Planisfério anónimo de 1502 (dito «de Cantino»)

Planisfério anónimo de 1502 (dito «de Cantino»)
Planisfério anónimo de 1502 (dito «de Cantino») O Brasil no planisfério anónimo português de 1502 [Clique na imagem para a ampliar] O planisfério português, anónimo, conhecido por  Cantino , datado de 1502 - hoje, propriedade da biblioteca estense de Modena, em Itália - constitui um documento de particular importância para o estudo da primeira fase da Expansão Marítima, na medida em que reflecte o conhecimento geográfico português, num dos seus momentos mais decisivos, pouco tempo depois das viagens de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e João da Nova - esta última já muito próxima do final da obra, não sendo claro que para ela tenha concorrido com qualquer novidade. O mapa tem, para além do mais, uma história curiosa que o permitiu datar com rigor e seguir os seus primeiros passos, compreendendo as circunstâncias em que foi feito. Um embaixador do Duque de Ferrara, Hércules d'Este, chamado Alberto Cantino, passou por Lisboa nos primeiros anos do século XVI, e terá conseguido comprar os favores de um (ou mais do que um) mestre cartógrafo que lhe fez uma copia do padrão real existente na Casa da Índia, com as mais recentes descobertas geográficas portuguesas. Quis a fortuna que se guarde a correspondência trocada entre o duque e o seu embaixador, revelando-nos que o trabalho foi pago pela exorbitante quantia de 12 ducados de oiro, sabendo-se ainda que a 19 de Novembro de 1502 viajava a caminho do seu destino, passando por Roma, de onde o próprio Cantino escrevia ao duque a dar-lhe notícias da preciosa compra, que deve ter saído de Lisboa algumas semanas antes desta carta. O mapa está traçado sobre várias folhas de pergaminho, coladas lado a lado, sobre uma tela, medindo 1,050mm x 2,200mm, e representando todo o mundo conhecido, profusamente iluminado com símbolos heráldicos e outros sinais representativos, que foram desenhados em fases diferentes da sua elaboração, numa sequência que merecia um estudo aprofundado ainda por fazer. Dois sistemas de rosas dos ventos, tangentes do centro da carta, formam uma teia de linhas de rumo cujo traçado é posterior ao desenho das terras, das ilhas e mesmo da inscrição da maioria dos topónimos, como se comprova do facto de estarem interrompidas nesses mesmos locais. Possui seis troncos de léguas, e, pela primeira vez (que se saiba) tem desenhados o Equador, os dois Trópicos e o Círculo Polar Ártico, o que torna implícita a existência de uma escala de latitudes, com um valor aproximado de 17,5 léguas por grau. Pode ainda ver-se a linha divisória resultante do Tratado de Tordesilhas, sobre a qual está a seguinte inscrição:  Este he o marco dantre castella e portuguall . Com base na implícita escala de latitudes, constataram Duarte Leite e Gago Coutinho que apenas estão representados 257º de longitude, dos 360º que eram devidos a todo o orbe. Para uma sucinta, mas tão sistemática quanto possível análise do mapa, vamos dividi-lo em quatro zonas distintas: a região ocidental, que corresponde à actual América; a África com a Península Industânica, que já fora visitada pelos portugueses; a Europa com o Mediterrâneo; e o Oriente onde ainda não tinham chegado navios europeus. A parte ocidental está cortada pela linha de Tordesilhas, com as ilhas descobertas pelas viagens espanholas e a zona continental por eles explorada no final do século XV, representada tal como está no mapa de Juan de la Cosa, datado de 1500. Continuando para leste e sul a linha de costa  descoberta per mãdado del Rey de caltella , encontramos os contornos do Brasil, numa extensão bastante considerável. Não podemos ter certezas sobre a origem exacta das informações geográficas que deram origem a esse traçado, mas é lícito conjecturar que poderão ter vindo do próprio Pedro Álvares Cabral, em 1500, ou de Gaspar de Lemos, o comandante do navio que foi enviado a Lisboa com as notícias do  achamento do Brasil e que percorreu uma parte da costa antes de regressar ao reino. Uma terceira hipótese, menos verosímil, aponta para uma eventual viagem de André Gonçalves, enviado por D. Manuel logo que recebeu as notícias de Cabral. Essa viagem é referida por Gaspar Correia, mas o facto de estar omissa nos outros cronistas e não haver documentação complementar que a comprove, levou a que fosse posta em dúvida. É possível, ainda, que João da Nova, tendo saído de Lisboa em 1501 e chegado a 11 (ou 13) de Setembro de 1502, possa ter fornecido algumas informações para o desenho do padrão real de onde terá sido copiado este mapa, e um argumento que tem sido usado a favor desta hipótese é a marcação da ilha de Ascensão, eventualmente descoberta por este navegador na viagem de ida para a Índia. Em boa verdade, pouco tempo teria o cartógrafo desde a chegada de João da Nova até o mapa ter embarcado para o seu destino, mas sempre se admitiu que a colocação de uma ilha, por pequena que é e por não alterar grandemente o desenho, não traria grande dificuldade. Faço notar, no entanto, que o que está no mapa não é a ilha de