Academia das Ciências de Lisboa

“Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria”

(Se não for útil o que fizermos, a glória será vã)

Duque de Lafões
Fundada em 1779, mudou por seis vezes de instalações, até ficar, em 1833, no Convento de Jesus da Ordem Terceira de S. Francisco, onde se encontra hoje.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, criaram-se em quase todos os países da Europa academias científicas que pretendiam impulsionar a investigação e divulgar e promover a aplicação de novos conhecimentos científicos e técnicos. Podem apontar-se, a título de exemplo, a Accademia dei Lincei, em Florença, fundada em 1603, a Accademia del Cimento, em Florença, criada em 1657, a Royal Society de Londres, criada em 1660, a Académie des Sciences de Paris, criada em 1666, e a Academia das Ciências de Berlim, criada em 1700. As academias permitiam o contacto directo entre cientistas e promoviam o progresso das ciências através da apresentação e publicação de memórias, actas e jornais científicos. Normalmente criavam bibliotecas, laboratórios e observatórios, instituíam prémios para trabalhos de investigação e apoiavam financeiramente alguns cientistas nos seus trabalhos.

Em Portugal foram criadas diversas academias nos séculos XVII e XVIII, normalmente caracterizadas pelo cultivo das letras, embora por vezes tivessem algumas preocupações científicas. Apontem-se como exemplos a Academia dos Generosos, entre 1647 e 1667, a Academia Portuguesa, fundada pelo 4º Conde de Ericeira em 1717, e a Academia Real da História Portuguesa, fundada em 1720. A Academia das Ciências de Lisboa foi criada a 24 de Dezembro de 1779 com a aprovação régia dos seus primeiros estatutos. Após uma sessão preparatória realizada a 16 de Janeiro de 1780, onde foi eleito presidente o Duque de Lafões, realizou-se a primeira sessão pública da Academia no dia 4 de Julho de 1780. A Oração na abertura foi lida por Teodoro de Almeida (1722-1804).

O grande responsável pela concretização deste projecto académico foi D. João Carlos de Bragança de Sousa Ligne Tavares Mascarenhas da Silva (1719-1806), 2º Duque de Lafões. Foi auxiliado na elaboração dos estatutos e na definição dos objectivos da Academia por José Francisco Correia da Serra (1750-1823), mais conhecido por Abade Correia da Serra.

No núcleo inicial de fundadores da Academia são de destacar também os nomes de Luís António Furtado do Rio de Mendonça e Faro, 6º Visconde de Barbacena (1754-1830), e de Domingos Vandelli (1735-1816), professor italiano contratado para a Universidade de Coimbra.

Em 13 de Maio de 1783 foi reconhecida a utilidade pública da Academia, que foi nobilitada, passando a designar-se por “Academia Real das Ciências de Lisboa”, beneficiando de protecção régia e usufruindo de vários privilégios, tais como o da concessão de livre acesso dos académicos aos arquivos do reino, de as obras académicas deixarem de estar sujeitas a censura e a permissão de os livros impressos pela Academia poderem ser transportados livremente para qualquer parte do território. A designação de “Real” viria a desaparecer em 1910 com a implantação da República.

A criação da Academia correspondia a uma tentativa de incentivar o desenvolvimento científico e cultural do país, e de divulgar os conhecimentos científicos e técnicos de forma a que pudessem ser aplicados no desenvolvimento cultural e económico do país. Dentro do espírito utilitário característico do Iluminismo, pretendia contribuir para o progresso através da aplicação dos novos conhecimentos. A par destas preocupações, era um objectivo primordial contribuir para o aperfeiçoamento e expansão da educação. Estes objectivos são explicitados no artigo 1º do Plano de Estatutos da Academia publicado em 1780; onde se afirma que “...esta Academia consagra à glória e felicidade pública, para adiantamento da Instrução Nacional, perfeição das Sciencias e das Artes e aumento da indústria popular.”

