titletitleAprender a brincar <subtitle type="text"></subtitle> <link rel="alternate" type="text/html" href="http://cvc.instituto-camoes.pt"/> <id>http://cvc.instituto-camoes.pt/</id> <updated>2025-09-28T06:07:52+00:00</updated> <author> <name>Centro Virtual Camões</name> <email>naoresponder.plataforma.cvc@fbapps.pt</email> </author> <generator uri="http://joomla.org" version="1.6">Joomla! - Open Source Content Management</generator> <link rel="self" type="application/atom+xml" href="http://cvc.instituto-camoes.pt/uma-simples-flor-nos-teus-cabelos-claros-dp5.html?format=feed&type=atom"/> <entry> <title>Sabia que? <link rel="alternate" type="text/html" href="http://cvc.instituto-camoes.pt/uma-simples-flor-nos-teus-cabelos-claros/sabia-que-70078-dp2.html"/> <published>2011-03-29T09:24:52+00:00</published> <updated>2011-03-29T09:24:52+00:00</updated> <id>http://cvc.instituto-camoes.pt/uma-simples-flor-nos-teus-cabelos-claros/sabia-que-70078-dp2.html</id> <author> <name>Luís Morgado</name> <email>luis.morgado@instituto-camoes.pt</email> </author> <summary type="html"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">SABIA QUE…<br /><br />... alguns títulos da obra de Cardoso Pires têm sido adaptados ao cinema?<br /><br />Os críticos têm destacado na escrita de Cardoso Pires certa aproximação à linguagem do cinema e alguns realizadores encontraram na obra do escritor matéria prima para fortes argumentos cinematográficos.<br /><br />Além da adaptação televisiva de alguns contos publicados no livro <em>Jogos de Azar</em>, também dois romances de Cardoso Pires deram já origem a filmes realizados por dois importantes realizadores portugueses:<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2009/03/balada-da-praia-dos-caes/">Balada da Praia dos Cães</a> (1986), realizado por José Fonseca e Costa, com Raul Solnado e Henrique Viana em papeis principais;<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2009/01/o-delfim/">O Delfim</a>, realizado por Fernando Lopes (2001), com interpretações de Alexandra Lencastre e Rogério Samora.  <br /><br />Agora, fique a par das recentes <a href="http://www.cinemaportugues.info/">estreias do cinema português</a> ou conheça outros filmes baseados em obras de escritores contemporâneos:<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2010/08/adeus-princesa/">Adeus Princesa</a> (baseado no livro de Clara Pinto Correira).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0115479/">Afirma Pereira </a>(baseado no livro de António Tabucchi).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0114452/">Sinais de Fogo</a> (baseado no livro de Jorge de Sena).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0108471/">Vale Abraão </a>(baseado no livro de Agustina Bessa Luís). <br /></span></summary> <content type="html"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">SABIA QUE…<br /><br />... alguns títulos da obra de Cardoso Pires têm sido adaptados ao cinema?<br /><br />Os críticos têm destacado na escrita de Cardoso Pires certa aproximação à linguagem do cinema e alguns realizadores encontraram na obra do escritor matéria prima para fortes argumentos cinematográficos.<br /><br />Além da adaptação televisiva de alguns contos publicados no livro <em>Jogos de Azar</em>, também dois romances de Cardoso Pires deram já origem a filmes realizados por dois importantes realizadores portugueses:<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2009/03/balada-da-praia-dos-caes/">Balada da Praia dos Cães</a> (1986), realizado por José Fonseca e Costa, com Raul Solnado e Henrique Viana em papeis principais;<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2009/01/o-delfim/">O Delfim</a>, realizado por Fernando Lopes (2001), com interpretações de Alexandra Lencastre e Rogério Samora.  <br /><br />Agora, fique a par das recentes <a href="http://www.cinemaportugues.info/">estreias do cinema português</a> ou conheça outros filmes baseados em obras de escritores contemporâneos:<br /><br /><a href="http://www.cinemaportugues.info/2010/08/adeus-princesa/">Adeus Princesa</a> (baseado no livro de Clara Pinto Correira).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0115479/">Afirma Pereira </a>(baseado no livro de António Tabucchi).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0114452/">Sinais de Fogo</a> (baseado no livro de Jorge de Sena).