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Pires, André

Pires, André

O nome de André Pires, piloto português do século XVI, surge-nos num códice existente na Biblioteca Nacional de Paris. Trata-se de um conjunto de diversos documentos de temática náutica e astronómica reunidas numa única obra, a qual é conhecida por Livro de Marinharia de André Pires.

Este Livro terá sido adquirido por Jean Nicot, embaixador francês em Portugal de 1559 a 1561, do qual é conhecido o interesse por obras e documentos relativos às descobertas e às navegações portuguesas. Alguns autores afirmaram que o Livro de André Pires teria sido adquirido, não em Portugal, mas em Espanha, uma vez que este piloto teria acompanhado Fernão de Magalhães, quando este deixou Portugal, e servido, de igual modo, os interesses espanhóis. No entanto, e como defende Luís de Albuquerque, não existem nenhuns dados concretos que comprovem este facto. Por outro lado, seria muito mais provável que o embaixador francês o tivesse adquirido em Lisboa, onde exerceu funções, uma vez que em Espanha o seu preço seria muito mais elevado, dada a raridade destas compilações portuguesas no reino vizinho, sendo que nesta cidade obras do mesmo género deveriam habitualmente circular entre os pilotos.

Com efeito, durante os séculos XVI e XVII, os pilotos e navegadores portugueses registavam, para seu uso pessoal, todas as informações de interesse náutico que chegavam ao seu conhecimento e que decorriam da própria experiência adquirida nas suas viagens. Deste modo, a designação de «livro de marinharia» foi o termo encontrado por Brito Rebelo para as classificar, aquando da publicação em 1903 de uma das compilações de textos náuticos mais antiga que conhecemos e que é atribuída ao piloto João de Lisboa, designação essa que reflecte perfeitamente a natureza destas compilações e das temáticas ali versadas.

Segundo Luís de Albuquerque, o Livro de Marinharia de André Pires terá sido organizado no segundo quartel do século XVI e, muito provavelmente, no final desse período, muito embora alguns dos textos possam ser datados, com grande probabilidade, entre 1500 e 1520. Isto porque muitos dos textos, senão a sua grande maioria, não são da autoria deste piloto. Tratam-se de regras para a navegação astronómica, com os respectivos regimentos do Sol, da Estrela Polar, da Estrela (Cruzeiro) do Sul; algumas noções elementares de cosmografia; tábuas de declinações solares; roteiros de navegação, como é o caso do incompleto «Livro de rotear de Portugal para a Índia, e da Índia para Portugal, e para todas as partes descobertas», bem como o roteiro dos «lugares que estão das portas do estreito (entrada do Mar Vermelho) para dentro», entre outros temas abordados. No entanto, a André Pires é claramente atribuível a autoria das observações para o uso das tábuas solares e dos dois primeiros regimentos do Sol constantes nesta obra, para além de algumas correcções e anotações do piloto resultantes da sua própria experiência, embora algumas vezes com erros evidentes. As restantes matérias teriam sido coligidas a partir de compilações anteriores que, como foi dito acima, circulariam entre os pilotos do reino. Deste modo, poderemos então comparar o Livro de Marinharia de André Pires com as obras da mesma natureza que conhecemos para o século XVI, pelo que, e apesar do seu número ser bastante diminuto, ser-nos-à possível traçar uma perspectiva aproximada acerca dos conhecimentos náuticos dos pilotos portugueses desse período.


Bruno Gonçalves Neves


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, O Livro de Marinha de André Pires, introdução de Armando Cortesão, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar, 1963.
IDEM, Curso de História da Náutica, Coimbra, Livraria Almedina, 1972.
IDEM, “Livros de Marinharia”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, [..., dir.], vol. II, [s.l.], Caminho, 1994, pp. 615-616.