Tendo como presidente o Duque de Lafões, secretário o Visconde de Barbacena e vice-secretário o Abade Correia da Serra, a Academia ficou estruturada em três áreas distintas que se designaram por classes. Cada classe tinha oito sócios efectivos, existindo ainda as categorias de sócios honorários, estrangeiros, correspondentes e supranumerários. A primeira Classe era a de Ciências de Observação, a que pertenciam Domingos Vandelli, como director, José Correia da Serra, João Faustino, Bartolomeu da Costa, Vicente Ferrer, o Visconde de Barbacena, António José Pereira e António Soares Barbosa. A Segunda Classe, de Ciências de Cálculo, que incluía o Marquês de Alorna, João de Almeida Portugal, director, o Conde de Azambuja, Teodoro de Almeida, José Joaquim de Barros, José Monteiro da Rocha, e Joaquim Dalla Bella. A terceira Classe, Belas Letras, que era composta pelo Duque de Lafões, Miguel Lúcio de Portugal e Castro, Joaquim de Foios, o Conde de Tarouca, Pedro José da Fonseca, Principal Mascarenhas, Gonçalo Xavier de Alcáçova Carneiro e António Pereira de Figueiredo.

Frei José Mayne

A par da actividade de investigação científica e de divulgação, pretendia-se que a Academia contribuísse para o aperfeiçoamento do ensino das ciências, pelo que foram criadas aulas em diversas áreas científicas, com o apoio do Observatório Astronómico, do Gabinete de História Natural, do Gabinete de Física, e do Laboratório de Química. Para além destes recursos próprios, a Academia passou a administrar, a partir de 1792, o Museu de História Natural doado à Academia por José Mayne (1723-1792).

A este Museu juntou-se, a partir de 1836, o de História Natural da Ajuda, que conjuntamente com o Museu da própria Academia veio a constituir o Museu da Academia, também conhecido por “Museu de Lisboa”, ou ainda como “Museu Nacional”. Este Museu de História Natural abriu ao público em 1839 e foi sendo ampliado com o imenso material zoológico e mineralógico que a Academia tinha vindo a recolher e classificar, servindo de apoio às aulas do curso de História Natural que a Academia ministrava. Em 1855, por falta de condições financeiras para uma adequada manutenção do seu espólio, o Museu foi encerrado ao público. Em 1858, o governo decidiu transferir a parte do Museu que tinha vindo do Museu de História Natural da Ajuda, bem como toda as colecções de Zoologia e Mineralogia para a Escola Politécnica de Lisboa, dando origem ao Museu de História Natural da Escola Politécnica, depois chamado Museu Bocage. Este espólio veio a arder no incêndio que ocorreu na Faculdade de Ciências de Lisboa em Março de 1978.

Entretanto, tinha sido criada na Academia uma Aula de Zoologia, dando origem ao Instituto Maynense, aula que funcionou entre 1836 e 1849, tendo chegado a ser disciplina preparatória para a Escola de Cirurgica do Hospital de S. José. Em 1849, instituiu-se o Curso de História Natural, que incluía também o ensino da Física e da Química. Este curso prosseguiu até 1919, data em que o Instituto Maynense foi extinto. O legado de José Mayne continua hoje ainda vivo na Academia das Ciências, através do Museu Maynense, integrado no Museu da Academia.

Entre as actividades promovidas pela Academia ao longo da sua existência, merecem destaque a instituição de prémios a trabalhos apresentados mediante a proposta de problemas a resolver e a publicação de memórias seleccionadas entre as que foram apresentadas aos académicos. Ao longo dos anos foram sendo publicados diversos volumes de Memórias, dedicadas a várias áreas científicas, como as Memórias de Agricultura (1788-1791), Memórias Económicas (1789-1815), Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa (1797-1856), e mais recentemente, as Memórias da Academia, Classe de Ciências (a partir de 1936). A par das Memórias, publicaram-se também outros periódicos dignos de nota, como as Ephemerides Nauticas (1788-1824), os Annaes das Sciencias e Lettras da Academia Real das Sciencias (1857) e o Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturais (1866-1927).