Ascensão. Nesse lugar, e apesar de ter esse mesmo nome, está lá um arquipélago de seis ilhas que não parece terem sido acrescentadas à pressa. O arquipélago (que é, naturalmente, um erro geográfico) não só foi desenhado antes da teia de linhas de rumo, como existem sinais evidentes de que a união de pergaminhos sobre a qual está situado foi descolada e voltada a colar (com um pequeno deslocamento), já depois do traçado. A representação de Ascensão não é um aditamento simples de última hora, e o que lá está mais parece ser o resultado de avistamentos difusos, anteriores à viagem de João da Nova, do que o resultado de um descoberta conhecida em Lisboa umas semanas antes de ter sido completado o mapa.. A África do  Cantino tem sido apontada como a mais surpreendente representação de um continente que só tinha sido contornado três vezes. É impressionante o rigor conseguido, atribuído à eficiência técnica dos navegadores portugueses daquele tempo. Essas navegações foram, de facto, magníficas, mas não creio que seja essa a razão porque o continente africano aparece representado com tanto rigor no  Cantino , levando a supor que assim estaria no perdido padrão da Casa da Índia, que servia de modelo a todas as cartas da época. Neste mapa de 1502 a distância em  graus grandes (graus de círculo máximo) que separa as ilhas afortunadas do Cabo Guardafui, corresponde à medida exacta dada por Ptolomeu na sua Geografia, e não é provável que os portugueses tenham esquecido uma informação deste calibre (ainda por cima referente a uma zona que era, por demais, conhecida no tempo de Ptolomeu) para irem à procura da sua própria África que descobririam em apenas três viagens marítimas. E por muito que queiramos elevar as viagens portuguesas de Quinhentos, compreenderemos que nunca eram feitas de forma linear, nem com a ajuda de referências, decorrendo em enormes travessias irregulares, de que sabemos hoje alguns pormenores e, sobretudo, as indefinições. O desenho da África do  Cantino (ou o desenho do padrão real) parte de um pressuposto fundamental: a sua largura ou distância entre as ilhas Canárias e o Cabo Guardafui é de 83º de longitude, como tinha dito Ptolomeu (distância entre as Ilhas Afortunadas e o Cabo Aromata). A partir deste dado, foi explorada e desenhada a costa Africana - primeiro ocidental e depois oriental - ajustando-se sucessivamente os contornos, para que pudessem ir unir-se aos extremos já conhecidos Quase todos os autores que abordaram este assunto referiram a destruição dos mitos ptolemaicos, na medida em que foram, de facto, eliminados os seculares erros que povoavam o conhecimento geográfico ocidental, mas não se lembraram que havia valores bem conhecidos do sábio alexandrino, sendo lógico que os portugueses os adoptassem. Um desses valores era a distância em graus do Cabo Aromata às Ilhas afortunadas. A África de 1502 deve-se, portanto, à conjugação de dois saberes: um clássico, que conhecia a diferença de longitude entre os dois extremos do continente; e outro de  experiência feito , assente nas navegações do século XV, que foi construindo os contornos do resto da costa até unir as duas partes conhecidas. O enquadramento da costa, de aí até à Índia fez-se, pois, com relativa facilidade, subsistindo o evidente desenho ptolemaico do Golfo Pérsico a confirmar a importância do geógrafo grego. Em tempos, alguns autores invocaram um conjunto de inscrições que se podem ver no interior do continente africano, para supor que D. João II imaginara o Preste João mais perto da costa ocidental do que realmente estava, e uma África muito mais estreita, que servira de base ao desenvolvimento de uma estratégia política. Sem contestar os pressupostos da estratégia política, creio que a visão da África sempre teve a largura que lhe deu Ptolomeu, aguardando apenas o fecho da linha de costa, com as navegações a sul. O traçado dos contornos europeus corresponde ao que era tradicional naquele tempo, decorrendo da técnica cartográfica mediterrânica, com os seus centros principais nas Ilhas Baleares e na Itália (cada uma com as suas peculiaridades, mas com traços gerais semelhantes). É evidente a existência de uma repetição de imagens que vinha do século XIV, que os portugueses encaixaram no seu próprio conhecimento, verificando-se com facilidade onde estão os pontos de descontinuidade. Repare-se, por exemplo, como as dimensões do Mediterrâneo, no sentido leste-oeste, estão muito curtas em relação ao tamanho da África, criando um istmo de Suez com uma dimensão descomunal, que, de maneira nenhuma, pode ser explicada pela falta de conhecimento sobre um local que, durante séculos, tão batido fora por mercadores e peregrinos. Este erro permaneceu nas cartas portuguesas durante décadas e compreende-se muito facilmente porquê. Lembremo-nos que a África está desenhada com base numa  quasdrícula de  graus grandes (como se fossem graus de Equador), enquanto as representações do Mediterrâneo eram feitas com base num conhecimento de distâncias lineares (na realidade distancias e rumos, embora, para este efeito, apenas nos interesse