<br /><br /><a href="http://www.imdb.pt/title/tt0108471/">Vale Abraão </a>(baseado no livro de Agustina Bessa Luís). <br /></span></content> <category term="Uma simples flor nos teus cabelos claros" /> </entry> <entry> <title>Quem escreveu 2011-03-29T09:18:11+00:00 2011-03-29T09:18:11+00:00 http://cvc.instituto-camoes.pt/uma-simples-flor-nos-teus-cabelos-claros/quem-escreveu-5287-dp2.html Luís Morgado luis.morgado@instituto-camoes.pt <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">JOSÉ CARDOSO PIRES<br /><br />Nasceu em 1925, em São João do Peso, concelho de Vila de Rei (Castelo Branco). Em Lisboa, para onde veio com os pais ainda em criança, frequenta o Liceu Camões e, entre 1943-45, o curso de Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências.<br /><br />Depois de trabalhar como correspondente de inglês, agente de vendas e intérprete, ligou-se ao jornalismo, chegando a desempenhar já depois do 25 de Abril as funções de diretor-adjunto do jornal Diário de Lisboa. Entre 1969 e 1971 ensinou literatura portuguesa e brasileira no King’s College, em Londres, aí voltando em 1978/79 como escritor residente.<br /><br />José Cardoso Pires desenvolveu a sua carreira literária ao longo de quase cinquenta anos. Cultivou vários géneros, do romance à crónica, do conto à novela, passando pelo ensaio e pelo teatro. Entre várias distinções, o escritor recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela (em 1982, pelo romance <em>Balada da Praia dos Cães</em>) e o Prémio Vida Literária (em 1998) da Associação Portuguesa de Escritores.<br /><br />O escritor faleceu em 1998.</span></p> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Alguns destaques na sua obra:<br /><br /><em>Os Caminheiros e Outros Contos </em>(1949) - contos</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Anjo Ancorado </em>(1958) - romance</span></p> <span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Render dos Heróis </em>(1960) - teatro</span><span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Jogos de Azar </em>(1963) - contos</span><span style="font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Hóspede de Job </em>(1963) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Delfim </em>(1968) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Dinossauro Excelentíssimo </em>(1972) - fábula</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Balada da Praia dos Cães </em>(1982) - romanc<em>e</em></span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Alexandra Alpha </em>(1987) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Lisboa, Livro de Bordo </em>(1997) - crónica</span></p> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">De Profundis, Valsa Lenta  (1997) - memória</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><br /></span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Para saber mais sobre José Cardoso Pires. </span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">José Cardoso Pires na Literatura Portuguesa.</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">[Estabelecer os Links]</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">JOSÉ CARDOSO PIRES<br /><br />Nasceu em 1925, em São João do Peso, concelho de Vila de Rei (Castelo Branco). Em Lisboa, para onde veio com os pais ainda em criança, frequenta o Liceu Camões e, entre 1943-45, o curso de Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências.<br /><br />Depois de trabalhar como correspondente de inglês, agente de vendas e intérprete, ligou-se ao jornalismo, chegando a desempenhar já depois do 25 de Abril as funções de diretor-adjunto do jornal Diário de Lisboa. Entre 1969 e 1971 ensinou literatura portuguesa e brasileira no King’s College, em Londres, aí voltando em 1978/79 como escritor residente.<br /><br />José Cardoso Pires desenvolveu a sua carreira literária ao longo de quase cinquenta anos. Cultivou vários géneros, do romance à crónica, do conto à novela, passando pelo ensaio e pelo teatro. Entre várias distinções, o escritor recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela (em 1982, pelo romance <em>Balada da Praia dos Cães</em>) e o Prémio Vida Literária (em 1998) da Associação Portuguesa de Escritores.<br /><br />O escritor faleceu em 1998.