(clique na imagem acima para ver ampliação)
Memórias Económicas da Academia Real das Ciencias de Lisboa, para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas conquistas, tomo I, de 1789.

Ao longo do século XIX a Academia era consultada com frequência para dar pareceres sobre grandes problemas nacionais, como a reorganização do ensino público, o sistema geral de pesos e medidas, o cadastro topográfico do país, sobre os estatutos das sociedades agrícolas, sobre as medidas de promoção da cultura dos prados artificiais, sobre as doenças da vinha, entre muitos outros. Entre os contributos da Academia para o desenvolvimento da ciência em Portugal podemos destacar o início das observações meteorológicas em Portugal, pelos académicos Jacob Pretorius e Marino Franzini (1779-1861), o aparecimento e desenvolvimento dos estudos geológicos, cuja Comissão Geológica deu depois origem aos Serviços Geológicos de Portugal, ou o combate à varíola através da Instituição Vacínica, criada em 1812 por proposta do académico Bernardino António Gomes, que levou a efeito um importante trabalho de organização do sistema de vacinação em Portugal. Esta Instituição deu mais tarde origem ao Conselho Superior de Saúde Pública do Reino, e depois ao Conselho Superior de Saúde Pública.

Durante os mais de duzentos anos de existência, a Academia passou por inúmeras dificuldades, que dificultaram a concretização dos seus projectos de investigação, divulgação e ensino. Em primeiro lugar, a indefinição das suas instalações, que se localizaram inicialmente no Palácio das Necessidades, depois, a partir de 1791 na Rua do Poço dos Negros, em seguida no Palácio do Monteiro-Mór, em 1795, depois no Palácio dos Sobrais, no Largo do Calhariz, onde ficou até 1823. Em seguida foi para o Colégio da Estrela, para em 1832 passar para o Palácio dos Lumiares, no Passeio Público (actual praça dos Restauradores). Em 1833, mudava-se para o Mosteiro de S. Vicente, mas entretanto foi decidido instalá-la no Convento de Jesus, numa transversal à actual Rua d’O Século, onde ficou até hoje. Esta situação de mudança constante durante um período de cerca de 53 anos teve várias consequências negativas, entre as quais a perda e deterioração de equipamentos científicos, dos quais muito poucos chegaram aos nossos dias.

Para além do problema das instalações, a conjuntura política e económica do país também condicionou muito a concretização dos objectivos da Academia. Destacam-se as invasões francesas de 1807 a 1811, depois a instauração do regime liberal e as consequentes lutas políticas que culminaram na guerra civil de 1832-34, que impediram uma acção continuada e financeiramente sustentada. De facto, se até 1785 a Academia viveu dos fundos concedidos pelo Duque de Lafões, e até 1797 obtinha, por mercê régia, um subsídio proveniente da lotaria nacional, só a partir de 1799 o governo estabeleceu uma dotação anual que se manteve ao longo de todo o século seguinte, embora em muitos dos anos essa dotação não fosse paga. Após a instauração da República, em 1910, surgiram novos problemas, com a extinção da tipografia própria, onde eram impressas as Memórias e outros textos científicos, bem como manuais escolares para as Escolas Superiores. Na sequência desta suspensão, a publicação das Memórias da Academia foi interrompida em 1914, só voltando a reaparecer em 1937.

A partir de 1852 o número de classes foi reduzido de três para duas, Ciências e Letras. Cada classe passou a ser composta por 20 sócios efectivos. Actualmente cada uma das duas classes é formada por 30 sócios efectivos, 120 correspondentes nacionais e 120 correspondentes estrangeiros. Cada classe subdivide-se em seis secções, cada uma com cinco sócios efectivos e dez correspondentes.

A Academia das Ciências de Lisboa continua a desenvolver actividades diversas nos domínios científicos e das letras, produzindo publicações, instituindo prémios a trabalhos de relevo e promovendo a realização de simpósios, conferências ou colóquios.

Fernando Reis


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