considerar as distâncias). Um grau de longitude no Mediterrâneo (38º ou 39º de latitude) tem apenas 13,5 léguas. Ora quando se une uma carta graduada em distâncias, duma zona que se desenvolve longitudinalmente e em que o grau de longitude tem 13,5 léguas, com outra onde o grau tem 17,5 léguas, o desfasamento é inevitável, e as descontinuidades dos contornos do território só podem ser evitados com artifícios de que resultam tão absurdos como o enorme istmo de Suez. Esta explicação dá-a Pedro Nunes 35 anos mais tarde, e referindo-se às cartas do seu tempo, onde ainda subsistia este erro. Finalmente, resta-me falar da Ásia, e, sobretudo, da Ásia para leste do Cabo Comorim onde nunca tinham estado os portugueses. A parte do  Cantino que representa essa região surge-nos tosca e desajustada das linhas de referência gerais do mapa (Equador e Trópicos). É fácil compreender como a informação dessas paragens resulta de uma fonte oriental cuja linguagem técnica ainda não era entendida pelos portugueses. O mapa tem assinalados locais com valores de alturas estelares em isba (unidade oriental) , mas, com frequência, mal colocados, mesmo que fosse feita uma conversão directa para graus. Na verdade a navegação oriental é complexa e não foi compreendida pelos portugueses logo aos primeiros contactos e é provável que esta representação tosca tenha a ver com isso. A impressão que salta à vista numa observação rápida desta parte oriental do mapa é a de que ali foi acrescentada uma outra carta, cuja escala era diferente e que em nada se ajustava à representação que estava feita. Sem perceber nada de correspondência de unidades ou sem saber o significado dessas alturas estelares em isba, nunca seria possível conciliar as duas técnicas, podendo ser essa uma das razões da discrepância existente. Luís Albuquerque estudou minuciosamente esta parte do mapa, lendo todas as legendas e comparando os valores. Pareceu-lhe que não terá havido mais do que vagas informações das quais saiu aquele desenho difuso e cheio de absurdos geográficos, onde algumas alturas estão certas mas outras estão muito desajustadas. Não pode negar-se no entanto que se conseguem identificar os acidentes geográficos mais importantes, completando o conjunto da carta com uma área que, para os portugueses ainda iria entrar em exploração Luís Jorge Semedo de Matos Bibliografia ALBUQUERQUE, Luís,  Algumas observações sobre o Planisfério «Cantino» (1502) , in Estudos de História, vol IV, Coimbra, Universidade, 1976, pp 181-221. CORTESÃO, Armando e MOTA, Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, vol I, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1987. LEITE, Duarte,  O Mais Antigo Mapa do Brasil , in História da Colonização Portuguesa do Brasil, dir. Carlos Malheiro Dias, vol II, cap. IX, Porto, Litografia Nacional, 1923, pp 223-281. MOTA, Teixeira da,  A Viagem de Bartolomeu Dias e as concepções geopolíticas de D. JoãoII , in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Outubro-Dezembro de 1958, Lisboa, 1958, p 297-322.

Reinel, Pedro e Jorge

Reinel, Pedro e Jorge
Reinel, Pedro e Jorge Com Pedro Reinel dá-se início ao segundo dos quatro períodos ou “escolas” da cartografia portuguesa, estabelecidos por Armando Cortesão. Pedro Reinel, que teve no filho Jorge um continuador da sua obra, marca a transição do século XV para o XVI, no que concerne à evolução da cartografia portuguesa. A sua obra reflecte os avanços científicos originados pelas viagens de descobrimento e expansão dos navegadores portugueses, e inicia o corte com as velhas concepções ptolomaicas na construção de cartas náuticas. Os primeiros documentos que nos dão notícia de Pedro e Jorge Reinel são duas cartas de mercê, datadas de 10 de Fevereiro de 1528, outorgadas por D. João III, concendo uma tença de 15.000 reis anuais a Pedro Reinel, e uma de 10.000 reis a seu filho Jorge. Temos igualmente notícia da presença de Jorge Reinel, como assistente do Dr. Pedro Nunes, no exame para mestres de cartas de marear, feito aos cartógrafos António Martins, em 1563, e Bartolomeu Lasso e Luis Teixeira, em 1564. Para além destes documentos, nos Livros da Vereação, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, existem dois autos de ajuramentação, datados de 29 de Agosto de 1551 e 29 de Novembro de 1554, respectivamente, em que aparecem Jorge Reinel e Lopo Homem como “exemjnadores darte de navegar”. Pedro Reinel, para além de ser o primeiro cartógrafo português de quem se conhece produção cartográfica, foi também o primeiro a assinar um trabalho seu. A sua carta atlântica de c. de 1485 representa a costa ocidental do continente africano, e reflecte já as viagens de exploração levadas a efeito por Fernão Gomes (c. 1474) e por Diogo Cão na sua primeira viagem em 1482-1484, o que lhe confere um elevado significado e valor histórico. Esta carta, que se encontra à guarda dos Archives Departamentales de La Gironde, foi apresentada pela primeira vez em 1960, pelo Prof. Jacques Bernard. A produção cartográfica hoje conhecida, da denominada “escola” dos Reinéis, assegura-lhes um justo lugar na