</span></p> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Alguns destaques na sua obra:<br /><br /><em>Os Caminheiros e Outros Contos </em>(1949) - contos</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Anjo Ancorado </em>(1958) - romance</span></p> <span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Render dos Heróis </em>(1960) - teatro</span><span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Jogos de Azar </em>(1963) - contos</span><span style="font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Hóspede de Job </em>(1963) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>O Delfim </em>(1968) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Dinossauro Excelentíssimo </em>(1972) - fábula</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Balada da Praia dos Cães </em>(1982) - romanc<em>e</em></span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Alexandra Alpha </em>(1987) - romance</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><em>Lisboa, Livro de Bordo </em>(1997) - crónica</span></p> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;"> </span> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">De Profundis, Valsa Lenta  (1997) - memória</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;"><br /></span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Para saber mais sobre José Cardoso Pires. </span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">José Cardoso Pires na Literatura Portuguesa.</span></p> <p><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">[Estabelecer os Links]</span></p> Ler o texto 2011-03-29T09:16:16+00:00 2011-03-29T09:16:16+00:00 http://cvc.instituto-camoes.pt/uma-simples-flor-nos-teus-cabelos-claros/ler-o-texto-73517-dp1.html Luís Morgado luis.morgado@instituto-camoes.pt <span style="font-family: arial; font-size: x-small;">UMA SIMPLES FLOR NOS TEUS CABELOS CLAROS<br /><br />«Mas a meio caminho voltou para trás, direita ao mar. Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na escuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.<br /><br />Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem.»<br /><br />«Marcaste o despertador»<br /><br />«Hã?»<br /><br />«O despertador, Quim. Para que horas o puseste?»<br /><br />«...E tudo à volta era névoa, fumo do mar rolando ao lume das águas e depois invadindo mansamente a costa deserta. Havia esse sudário fresco, quase matinal, embora, cravado no céu verde-ácido, despontasse já o brilho frio da primeira estrela do anoitecer...»<br /><br />«Desculpa, mas não estou descansada. Importas-te de me passar o despertador?»<br /><br />«O despertador?»<br /><br />«Sim, o despertador. Com certeza que não queres que eu me levante para o ir buscar. És de força, caramba.»<br /><br />«Pronto. Estás satisfeita?»<br /><br />«Obrigada. Agora lê à vontade, que não te torno a incomodar. Eu não dizia? Afinal não lhe tinhas dado corda... Que horas são no teu relógio? Deixa, não faz mal. Eu regulo-o pelo meu.»<br /><br />«- Mais um mergulho - pedia a rapariga.<br /><br />A dois passos dele sorria-lhe e puxava-o pelo braço;<br /><br />- Só mais um, Paulo. Não imaginas como a água está estupenda. Palavra, amor. Estupenda, estupenda, estupenda.<br /><br />Uma alegria tranquila iluminava-lhe o corpo. A neblina bailava em torno dela, mas era como se a não tocasse. Bem ao contrário: era como se, com a sua frescura velada, apenas despertasse a morna suavidade que se libertava da pele da rapariga.<br /><br />- Não, agora já começa a arrefecer - disse Paulo. - Vamo-nos vestir?<br /><br />Estavam de mãos dadas, vizinhos do mar e, na verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas na pele cintilante da jovem ou no eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda no rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer aos pés deles num distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a brilhar por instantes num rasgão do nevoeiro.<br /><br />Paulo apertou mansamente a mão da companheira;<br /><br />- Embora?<br /><br />- Embora - respondeu ela.<br /><br />E os dois, numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças de água, alforrecas mortas e tudo o mais, até tombarem de cansaço.»<br /><br />«Quim... »<br /><br />«Outra vez?»<br /><br />«Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido.»<br /><br />«Lê um bocado, experimenta.»<br /><br />«Não vale de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga... É isso, preciso de mudar de droga.»<br /><br />«- Tão bom, Paulo. Não está tão bom?<br /><br />- Está óptimo. Está um tempo espantoso.<br /><br />Maria continuava sentada na areia. Com os braços envolvendo as pernas e apertando as faces contra os joelhos, fitava o nada, a brancura que havia entre ela e o mar, e os olhos iam-se-lhe carregando de brilho.<br /><br />- Tão bom - repetia.<br /><br /> - Sim, mas temos que ir.<br /><br />Com o cair da tarde a névoa desmanchava-se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá-lo de terra como uma muralha apagada, e, de surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde e entristecida. Já de pé, Paulo avistava ao longe a janela iluminada do restaurante.