Vergílio Ferreira (1916-1996)
Notabilizou-se como romancista e ensaísta (Espaço do Invisível, 1965, Invocação ao Meu Corpo, 1969), tendo os seus romances de início sofrido a influência neorrealista (O Caminho Fica Longe, 1943), para prosseguirem no sentido do existencialismo de Sartre e Heiddeger (Mudança, 1949, Aparição, 1959).
Simultaneamente lírico e de libelos violentos em relação à sua contemporaneidade, exerce uma reflexão sobre o tempo, romanesco e existencial, que orienta para a valorização da vida (Alegria Breve, 1965), para o protesto em relação a todas as acomodações políticas e sociais (Signo Sinal, 1979) ou para a perceção da articulação entre os opostos do ser humano no seu decurso (morte/vida, beleza/fealdade, sagrado/profano, criação/destruição), em torno das noções da sua existência e do seu limiar (Até ao Fim, 1987, Em Nome da Terra, 1990).
Desenho de Mário Eloy [1900-1951]
Estou só - estás só. Não penses. Não fales. És em ti apenas o máximo de ti. Qualquer coisa mais alta do que tu te assumiu e rejeitou como a árvore que se poda para crescer. Que te dá pensares-te o ramo que se suprimiu? A árvore existe e continua para fora da tua acidentalidade suprimida. O que te distingue e oprime é o pensamento que a pedra não tem para se executar como pedra. E as estrelas, e os animais. Funda aí a tua grandeza se quiseres, mas que reconheças e aceites a grandeza que te excede.
Para Sempre
© Instituto Camões, 2001
Em Arte Poética II, Sophia de Mello Breyner Andresen (n. 1919) escreve:
A poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala duma vida ideal mas duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
Para Sophia, a poesia é, pois, encontro do ser com o concreto do mundo, e repare-se como, explicitando o que para si é a poesia, a autora insensivelmente já está a fazer poesia, comunicando a sua perceção das coisas através da transfiguração da palavra poética.Publica livros desde 1944 (também prosa de ficção, e livros para crianças como A Menina do Mar e A Fada Oriana, 1958), e um dos seus grandes temas é o mar, com a luminosidade de conhecimento solar e a regularidade de reconstrução do movimento, ou respiração vital, que ele comunica, ou mesmo na epifania do mundo. Em Dia do Mar (1947), «Navegação»:
Distância da distância derivadaAparição do mundo: a terra escorrePelos olhos que a vêem revelada.E atrás um outro longe imenso morre.
Muito sensível às implicações culturais da política e do sentimento da liberdade, exprime por vezes a pequenez dos ambientes que a opressão social sufoca. Em Livro Sexto (1962), «Exílio»:
Quando a pátria que temos não a temosPerdida por silêncio e por renúnciaAté a voz do mar se torna exílioE a luz que nos rodeia é como grades.
© Instituto Camões, 2001