Museus de Medicina


Existem em Portugal objectos museológicos reveladores de um passado de investigação científica e de inovação técnica em medicina que merecem ser vistos. Em Lisboa, o museu da Faculdade de Medicina de Lisboa, tem existência legal e colecção embora aguarde um edifício onde possa expor permanentemente ao público as suas peças.

Entre o património do museu inclui-se um livro antigo que a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa herdou da antiga Escola Médica e Cirúrgica: um livro primeiramente editado em 1543, o mesmo ano do De Revolutionibus de Copérnico, e que fez pela medicina o que o astrónomo polaco fez pela astronomia. Sugestivamente intitulado De humani corporis fabrica, é um tratado em que o autor, o flamengo Andreas Vesalius (1514–1564), apresenta o resultado das suas investigações anatómicas. As dissecações sistemáticas que efectuou permitiram-lhe chegar a uma descrição minuciosa dos órgãos do nosso corpo, esclarecendo mistérios e rompendo com erros propagados durante séculos.

É uma obra repleta de magníficos desenhos técnicos, destinados a ilustrar pormenores da estrutura interna do corpo humano. Os ilustradores que colaboraram no livro — Tiziano, Calzar ou o próprio Vesalius —, apesar dos seus evidentes dotes artísticos, estavam interessados, sobretudo, em produzir esquemas didácticos. Realçavam graficamente contornos que eram mais conceptuais e funcionais do que visualmente realistas. Foi o começo da ilustração científica moderna, que apenas pôde surgir com o nascimento da imprensa e da gravura impressa ocorrido décadas antes.

O paralelo entre a arte e a técnica talvez seja ainda mais flagrante em alguns dispositivos didácticos propriedade do Museu de Medicina, tais como modelos e preparados de órgãos humanos. Entre estes últimos, destaca-se, por exemplo, uma mão diafanizada, tornada transparente e quase volatilizada, e uns pulmões ressequidos e coloridos, revelando uma estrutura quase fractal com os seus brônquios e bronquíolos bem individualizados e em subdivisão.

Modelo de cascularização pulmonar, décadas de 30 e 40 do séc. XX. Preparação humana imersa em líquido num recipiente de vidro, Colecção da Clínica Universitária de Pneumologia, Faculdade de Medicina de Lisboa.
Mão diafanizada

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Nestes preparados humanos, podemos surpreender-nos pela neutralidade distante com que se podem apreciar restos corpóreos que, noutras situações, causariam repugnância. De igual forma, nas máquinas e instrumentos de medicina do espólio da Faculdade de Medicina encontra-se beleza em artefactos mecânicos, construídos para serem útil em locais associados à doença e ao padecimento.

O mais interessante, contudo, são as peças características da medicina portuguesa. Entre elas, no espólio da Faculdade de Medicina destacam-se, em primeiríssimo lugar, alguns instrumentos inventados e utilizados por Egas Moniz (1875–1955).[inserir ligação para Personagem] Aí se encontra um exemplar de seringa criada pelo Nobel português e um par de leucótomos, aparelhos por ele inventados e usados para penetrar na calote craniana e cortar as fibras sensoriais que unem o córtex pré-frontal ao resto do cérebro. Encontra-se também a primeira angiografia cerebral, exemplo de uma técnica desenvolvida por Egas Moniz segundo a qual, após introdução no sangue de uma substância de contraste, se visualizam por radiografia os vasos sanguíneos do interior da caixa craniana, facilitando assim o diagnóstico de patologias cerebrais, nomeadamente tumores.

Primeira angiografia cerebral (1927), Colecção do Museu Egas Moniz, Clínica Universitária de Neurologia, Faculdade de Medicina de Lisboa.
Seringa de Egas Moniz, 2º quartel do séc. XX, Colecção do Museu Egas Moniz, Clínica Universitária de Neurologia, Faculdade de Medicina de Lisboa.


As contribuições portuguesas não param aqui. Prolongam-se pelo aparelho radiográfico com que Reynaldo dos Santos (1880–1970) fez a primeira aortografia, um negatoscópio e muitos outros instrumentos que fizeram história na medicina.

Mas se em Lisboa ainda não é fácil ver a colecção médica existente, no Porto desde 1933 que a Faculdade de Medicina mantém um museu para apoiar o ensino e a investigação – que se encontra aberto ao público. O Museu de História da Medicina Maximiano Lemos possui também um espólio bastante rico. Foi criado por Luís de Pina (1901-1972) que sucedeu a Maximiano Lemos (1860-1923) na cátedra de História da Medicina da Escola Médica do Porto. Actualmente instalado no sexto piso do Hospital de São João (Faculdade de Medicina), entre as suas peças mais significativas vamos encontrar instrumentos cirúrgicos e modelos anatómicos, bem como um importante acervo bibliográfico e de manuscritos.


Nuno Crato e Luís Tirapicos

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