<br /><br />- O homem deve estar à nossa espera - disse ele. - Ainda não tens apetite?<br /><br />- E tu, tens?<br /><br />- Uma fome de tubarão.<br /><br />- Então também eu tenho, Paulo.<br /><br />- Ora essa?<br /><br />- Tenho, pois. Hoje sinto tudo o que tu sentes. Palavra.<br /><br />«Se isto tem algum jeito. Qualquer dia já não há comprimidos que me cheguem, meu Deus.»<br /><br />«Faço ideia, com essa mania de emagrecer... »<br /><br />«Não, filho. O emagrecer não é para aqui chamado. Se não consigo dormir, é por outras razões. Olha, talvez seja por andar para aqui sozinha a moer arrelias, sem ter com quem desabafar. Isso, agora viras-me as costas. Nem calculas a inveja que me fazes.»<br /><br />«Pois.»<br /><br />«Mas sim, fazes-me uma inveja danada. Contigo não há complicações que te toquem. Voltas as costas e ficas positivamente nas calmas. Invejo-te, Quim. Não calculas como eu te invejo. Não acreditas?»<br /><br />«Acredito, que remédio tenho eu?»<br /><br />«Que remédio tenho eu... É espantoso. No fim de contas ainda ficas por mártir. E eu? Qual é o meu remédio, já pensaste? Envelhecer estupidamente. Aí tens o meu remédio.»<br /><br />«Partiram às gargalhadas. À medida que se afastavam do mar, a areia, sempre mais seca e solta, retardava-lhes o passo e, é curioso, sentiam as noite abater-se sobre eles. Sentiam-na vir, muito rápida, e entretanto distinguiam cada vez melhor, as piteiras encravadas nas dunas, a princípio pequenas como galhos secos e logo depois maiores do que lhes tinham parecido à chegada. E ainda as manchas esfarrapadas dos chorões rastejando pelas ribas arenosas, o restaurante ermo, as traves; de madeira roídas pela maresia e, cá fora, as cadeiras de verga, que o vento tombara, soterradas  na areia.<br /><br />- O mar nunca aqui chega - tinha dito o dono da casa. - Quando é das águas vivas, berra lá fora como um danado. Mas aqui, não senhor. Aqui não tem ele licença de chegar.»<br /><br />«A verdade é que são quase duas horas e amanhã não sei como vai ser para me levantar. Escuta...»<br /><br />«Que é?»         <br /><br />«Não estás a ouvir passos?»<br /><br />«Passos?»<br /><br />«Sim. Parecia mesmo gente lá dentro, na sala. Se soubesses os sustos que apanho quando estou com insónias. A Nanda lá nisso é que tem razão. Noite em que não adormeça veste-se e vai dar uma volta com o marido, a qualquer lado. Acho um exagero, eu nunca seria capaz de te acordar... mas, enfim, ela lá sabe. O que é certo é que se entendem à maravilha um com o outro. E isso, Quim, apesar de ser a tal tipa, que tu dizes. Também, ainda estou para ter uma amiga que na tua boca não seja uma tipa ou uma galinha.»<br /><br /><br /><br /></span> <div style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">José Cardoso Pires, <em>Jogos de Azar</em>, <br />Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999 (7ª ed.). </span></div> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;">UMA SIMPLES FLOR NOS TEUS CABELOS CLAROS<br /><br />«Mas a meio caminho voltou para trás, direita ao mar. Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na escuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.<br /><br />Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem.»<br /><br />«Marcaste o despertador»<br /><br />«Hã?»<br /><br />«O despertador, Quim. Para que horas o puseste?»<br /><br />«...E tudo à volta era névoa, fumo do mar rolando ao lume das águas e depois invadindo mansamente a costa deserta. Havia esse sudário fresco, quase matinal, embora, cravado no céu verde-ácido, despontasse já o brilho frio da primeira estrela do anoitecer...»<br /><br />«Desculpa, mas não estou descansada. Importas-te de me passar o despertador?»<br /><br />«O despertador?»<br /><br />«Sim, o despertador. Com certeza que não queres que eu me levante para o ir buscar. És de força, caramba.»<br /><br />«Pronto. Estás satisfeita?»<br /><br />«Obrigada. Agora lê à vontade, que não te torno a incomodar. Eu não dizia? Afinal não lhe tinhas dado corda... Que horas são no teu relógio? Deixa, não faz mal. Eu regulo-o pelo meu.»<br /><br />«- Mais um mergulho - pedia a rapariga.<br /><br />A dois passos dele sorria-lhe e puxava-o pelo braço;<br /><br />- Só mais um, Paulo. Não imaginas como a água está estupenda. Palavra, amor. Estupenda, estupenda, estupenda.<br /><br />Uma alegria tranquila iluminava-lhe o corpo. A neblina bailava em torno dela, mas era como se a não tocasse. Bem ao contrário: era como se, com a sua frescura velada, apenas despertasse a morna suavidade que se libertava da pele da rapariga.