cartografia portuguesa, tanto em termos cronológicos, como pela qualidade técnica, rigor científico e artístico das suas produções. A sua obra é composta por mais oito cartas: a de c. 1504 está assinada Pedro Reinel, a de c. 1517, as duas de c. 1522 e a de c. 1535, são anónimas, atribuíveis a Pedro Reinel; a seu filho Jorge são atribuidas a carta anónima datada de 1510, o planisfério de c. 1519, igualmente anónimo, e a carta de c. 1540, assinada REINEL. Durante muito tempo as cartas que compõem o conhecido “Atlas Miller” foram atribuidas aos Renéis. Contudo, na sequência da descoberta do planisfério de Lopo Homem, datado de 1519, levantou-se o problema da atribuição da autoria, não só do planisfério como do referido Atlas. Assim, um grupo de especialistas reunido em Paris, em 1939, determinou que ambas as obras faziam parte de um conjunto, atribuindo a sua autoria a Lopo Homem e não aos Reinéis, opinião que não teve a concordância de Armando Cortesão, que atribuiu as cartas anónimas do mesmo Atlas a Lopo Homem-Reinéis, como hoje é conhecido. Em 1519, na sequência de uma contenda com um clérigo de nome Pero Anes, Jorge Reinel refugiou-se em Sevilha, onde, ao que parece, continuou a trabalhar no seu ofício. Seu pai, deslocou-se nesse mesmo ano àquela cidade a fim de trazer seu filho de regresso a Portugal. Porém, no seguimento dos preparativos da viagem de Fernão de Magalhães, pai e filho vêem-se envolvidos numa situação obscura, conforme reza uma carta, datada de 18 de Julho de 1519, enviada pelo feitor de Portugal em Sevilha, Sebastião Álvares, na qual informava D. Manuel que a “terra de Maluco eu vy asentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual nõ era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pay acabou tudo e pos estas terras de Maluco e per este padram se fazem todalas cartas...”. Também Bartolomé Leonardo de Argensola, citado por Armando Cortesão e A. Teixeira da Mota, refere que Magalhães, a fim de obter o apoio de Carlos V para a sua viagem, se serviu de “vn Planisferio dibujado por Pedro Reynel”, no qual as Molucas estariam representadas a leste da linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha, portanto dentro do hemisfério espanhol. Durante as negociações da Junta de Badajoz-Elvas de 1524, os espanhóis terão tentado obter os serviços de Pedro e Jorge Reinel, oferecendo-lhes avultada soma, conforme Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho informavam D. João III, por carta datada de 9 de Junho de 1524. Não obstante, os dois cartógrafos mantiveram-se ao serviço de Portugal. Augusto O. Quirino de Sousa Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 28-30 e 251-305. CORTESÃO, Armando, e MOTA, A. Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I, Lisboa, INCM, 1987, pp.19-46; Vol. V, 1987, pp. 3-4. MARQUES, Alfredo Pinheiro, “Pedro e Jorge Reinel”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 940-941. VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Int. de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, [1988], pp. 258-266.

Teixeira, Família

Teixeira, Família
Teixeira, Família Teixeira é um apelido importante na história da cartografia portuguesa, pois representa uma oficina e escola de cartógrafos que passou por cinco gerações durante cerca de dois séculos. O primeiro cartógrafo desta família foi Pêro Fernandes. Foi nomeado mestre de fazer cartas de marear a 23 de Maio de 1558, e seria pai de Domingos Teixeira, Luís Teixeira e de Marcos Fernandes (carta de ofício em 1592). Até nós, deste autor chegaram apenas duas cartas, que poderemos considerar da Escola dos Reineis. Temos uma de 1528, que será uma carta atlântica. Na África está desenhado o Castelo da Mina e a Igreja do Manicongo, onde termina a representação deste continente. Temos também o Atlântico, os seus vários arquipélagos e ainda se consegue ver o extremo mais oriental do Brasil. São particularidades desta carta os cinco meridianos graduados e uma rosa-dos-ventos orientada a NW. Outra sua carta está datada de c. 1525. É uma carta da Europa Ocidental, até à Islândia, e do Norte de África. Um dos filhos de Pêro Fernandes seria Domingos Teixeira, que trabalharia na segunda metade do século XVI. Dele muito pouco sabemos, apenas que o Livro de Lançamentos da Câmara de Lisboa cita, em 1565, um Domingos Teixeira que fazia cartas de marear. Foi pai do também cartógrafo Pêro de Lemos. Terá trabalhado com o irmão Luís, pois no Diário de Bordo da Nau S. Pantaleão, de 1595, refere-se que as cartas que o navio levava tinham sido elaboradas pelos irmãos Teixeira. Assim como acontece com o pai, apenas conhecemos hoje duas cartas suas. A carta atlântica que se encontra na Bodleian Library, em Oxford, não está datada, mas a indicação da cidade de S. Salvador da Bahía de Todos os Santos indica ser posterior a 1549, e comparando-a com o seu planisfério, de 1573, Armando Cortesão e Teixeira da Mota concluíram que teria sido elaborada numa data próxima a este. Daquele planisfério de 1573 existem dois exemplares, o original português e uma cópia feita por um cartógrafo