Alguns sítios de interesse científico na cidade de Lisboa

As esferas armilares, as rosas-dos-ventos, o Observatório da Ajuda e o relógio do Cais do Sodré são alguns locais de Lisboa que revelam uma história científica por vezes esquecida.

Quem passa todos os dias por Lisboa está condenado a conhecê-la tão bem que alguns edifícios e monumentos lhe parecem naturais, como se sempre ali tivessem estado. Talvez por isso, há alguns pormenores curiosos da cidade que passam despercebidos ao seu habitante. Tomemos a esfera armilar como exemplo. Todos nós a conhecemos, não só da bandeira e das notas de quinhentos escudos, como das reproduções em pedra nos Jerónimos e noutros edifícios manuelinos, como ainda dos modelos que se encontram um pouco por todo o lado.

Em Belém, ladeando o Padrão dos Descobrimentos, encontram-se duas estruturas metálicas que constituem belos exemplares da esfera manuelina. O que é que representa essa esfera? O que significam os arcos horizontais e a banda inclinada atravessada?

A esfera armilar é um modelo matemático do universo - assim se dizia na altura, hoje talvez se falasse de um modelo geométrico -, baseado na concepção ptolemaica do cosmos. Foi esse modelo que permitiu aos navegadores percorrerem o globo e orientarem-se pelos astros na travessia dos oceanos.

A visão do universo de Aristóteles e Ptolomeu era, como se sabe, uma visão geocêntrica: a Terra era colocada imóvel no centro do mundo, com os astros a rodarem em seu torno. Sabe-se hoje que essa visão não corresponde à realidade. No entanto, para a explicação do movimento aparente dos astros e para a navegação por alturas, que era baseada na observação do céu, é praticamente indiferente considerar a Terra no centro do mundo ou considerá-la a rodar em torno do Sol. Encerradas as grandes polémicas de Copérnico, Bruno, Kepler e Galileu, passada toda a emoção desses confrontos, ainda hoje falamos do movimento do Sol, da ascensão de Vénus ou da passagem das constelações. Sabemos que estamos a falar em movimentos aparentes, mas é uma linguagem cómoda e intuitiva. No tempo das grandes viagens de descoberta, tratava-se de mais do que uma linguagem cómoda. Era a crença na realidade do universo e uma crença que, como modelo geométrico e matemático, servia perfeitamente os propósitos da navegação.

A esfera armilar representa o cosmos. O grande globo exterior mostra a esfera celeste; a pequena bola no centro, a Terra. A esfera é mostrada através de anéis ou armilas, vocábulo que designa anéis, braceletes ou argolas e de onde deriva o nome «armilar». Esses anéis indicam os principais círculos: os polares, os trópicos, os meridianos e o equador. Trata-se da projecção na esfera celeste dos círculos equivalentes marcados sobre o globo terrestre. A esses círculos acrescenta-se uma banda diagonal, que deveria estar inclinada 23,5º em relação ao equador, mas que muitas vezes se apresenta com outras inclinações, por motivos puramente estéticos. Trata-se da banda do zodíaco, uma banda de mais e menos 8º em torno da eclíptica, a linha que traça o movimento aparente de Sol através do céu e que passa pelos chamados signos do zodíaco.

Essa banda encontra-se inclinada pela mesma razão que os globos terrestres modernos se encontram inclinados, porque o eixo da Terra está oblíquo 23,5º em relação ao plano de translação. Nos globos terrestres modernos, o eixo da Terra apresenta-se em diagonal e a base de sustentação aparece paralela à eclíptica, que é afinal a projecção no espaço do plano de translação da Terra em torno do Sol. Na esfera armilar, o eixo norte-sul encontra-se habitualmente na vertical e é a banda zodiacal que se mostra oblíqua.

Igualmente junto ao Padrão dos Descobrimentos, no pavimento fronteiro, o visitante pode observar um belo mapa do mundo e uma gigantesca rosa-dos-ventos, que indica os pontos cardeais. Em tempos idos, as rosas-dos-ventos dispunham de dois, quatro, oito ou doze rumos ou ventos. As rosas posteriores apresentam 32 rumos. Não se trata apenas de um símbolo das direcções num mapa.

Quando as bússolas marítimas ou agulhas de marear começaram a ser utilizadas pelos europeus, provavelmente no século XIII, estavam já munidas de um disco que se agarrava à agulha magnética e onde se desenhavam rosas-dos-ventos. Esse disco era colocado numa caixa que se mantinha horizontal, sem ser afectada pelo balanço do navio, por um sistema com eixos chamado balança e depois «cardan», recordando o italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), que posteriormente desenhou um aparelho de concepção semelhante. O princípio é muito semelhante ao dos «cardans» ligados às rodas de automóveis, que permitem que estas se movam perpendicularmente ao solo, apesar de os eixos se poderem inclinar.

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Outro objecto bem conhecido dos lisboetas é o relógio da Hora Legal do Cais do Sodré. É tão visto que é esquecido. No entanto, esse instrumento tem uma história interessante. Quando os serviços da hora legal foram instituídos no princípio do século, o relógio estava encarregue de marcar a hora exacta e servir de referência aos pilotos, que por aí confirmavam o estado dos seus cronómetros. Os cronómetros marítimos, fundamentais para a medida da longitude no mar, não são acertados como os relógios vulgares. O que é importante é conhecer o seu estado, ou seja, o seu desfasamento em relação à hora: os marinheiros subtraem ou adicionam depois os minutos e segundos necessários.

O relógio do Cais do Sodré era acertado diariamente com base na informação que seguia do Observatório Astronómico da Ajuda para a Administração do Porto de Lisboa, sediada nessa esquina do largo ribeirinho. Foi criada uma linha dedicada à comunicação entre os serviços da hora e o porto, mas o sistema nunca funcionou bem. O relógio que ali continua e atesta esses tempos teve uma vida irregular. Acertava, quando não estava errado. Em 1946, com a criação da Comissão Permanente da Hora, que ainda hoje existe, esse relógio deixou de ser um instrumento de referência.

Quem quiser deixar as ruas e entrar em edifícios públicos tem muitos locais de interesse científico cultural a visitar: a Academia das Ciências e os museus do mesmo edifício, o Museu de Marinha, o Pavilhão do Conhecimento e o Museu da Cidade, para apenas falar de alguns. Deixamos uma sugestão final para quem passe pela Rua da Escola Politécnica.

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No átrio do edifício do Museu de Ciência, mesmo antes da recepção, pode apreciar-se um belo exemplo de Pêndulo de Foucault. Trata-se de um pêndulo gigantesco, no estilo do construído em 1851 pelo astrónomo francês Jean Bernard Leon Foucault (1819-1868) para a grande feira de Paris. Esse aparelho constituiu a primeira prova do movimento de rotação da Terra, mostrando que um pêndulo deixado a oscilar vai mudando lentamente o seu plano de oscilação. Se o pêndulo estiver a funcionar, será interessante visitá-lo de novo passadas umas horas e verificar que esse plano se moveu. Na realidade, é a Terra que se move na base do pêndulo, que tenta manter o seu plano de oscilação inalterado. Nos pólos, os pêndulos de Foucault descrevem um movimento de rotação completa em 24 horas - ou melhor, é a Terra que descreve esse movimento. No equador, o plano de oscilação mantém-se inalterado em relação ao solo. Em Lisboa, que está à latitude intermédia de 38º, esse movimento relativo ao solo faz o pêndulo descrever uma rotação completa em cerca de dia e meio. No átrio do Museu de Ciência, o visitante pode ver a terra a rodar sob os seus pés.

Nuno Crato


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