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Náutica Mediterrânica (s. XIII-XIV)

Náutica Mediterrânica (s. XIII-XIV)

Toda a problemática da náutica do Mediterrâneo, neste período, está de alguma forma centrada na questão dos portulanos. No entanto, outras questões fundamentais se colocam. Na realidade, o portulano, segundo Bacchisio Motzo (c.1250-1265), seria composto por duas partes: a primeira, um guia escrito com indicações relativas à navegação no Mediterrâneo e, a segunda, uma carta náutica que o ilustrava. Numa primeira fase o portulano corresponderia, grosso modo, ao roteiro português do século XVI e ao Périplo da Antiguidade. Esta equivalência é facilmente admitida se observarmos o conteúdo da informação aí existente. Basicamente, o que encontramos no portulano é a mesma linguagem simples e técnica dos roteiros destinada aos pouco cultos, e muito práticos, homens do mar: os pilotos. Pode, desta forma, considerar-se o antepassado dos actuais Pilots e Roteiros que descrevem, com grande pormenor, as costas, portos, conhecenças, distâncias, ventos e correntes de todo o globo. Por seu turno, a carta-portulano, porque criada numa época ainda com poucos recursos técnicos, limitava-se a definir os rumos e as distâncias entre os pontos referenciados, e que mais não eram do que os portos que serviam de escala, por motivos comerciais, ou não, à navegação coeva. Os rumos assinalados referiam-se, muito provavelmente, a rumos magnéticos e as distâncias, em milhas, e posteriormente em léguas. Este auxiliar precioso para a navegação terá aparecido no século XIII, segundo tudo o indica. O grande pormenor de toda a orla costeira, com quase total ausência de informação e definição do interior, seguramente atesta a origem náutica da carta-portulano. Tudo leva a crer, por isso, que se a carta-portulano servia as navegações, certamente terá tido nesse meio a sua origem. A existência de cartas-portulano a bordo encontra-se documentada pelo menos a partir de 1294. Embora não comprovada, a sua origem foi, muito provavelmente, genovesa ou veneziana. É que as mais antigas cartas-portulano conhecidas ilustram, com maior rigor, as zonas navegadas por estes marinheiros. Posteriormente, os conhecimentos necessários à sua elaboração terão passado para os marinheiros aragoneses, maiorquinos, franceses e portugueses. As cartas mais antigas continham 16 linhas de rumo a partir da rosa-dos-ventos. Mais tarde, já no século XV, passaram a ter 32 linhas de rumo. Esta melhoria no rigor esteve certamente ligada ao aperfeiçoamento das agulhas magnéticas, e da sua graduação, existentes a bordo. Não menos importante é o facto de ser a partir da referência magnética que se passou a orientar as cartas para o Norte, ou seja, com o aspecto que ainda hoje têm: o Norte «para cima». Quanto à navegação levada a cabo no Mediterrâneo, ela era do tipo «rumo e estima», ou navegação estimada. Ao navegar a uma determinada proa magnética, e com conhecimento do abatimento do navio, provocado por ventos e correntes, o piloto conseguia, com algum rigor, determinar a posição futura e corrigir esse abatimento. Deveria também existir, a exemplo das tábuas utilizadas pelos navios portugueses, para determinar a distância percorrida em função da intensidade do vento, um processo idêntico tanto para navios à vela como a remos. É que de outra forma seria impossível fazer estima, sem se ter uma noção do andamento do navio. Peça fundamental neste tipo de navegação era a agulha magnética, ou bússola, utilizada no Mediterrâneo, de acordo com a documentação, a partir do final do século XII ou, mais seguramente, início do século XIII. Este instrumento de simples concepção não terá sofrido grandes alterações ao longo dos tempos.

Quanto à toleta de marteloio, que muitos autores julgam ter sido amplamente utilizada, esta requeria, da parte dos pilotos, alguns conhecimentos de aritmética e matemática. Conhecimentos estes que, de acordo com a formação dos homens do mar, eles não teriam. Para além disso, existindo nas cartas uma, ou mais, escalas de distâncias, pensamos que de uma forma gráfica, e muito mais simples, se poderiam conhecer os factores alargar, avançar, retorno e avanço, que constam da tabela. Não devemos esquecer que a carta de Andrea Bianco, onde se encontra a toleta, não era uma carta para homens do mar, mas um objecto de luxo acerca do conhecimento geográfico coevo.

O prumo de mão, já conhecido dos romanos, foi certamente utilizado neste período para determinar as profundidades que eram implantadas nas cartas e, mais importante, saber se o navio podia praticar, em segurança, um determinado porto ou fundeadouro.

António Gonçalves


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, Os antecedentes históricos das técnicas de navegação e cartografia na época dos Descobrimentos, Lisboa, CNPCDP, 1988
CORTESÃO, Armando, Cartografia Portuguesa Antiga, Lisboa, Comissão das Comemorações do Infante D. Henrique, 1958
COSTA, Abel Fontoura da, A Marinharia dos Descobrimentos, 4ª edição, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1983
MOTA, Avelino Teixeira da, «A Arte de Navegar no Mediterrâneo nos séculos XIII-XVII e a criação da Navegação Astronómica no Atlântico e Índico» (1957), in Anais do Clube Militar Naval, número especial, Lisboa, 1997, pp.7-26.