estrangeiro. Encontra-se em Paris e tem a assinatura do seu autor, e está datado. Está profusamente ilustrado com brasões distribuídos pela Europa, e pelas várias regiões do mundo indicando as possessões ibéricas no Ultramar, e assemelha-se muito aos de Diogo Homem, no que respeita aos traçados da China e do Japão. Porém, neste caso a nomenclatura é mais pobre. Alias, o traçado deste cartógrafo é bastante deficiente e imperfeito, segundo as opiniões de Teixeira da Mota e Armando Cortesão. Luís Teixeira, irmão de Domingos, com quem terá trabalhado, como já vimos, e será o mais ilustre representante desta família. Foi pai de João Teixeira Albernaz e de Pedro Teixeira Albernaz. Teve carta de ofício a 18 de Outubro de 1564 para poder fazer cartas de marear, instrumentos náuticos e regimentos de altura e declinação do Sol. Tem um estilo muito próprio e trabalhos de grande qualidade. Esta qualidade proporcionou-lhe fama, principalmente no Norte da Europa, onde foram vendidas e publicadas cartas de sua autoria. Podemos dizer que fundou uma nova Escola de fazer cartas, na segunda metade do século XVI. Talvez por estas razões tenha sido nomeado em 1569 para fornecer à Armada Real as cartas e instrumentos que esta necessitasse. O número de obras suas que chegou até nós é bastante elevado, e sabemos que este não corresponde à sua totalidade. Registemos, brevemente, algumas impressões relacionadas com as suas obras mais importantes. Seguindo uma ordem cronológica, temos primeiro uma carta gravada da Ilha Terceira que foi publicada por Ortélio em 1582. Esta carta tem analogias com a carta dos Açores, também publicada por Ortélio, principalmente no traçado e topónimos. Os nomes estão em espanhol e as legendas em francês (o que não é inédito em Ortélio). Tem bastantes indicações de natureza militar e refere as derrotas sofridas pela Terceira em 1581. Continuando tanto quanto possível a seguir a cronologia, segue-se um fragmento de Planisfério que se encontra em Lisboa, no Museu da Marinha, e que será de c.1585. Embora não esteja assinado, a letra é deste cartógrafo e os nomes dos ventos, na rosa, estão indicados em italiano, o que é repetido pelo autor noutras cartas. Aqui o Japão ainda corresponde ao estilo de Fernão Vaz Dourado, pois começará a desenhá-lo num estilo próprio apenas a partir de 1591-92. Outra particularidade importante deste mapa é o sistema de linhas curvas que contém, com designações relativas à variação da agulha. Corresponderá a uma primeira tentativa de traçar linhas isogónicas. O Roteiro-Atlas do Brasil, também não datado, será de c. 1586. O texto e as cartas dever-se-ão, provavelmente à mesma pessoa, devido à semelhança de caligrafias. Sabemos que Luís Teixeira esteve no Brasil, levantando dados para futuros trabalhos, ao tempo do Governador Luís de Brito de Almeida (1573-1578), e a inclusão no Roteiro de algumas regiões que pertencem à Espanha, indicarão que a obra é posterior à união das duas coroas ibéricas. Outro importante trabalho é a já referida Carta dos Açores, publicada no Theatrum Orbis Terrarum, de Ortélio, de 1584. Também foi publicada por este autor, mas já mais tarde, uma carta do Japão, em 1595. Este traçado aparece pela primeira vez no mapa-múndi de Petrus Plancius, em 1594, publicado no Itinerário de Linschoten. Esta nova forma de traçar o Japão é considerada um avanço em relação a Vaz Dourado. Infelizmente, não sabemos ao certo quais forma as fontes utilizadas. Luís Teixeira vai encetar correspondência com Ortélio, enviando-lhe as cartas dos Açores e do Japão e prometendo-lhe outras. Nesta época, vão aparecer na Holanda gravuras com cartas de sua autoria. É o caso da carta da Guiné, de 1602. As informações necessárias para a sua feitura teriam sido fornecidas por alguém da família Rovelasco, que foi arrendatária da Mina. A originalidade desta carta é a representação do interior da Senegâmbia e Costa do Ouro. Outros trabalhos significativos seus são ainda: uma carta atlântica, de c. 1600, onde a costa ocidental da América do Sul está bastante perfeita; as cartas que acompanham o Roteiro de Gaspar Ferreira Reimão (5 na edição manuscrita, de 1610, e 3 na impressa, de 1612). Podemos também referir duas cartas do Canal da Mancha, que são cópia do Spieghel der Zeevaerdt de Lucas Waghenaer (1584). Por fim, há o Atlas-Cosmografia de 1597 e 1612, cujos planisférios e traçado das linhas de costa e seriam de Teixeira, enquanto o interior e o texto teórico seriam de João Baptista Lavanha. João G. Ramalho Fialho Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935. IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970. IDEM, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vols. I, II e III, Lisboa, INCM, 1987. DOMINGUES, Francisco Contente, " Teixeira, Domingos", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pág. 1019. LAGARTO, Mariana, " Teixeira, Luís", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 1019-1020. Carta Atlântica de Luís Teixeira, c.1600, reproduzida no CORTESÃO, Armando, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vol. III, Lisboa, INCM, 1987, pag. 61.