<br /><br />- Não, agora já começa a arrefecer - disse Paulo. - Vamo-nos vestir?<br /><br />Estavam de mãos dadas, vizinhos do mar e, na verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas na pele cintilante da jovem ou no eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda no rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer aos pés deles num distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a brilhar por instantes num rasgão do nevoeiro.<br /><br />Paulo apertou mansamente a mão da companheira;<br /><br />- Embora?<br /><br />- Embora - respondeu ela.<br /><br />E os dois, numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças de água, alforrecas mortas e tudo o mais, até tombarem de cansaço.»<br /><br />«Quim... »<br /><br />«Outra vez?»<br /><br />«Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido.»<br /><br />«Lê um bocado, experimenta.»<br /><br />«Não vale de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga... É isso, preciso de mudar de droga.»<br /><br />«- Tão bom, Paulo. Não está tão bom?<br /><br />- Está óptimo. Está um tempo espantoso.<br /><br />Maria continuava sentada na areia. Com os braços envolvendo as pernas e apertando as faces contra os joelhos, fitava o nada, a brancura que havia entre ela e o mar, e os olhos iam-se-lhe carregando de brilho.<br /><br />- Tão bom - repetia.<br /><br /> - Sim, mas temos que ir.<br /><br />Com o cair da tarde a névoa desmanchava-se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá-lo de terra como uma muralha apagada, e, de surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde e entristecida. Já de pé, Paulo avistava ao longe a janela iluminada do restaurante.<br /><br />- O homem deve estar à nossa espera - disse ele. - Ainda não tens apetite?<br /><br />- E tu, tens?<br /><br />- Uma fome de tubarão.<br /><br />- Então também eu tenho, Paulo.<br /><br />- Ora essa?<br /><br />- Tenho, pois. Hoje sinto tudo o que tu sentes. Palavra.<br /><br />«Se isto tem algum jeito. Qualquer dia já não há comprimidos que me cheguem, meu Deus.»<br /><br />«Faço ideia, com essa mania de emagrecer... »<br /><br />«Não, filho. O emagrecer não é para aqui chamado. Se não consigo dormir, é por outras razões. Olha, talvez seja por andar para aqui sozinha a moer arrelias, sem ter com quem desabafar. Isso, agora viras-me as costas. Nem calculas a inveja que me fazes.»<br /><br />«Pois.»<br /><br />«Mas sim, fazes-me uma inveja danada. Contigo não há complicações que te toquem. Voltas as costas e ficas positivamente nas calmas. Invejo-te, Quim. Não calculas como eu te invejo. Não acreditas?»<br /><br />«Acredito, que remédio tenho eu?»<br /><br />«Que remédio tenho eu... É espantoso. No fim de contas ainda ficas por mártir. E eu? Qual é o meu remédio, já pensaste? Envelhecer estupidamente. Aí tens o meu remédio.»<br /><br />«Partiram às gargalhadas. À medida que se afastavam do mar, a areia, sempre mais seca e solta, retardava-lhes o passo e, é curioso, sentiam as noite abater-se sobre eles. Sentiam-na vir, muito rápida, e entretanto distinguiam cada vez melhor, as piteiras encravadas nas dunas, a princípio pequenas como galhos secos e logo depois maiores do que lhes tinham parecido à chegada. E ainda as manchas esfarrapadas dos chorões rastejando pelas ribas arenosas, o restaurante ermo, as traves; de madeira roídas pela maresia e, cá fora, as cadeiras de verga, que o vento tombara, soterradas  na areia.<br /><br />- O mar nunca aqui chega - tinha dito o dono da casa. - Quando é das águas vivas, berra lá fora como um danado. Mas aqui, não senhor. Aqui não tem ele licença de chegar.»<br /><br />«A verdade é que são quase duas horas e amanhã não sei como vai ser para me levantar. Escuta...»<br /><br />«Que é?»         <br /><br />«Não estás a ouvir passos?»<br /><br />«Passos?»<br /><br />«Sim. Parecia mesmo gente lá dentro, na sala. Se soubesses os sustos que apanho quando estou com insónias. A Nanda lá nisso é que tem razão. Noite em que não adormeça veste-se e vai dar uma volta com o marido, a qualquer lado. Acho um exagero, eu nunca seria capaz de te acordar... mas, enfim, ela lá sabe. O que é certo é que se entendem à maravilha um com o outro. E isso, Quim, apesar de ser a tal tipa, que tu dizes. Também, ainda estou para ter uma amiga que na tua boca não seja uma tipa ou uma galinha.»<br /><br /><br /><br /></span> <div style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">José Cardoso Pires, <em>Jogos de Azar</em>, <br />Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999 (7ª ed.). </span></div>