A Carta Geográfica de Portugal de 1865



Carta Geográfica de Portugal, 1:500 000, publicada sob a direcção de Filipe Folque em 1865

Carta Geográfica de Portugal, 1:500 000, publicada sob a direcção de Filipe Folque em 1865.
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Configuração de Portugal continental segundo várias cartas, desde a de Fernando Álvaro Seco (1570) até à carta geográfica coordenada por Filipe Folque (1865)

Configuração de Portugal continental segundo várias cartas, desde a de Fernando Álvaro Seco (1570) até à carta geográfica coordenada por Filipe Folque (1865). A vermelho figuram os aspectos referentes à carta antiga, enquanto a cinzento se identificam os da carta actual (animação).
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Sendo de grande utilidade pública a existência de uma carta geográfica do reino, em que pelo menos sejam representados com exactidão o regime das águas e a posição relativa das povoações, o que não sucede nas cartas geográficas do pais até hoje publicadas, as quais nenhum crédito merecem por sua manifesta inexactidão, e por lhes faltar o indispensável fundamento das triangulações; tornando-se além disto necessário este trabalho para satisfazer às condições essenciais de um reconhecimento geológico, para o qual a comissão dos trabalhos geológicos do reino já escolheu os factos precisos, como preliminar indispensável para trabalhos ulteriores...”, assim começava a Portaria de 5 de Maio de 1859 que determinou o levantamento da carta geral do País na escala de 1:500 000. A tarefa foi cometida à Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, criada em 1852 sob a direcção de Filipe Folque, que entretanto se iria transformar, enquanto a carta se preparava, em Instituto Geográfico (1864-1868).

Os oficiais do Exército António José Pery, César Augusto da Costa e Gerardo Augusto Pery encetaram os respectivos levantamentos, ainda antes de estarem concluídos os trabalhos de triangulação iniciados em 1790 por Ciera e retomados por Filipe e Pedro Folque nos anos 30. Os levantamentos por eles efectuados, entre Abril de 1859 e meados de 1864, juntaram-se às informações, já disponíveis à época, da Carta Corográfica (ou Carta Geral do Reino) 1:100 000, que cobriam menos de 20 % do território, entre Coimbra e Setúbal. Das 37 folhas desta carta, meia dezena estavam concluídas e seis parcialmente iniciadas quando principiou a construção da Carta Geográfica, mas os trabalhos arrastavam-se com um corpo de colaboradores muito reduzido e várias outras contrariedades. Quanto às triangulações, a rede geodésica de 1ª ordem abrangia cerca de ¾ do território (ficando concluída em 1865-66), enquanto as redes secundárias, mais atrasadas, passavam de uns 15 % para metade no referido período. O recurso a procedimentos expeditos explica a excepcional rapidez dos levantamentos.

Em finais de 1861, quando a carta estava já muito adiantada, F. Folque referir-se-lhe-ia dizendo: “Em presença das bases dos processos, a métodos e dos cuidados e crítica com que os trabalhos geográficos são executados, posso com toda a segurança afirmar que a carta geográfica de Portugal, além de mostrar a configuração das grandes massas das serras e montanhas com o maior esmero, apresenta com verdade todos os detalhes, que a pequenez da sua escala permite”. Na realidade, o País apenas dispusera, até então, de cópias mais ou menos modificadas de cartas gerais estrangeiras, muito criticadas pelo pouco rigor e pelos muitos erros. O relevo, representado com curvas de nível, tinha agora uma figuração inovadora. Este processo de representação, mais rigoroso, viria substituir, a partir de 1861, os grosseiros sombreados ou as atractivas normais ou “hachures”, tradicionalmente utilizadas nas cartas nacionais. A densidade de pontos cotados permitia já, e com maior utilidade para os fins desta carta, que o desenhador ou o gravador não idealizasse como antes as ondulações do terreno e consoante a sua maior ou menor habilidade.

Barreto, Palha e Santos gravaram-na em pedra, a partir de 1861. Os três figuram entre os primeiros gravadores portugueses formados por João Lewicki, o polaco que Portugal contratou em França aquando da instituição da litografia nos serviços geodésicos em 1853. A impressão da carta, a preto e branco, seria feita nas próprias oficinas do Instituto Geográfico.

Expressamente realizada para sobre ela serem representados os levantamentos geológicos que Carlos Ribeiro e Joaquim Filipe Nery Delgado executavam desde 1857 na mesma instituição, esta carta geral constituiu a base da primeira carta geológica do conjunto do País, permitindo apoiar a crescente concessão de explorações mineiras. Ela foi ainda fundamental para planear a reforma dos círculos eleitorais, mostrando também ao governo e à Câmara dos Deputados a urgência de uma carta credível para a administração pública do território. Por outro lado, ela viria a possibilitar uma primeira estimativa mais rigorosa da extensão de Portugal Continental, enquanto não se terminavam os trabalhos para se estabelecer a fronteira com Espanha, dando cumprimento ao Tratado dos Limites de 1864 assinado entre os dois países vizinhos (o que só ocorreria em 1906, dois anos depois de impressa a última folha 1:100 000).

Finalmente, ela impulsionaria também a restante Cartografia temática, como suporte de novas e mais rigorosas representações à sua escala ou ainda menores.

A Carta Geográfica de Portugal foi obra de Filipe Folque e um marco da maior relevância da Cartografia portuguesa oitocentista. Os erros que lhe foram apontados, muitos anos depois, em nada desprestigiam quem a idealizou e dirigiu.


Maria Helena Dias

Referências

BRANCO, Rui Miguel C. – O mapa de Portugal. Estado, território e poder no Portugal de Oitocentos. Lisboa, Livros Horizonte, 2003.

DIAS, Maria Helena; BOTELHO, Henrique Ferreira – Quatro séculos de imagens da Cartografia portuguesa / Four centuries of images from Portuguese Cartography. Lisboa, Comissão Nacional de Geografia, Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, 1999, 2ª ed.

DIAS, Maria Helena (coord.) – Contributos para a História da Cartografia militar portuguesa [CD-ROM]. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos [etc.], 2003.

MANIQUE, Luiz de Pina – Subsídios para a História da Cartografia portuguesa. Lisboa, Instituto Português de Cartografia e Cadastro, 1995 (fac-símile de Boletim do Instituto Geográfico e Cadastral, III, p. 183-288).

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