Ptolomeu

Ptolomeu
Ptolomeu Matemático, astrónomo e geógrafo grego que viveu no século II d.C. (Tebas c.90 – Canope c.168), a sua vida decorre na época dos imperadores «Antoninos». Período particularmente rico para o Império Romano, quer do ponto de vista económico e social, quer do ponto de vista cultural e intelectual. Reina a Pax Romana, e com ela desenvolvem-se as artes, as trocas intelectuais, a difusão das ideias. A obra de Cláudio Ptolomeu abarca, essencialmente, três domínios: Matemática, Astronomia e Geografia. A Mathematik Sintaxis ou Megale Sintaxis é uma das suas obras mais divulgadas. Especialmente a partir dos séculos VIII e IX, quando é traduzida para árabe com o título de Al Madjiristi, mais conhecida pelo nome latino de Almagestum. As teorias expostas por Ptolomeu, neste trabalho composto por treze majestosos livros, tornaram-se a matriz do pensamento astronómico acerca do universo durante 1700 anos. Quanto à Geografia, facto que aqui importa realçar, o alexandrino concebeu uma obra com o título de Gheograpfiké Uféghesis (tratado ou guia de Geografia ou simplesmente, como passaria a ser conhecida, por Geografia). Um dos problemas discutidos por Ptolomeu é o dos métodos para a elaboração de mapas-múndi. Esboça também vários tipos de projecção cartográfica e critica ainda os trabalhos de Marino de Tiro. Foi no Renascimento que o livro veio a ter maior impacto. Manuel Chrysolorus, um letrado vindo de Bizância para Itália, inicia sua a tradução. Contudo, seria Jacopo de Angiolo, aluno do bizantino, a concluir essa tarefa por volta do ano de 1406. Circulando primeiro com o título de Cosmografia e logo depois de Geografia, o que demonstra uma rápida modificação semântica, como argutamente aponta o Professor Luís de Albuquerque, a obra veio a ser continuamente editada: sete vezes entre 1475 e 1490. A primeira edição, na cidade de Vicenza (1475), não contém cartas, mas logo nas tiragens seguintes são acrescentados os mapas. Afigura-se digno de registo o facto de não sabermos ao certo se as cartas são ou não da autoria de Ptolomeu. A difusão do livro, especialmente nos centros eruditos italianos e alemãs ligados à cultura humanista é extremamente importante, sobretudo porque vai obrigar a uma renovação dos estudos de Geografia. O que não foi o suficiente para impedir um choque com as descrições geográficas e cartográficas dos marinheiros ibéricos, que chegavam de paragens longínquas com uma visão diferente daquilo que era descrito na obra do alexandrino. No ano de 1490 interrompem-se as edições da Geografia. Só em 1507 são retomadas as tiragens. Estes dezassete anos, que separam a sétima da oitava edição do livro, são marcados por profundas alterações no quadro mental europeu, no que à imagem do Mundo diz respeito. Não se podia esconder por muito mais tempo os erros e lacunas que a obra do geógrafo alexandrino albergava. Nomeadamente quanto ao cálculo das dimensões terrestres; à ausência de comunicabilidade entre o oceano Índico e Atlântico; tal como uma extensão excessiva em longitude do continente asiático. A viagem que Bartolomeu Dias efectuou em 1487-1488, demonstrando que havia uma comunicação directa entre os dois oceanos (Atlântico e Índico), representa o primeiro golpe de misericórdia na geografia ptolomaica. A viagem de Cristovão Colombo, por seu turno, iniciada em 1492, descobrindo um novo continente vem reforçar a ruptura. Assim, as novas edições da Geografia, que a partir de 1507 retomam o seu curso, passam a conter as "tabulae novae", isto é, a par das cartas tradicionais aparecem novos registos cartográficos actualizando os dados geográficos. Em Portugal a obra de Ptolomeu é seguida com atenção, ao que tudo indica, pelo menos desde o tempo do Infante D.Henrique. Diogo Gomes, um dos navegadores do Infante, aponta já no seu relato alguns erros da geografia ptolomaica. Outros autores ligados à navegações, especialmente os que estão próximos da cultura humanista, vão referir-se a Cláudio Ptolomeu, ora criticando as suas posições, ora tentando encaixar as novas descobertas geográficas na Geografia do alexandrino. Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro e Pedro Nunes são alguns desses vultos que amiúde se referem ao geógrafo grego nos seus trabalhos. Ainda hoje em dia se constata que a primeira e única tradução para português da Geografia de Ptolomeu, o Livro I apenas, é da autoria de Pedro Nunes, que a partir da obra discutia a forma de fazer cartas com os seus alunos. Carlos Manuel Valentim Bibliografia AUJAC, Germaine, Claude Ptolémée, astronome, astrologue, géographe- connaissance et représentation du monde habité, Paris, Éditions du CTHS, 1993. BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance, Paris, Éditions du CTHS, 1986. CORTESÃO, Armando, "Cartografia portuguesa e a Geografia de Ptolomeu", in Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, V. XXXVI, 1964, pp. 388-404.

