concluir a sua formação musical. Fazem parte de um consciente programa nacionalista, cujo objetivo era a criação de uma música caracteristicamente brasileira a partir da música popular. O poema sinfónico Ave Libertas, por seu turno, foi composto para comemorar o primeiro aniversário da República Brasileira. Torna-se difícil admitir que a reunião destas três composições no mesmo programa e num local, o Salão do Palácio de Cristal, um otimista símbolo arquitetónico do progresso da cidade, obedecesse ao acaso.Um precursor da figura do músico-intelectualNa Alemanha, Viana da Mota apropriou-se de uma nova forma de entender a música, que ia muito para além do meramente decorativo. O respeito pelo legado da história, representado na obra de Bach e de Beethoven, e a necessidade de procurar ligações com o resto das artes e com a filosofia, na esteira do wagnerismo e do magistério de Liszt, definiram a sua personalidade artística em proporções equivalentes. Viana da Mota teve o mérito de introduzir em Portugal, no âmbito da música, uma conceção elitista da Arte como “actividade superior do espírito”, baseada na reflexão e no aperfeiçoamento constante da sua própria atividade enquanto músico. Foi um precursor em Portugal do modelo de músico-intelectual. Mais ainda, foi um dos poucos artistas portugueses cuja carreira teve verdadeira projeção internacional. Se o seu legado interpretativo não é, hoje em dia, ainda mais evidente é apenas por causa do número muito reduzido de registos sonoros das suas apresentações que chegaram até nós. Fica aqui o desejo de que pesquisas ulteriores nos descubram novos tesouros que testemunhem a sua arte, aplaudida ao longo de décadas nas principais capitais de Europa e da América.DiscografiaA melhor aproximação à arte de Viana da Mota será, sem dúvida, através da escuta dos registos disponíveis das suas próprias interpretações. A maior parte deles não são, porém, atualmente fáceis de conseguir. Foram editados em 1995 pela etiqueta Dante que, entretanto faliu. Esta gravação (Dante HPC 028) incui obras para solo piano da autoria de Busoni, Schubert, Chopin e Liszt, para além de peças do próprio compositor. São gravações realizadas por Viana da Mota para a casa Pathé por volta de 1927 e inclui, ainda, o Duettino concertante nach Mozart, de Busoni, tocado juntamente com uma das suas alunas (Mlle. Castello Lopes). O CD apresenta também uma interpretação ao vivo da Totentanz, de Liszt, realizada em 1945 juntamente com a Orquestra Sinfónica Nacional sob a batuta de Pedro de Freitas Branco. “Égloge” dos Années de pèlerinage está também incluída no volume “The Pupils of Liszt” (Pearl 9972). A antologia “Great Pianists on Piano Rolls” contém Polacca brillante op. 72, de Weber, numa execução realizada por Viana da Mota em 1905 (Phonographe Records 5027).É mais acessível a gravação de uma representativa seleção das suas composições para piano (editada em 2001 em CD) na interpretação do seu discípulo José Carlos Sequeira Costa (Marco Polo 8225116). Entre outras obras contém a Balada op. 16, da qual existem disponíveis mais três versões pelos pianistas António Rosado (PortugalSom 860018), Artur Pizarro (Hyperion A 67163) e Sofia Lourenço (Numérica 1077). As gravações de António Rosado e Artur Pizarro estão exclusivamente dedicadas à música de Viana da Mota. A primeira é um recital de piano solo que contempla duas peças não incluidas no CD de Sequeira Costa e a segunda reúne o Concerto em lá maior e a Fantasia Dramática, interpretados estes por Pizarro juntamente com a Orquestra Gulbenkian e com direção musical de Martyn Brabbins.A soprano Elvira Archer e o pianista Anton Illenberger gravaram nos anos 80 uma importante seleção das obras para vocais do compositor, em resultado do trabalho de pesquisa desenvolvido pela mencionada cantora em torno deste repertório (PortugalSom 870009). Contém canções sobre textos de poetas alemães, italianos e portugueses compostas entre 1883 e 1893.Existem três versões diferentes da Sinfonia à Pátria. Duas delas foram editadas pela PortugalSom e interpretadas, respetivamente, pela Orquestra Sinfónica da RDP dirigida por Silva Pereira e pela Orquestra Sinfónica do Estado Húngaro sob a batuta de Mátyás Antal (Portugalsom CD 870016/PS e SP 4117). Mais recentemente, Mario Mateus, à frente da Orquestra Filarmónica de São Petersburgo, gravou a sinfonia juntamente com a abertura Dona Inês de Castro, que nunca tinha sido registada anterioriormente (Northern Flowers 9938). Por último, no capítulo da música orquestral, foi também editada uma gravação do Vito, incluída no volume 12 da coleção Edição Pedro de Freitas Branco (PortugalSom 4116). _________________ BibliografiaAlexandre Delgado, A sinfonia em Portugal, Lisboa, Caminho da Música, 2002.Christine Wassermann Beirão, José Manuel de Melo Beirão e Elvira Archer (orgs.), Vianna da Motta e Ferruccio Busoni. Correspondência – 1898-1921, Lisboa, Caminho da Música, 2003.Fernando Lopes-Graça, Viana da Mota: subsídios para uma biografia incluindo 22 cartas ao autor, Lisboa, Sá da Costa, 1949 (reeditado em Opúsculos, vol. 3, Lisboa, Editorial Caminho, 1984).João de Freitas Branco, Viana da Mota: uma contribuição para o estudo da sua personalidade e da sua obra, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987 (2ª ed.).Maria Josefina Andersen, Viana da Mota interpretando os grandes músicos: estudos de estética musical, Figueira da Foz, Tipografia Popular, 1937.Teresa Cascudo e Maria Helena Trindade (eds.), José Vianna da Motta: 50 anos depois da sua morte, Lisboa, Instituto Português de Museus, 1998.Teresa Cascudo, “A década da invenção de Portugal na música erudita (1890-1899)”, Revista Portuguesa de Musicologia, 10, 2000, pp. 181-226.- “Relações musicais luso-brasileiras em finais do século XIX”, Revista Camões, Outubro-Dezembro de 2000, pp. 136-141.