Ribeiro, Diogo

Ribeiro, Diogo
Ribeiro, Diogo Este cartógrafo cujo trabalho prima pela excelente qualidade era português, filho de Afonso Ribeiro e de Beatriz de Olbera. Desconhece-se a data do seu nascimento, tendo falecido a 16 de Agosto de 1533. O ofício não sabemos onde o aprendeu, mas desenvolveu o seu trabalho em Espanha, ou pelo menos a documentação disponível assim o indica. Aqui, além de fazer cartas de marear e instrumentos náuticos, também ocupou as funções de Cosmógrafo do Reino. Alguns documentos fornecem-nos dados sobre a sua vida, mas há muita coisa que ainda não sabemos, e ainda pior, poucas obrass suas chegaram até nós. Uma carta do feitor português, em Sevilha, de 18 de Julho de 1519, refere que foi Diogo Ribeiro que fez as cartas de marear e instrumentos náuticos para a viagem de Fernão de Magalhães. Estas cartas foram feitas a partir do Padrão Real que se encontrava na Casa de la Contratación, e fora elaborado por outro português, Pedro Reinel. A 10 de Julho de 1523 é nomeado Cosmógrafo e Mestre de fazer Cartas de Marear. Esta função já a teria exercido antes na Corunha. Aí terá encontrado Martim Centurión, o qual, com a ajuda técnica do cartógrafo, traduziu o Livro de Duarte Barbosa. No ano seguinte participou como perito com funções de aconselhamento dos Delegados oficiais à Junta de Badajoz-Elvas, reunida para tentar resolver o problema da posse das Molucas. Em 1525 uma carta de António Ribeiro da Cunha para D. João III volta a referir que Ribeiro fazia esferas, cartas de marear, instrumentos náuticos e bombas metálicas para navios. No ano seguinte já estaria ao serviço da Casa de la Contratación, pois o Imperador pede ao responsável, Fernando Colombo, que mandasse Diogo Ribeiro fazer uma carta de marear, um mapa-mundo ou uma esfera redonda, além de instrumentos náuticos. Mas nove anos depois, em 1535, a Imperatriz, D. Isabel insiste para que se termine a carta de todo o mundo conhecido que tinha sido encomendada ao cartógrafo, e que ainda não estava pronta. Diogo Ribeiro também projectou umas bombas metálicas para retirar a água dos navios que fossem mais eficazes que as utilizadas até então. Em 1531 são testadas em terra com sucesso, mas é exigido que se faça um teste no alto mar, no decurso de uma viagem. Em 1533 decide-se a adopção das bombas, mas à data o seu criador tinha já falecido. Da sua obra cartográfica só chegaram a nós 4 planisférios. Temos assim: o "De Castiglione, ou de Mântua", de 1525; o de 1527 que se encontram em Weimar; outro de 1529, conservado na mesma cidade, conhecido como o "Planisfério de Weimar"; e o Planisfério "do Vaticano", de 1529. Temos também o que seria parte de um outro planisfério, que supostamente não terá sido acabado, correspondendo à zona da América, de 1532. Algumas características importantes ressaltam do seu trabalho. Em primeiro lugar, a excelência técnica na representação das várias partes do globo nas cartas, ao que não será alheio o facto de também ser cosmógrafo. Assim, é o primeiro cartógrafo a corrigir a representação do Mediterrâneo no seu eixo longitudinal, o paralelo 36º N, que passa pelo Estreito de Gibraltar e a Leste a Norte de Chipre, enquanto antes passava por Alexandria. O facto mostra que estava bem desperto para o problema da determinação das latitudes, assim como para o da declinação da agulha. Os seus mapas são acompanhados de desenhos, instrumentos náuticos, quadros e regras cosmográficas, o que é uma importante inovação. O traçado das costas da América e do Extremo Oriente, principalmente, vai sendo corrigido à medida que o cartógrafo obtém mais informações, chegando a um elevado grau de correcção. Compreensivelmente insiste em colocar o arquipélago das Molucas na parte espanhola da linha de Tordesilhas. Mas este facto não faz com que desmereça a fama de qualidade e correcção que granjeou. João G. Ramalho Fialho Bibliografia CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935. IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970. IDEM, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartpgraphica, Reim-pressão, Vol. 1, Lisboa, INCM, 1987.

Toscanelli, Paolo dal Pozzo

Toscanelli, Paolo dal Pozzo
Toscanelli, Paolo dal Pozzo Nasceu em Florença no ano de 1397, e morreu na mesma cidade, a 10 de Maio de 1482, sendo filho de um médico - Dominic Toscanelli. Estudou medicina na Universidade de Pádua, onde foi condiscípulo de Nicolau de Cusa, bem como matemática e filosofia. Quando Cusa vai para a Alemanha, Toscanelli volta a Florença, de onde sai muito pouco. Foi como geógrafo e cosmógrafo que ficou conhecido até aos nossos dias, o que não é de admirar, pois dedicou grande parte do seu tempo a estas ciências, embora assinasse como físico. Chegou a observar vários cometas deixando cálculos sobre as suas órbitas. Supostamente terá conhecido o Infante D. Pedro durante o seu périplo pela Europa, e seria esse o seu primeiro, mas não único, contacto directo com os problemas que se punham a Portugal nessa época. Iria mais tarde conhecer exactamente o filho do Infante, o Cardeal de Portugal, D. Jaime. A queda de Constantinopla causou grande consternação na Europa e principalmente no Papa Nicolau V, assim como nos seus sucessores Calisto III e Pio II. Era intenção destes Papas organizar uma nova Cruzada que livrasse a Cristandade da ameaça do muçulmano, e tornasse seguras as rotas comerciais com o Oriente. Ora, a questão das rotas comerciais preocupava também Toscanelli, que como florentino conhecia as dificuldades cada vez maiores do tráfico dos produtos de luxo orientais. É então que conhece em Florença o Cardeal português que aí estava a acompanhar o Papa Pio II; o Papa morre a 15 de Agosto de 1464 e a ideia da cruzada desvanece-se, mas não a preocupação de Toscanelli em encontrar um caminho alternativo para o Oriente. E estando consciente das sucessivas viagens de descobrimento e reconhecimento que os portugueses faziam na costa de África, assim como dos contactos comerciais que já tinham alcançado com os povos africanos, vai reunir-se com o Cardeal português em Julho de 1459. Nesse encontro foi apresentado um mapa do mundo com as suas concepções, e temos notícia de se terem intensificado depois os contactos com a Corte Portuguesa, nomeadamente através de uma carta que Toscanelli terá enviado ao Cónego de Lisboa, Fernão Martins. Aí diz-lhe que sabe como os portugueses estão empenhados em encontar uma via marítima para o país das especiarias, e sugere que o façam pelo Ocidente, via pela qual encontrarão decerto o «Grande Kan». Como argumentos preferenciais da viagem defendia que a distância entre a Europa e o Japão e China era relativamente pequena, pois o continente asiático era bastante extenso. Essas concepções baseavam-se em Marino de Tiro, que avaliou erradamente o grau terrestre e exagera o tamanho da Ásia (Ptolomeu também se engana, mas está mais próximo da realidade), bem como nas notas de Marco Polo e de outros viajantes que tinham ido ao Extremo Oriente. Esta carta, de 1474, foi acompanhada de um mapa feito pelo próprio Toscanelli. Ao tempo Cristóvão Colombo vivia em Lisboa, terá tido conhecimento da missiva e irá corresponder-se com Toscanelli, fundando assim o seu plano de também chegar à Índia pelo Ocidente, projecto que, como se vê, não é originalmente seu. Ora o monarca português D. Afonso V e seu filho o ainda príncipe D. João II não vão dar crédito aos planos de Toscanelli, nem aos de Colombo. Não será correcto falar já de um plano das Índias, o que se pretenderia era alcançar a «Índia» de Preste João: as viagens pela costa ocidental africana continuavam a bom ritmo para Sul, e o comércio da costa da Guiné apresentava-se rendoso. Em relação à proposta de Colombo, D. João II estava convicto que em breve circundaria a África, sobretudo depois do regresso de Diogo Cão da sua primeira viagem. Além disso deveria ter achado o projecto arriscado e oneroso, sendo por igual muito provável que os seus conselheiros o tivessem por igual rejeitado, considerando-o resultante de um conhecimento geográfico erróneo. João G. Ramalho Fialho Bibliografia BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance. 1420-1620, Paris, Les Éditions du CTHS, 1986. CHAUNU, Pierre, Expansão Europeia. Do século XIII ao XV, São Paulo, Pioneira, 1978. LEITE, Duarte, História dos Descobrimentos. Colectânea de Esparsos[...], Vol. 1, Lisboa, Cosmos, 1958. NORDENSKIOLD, A. E., Periplus. An Essay on the Early History of Charts and Sai-ling-Directions, Estocolmo, P. A. Norstedt & Soner, 1897. SOUZA, T. O. Marcondes de, Toscanelli e a Circunavegação da África pelos Por-tugueses. Separata do vol. 37 da Revista de História, São Paulo, [s.l.], 1959. STREICHER, Friedrich, «Paolo dal Pozzo Toscanelli». The Catholic Encyclopedia, vol. XIV. SUMIEN, N., La Correspondance du savant florentin Paolo dal Pozzo Toscanelli avec Christophe Colomb, Paris, Société d’Éditions Géographiques, Maritimes et Coloniales, 1927. UZIELLI, G., Colloquio Avvenuto in Firenze nel Luglio 1459 fra gli Ambasciatori del Portogallo e Paolo dal Pozzo Toscanelli, Roma, Società Geografica Italiana, 1898.