Bernardino António Gomes (1768-1823)

Clique na imagem para a ampliar

Higienista, médico, químico, botânico, parasitologista, nasceu a 29 de Outubro de 1768 em Paredes de Coura, filho de José Manuel Gomes, médico no distrito de Viana do Castelo, e de Josefa Maria Clara. Não confundir com o médico Bernardino António Gomes (1806-1877), seu filho.

 

Cursou Medicina na Universidade de Coimbra, tendo sido premiado em todas as cadeiras e tendo concluído a sua formação em Maio de 1793.

Concluído o curso foi trabalhar como médico na comarca de Aveiro. Em 1797 foi nomeado cirurgião da Armada Real com o posto de capitão de fragata graduado. Embarcou em Lisboa para o Brasil, onde permaneceu durante quatro anos e meio. Voltou para a metrópole em finais de 1801.

 

Em 1802 foi encarregado de debelar um epidemia de febre tifóide a bordo de uma esquadra portuguesa, no estreito de Gibraltar. Ao fim de dois meses tinha conseguido resolver o problema. Dispensado do serviço no mar, passou a trabalhar no Hospital da Marinha e no Hospital Militar de Lisboa. Em 1810, na sequência de uma nova epidemia de tifo que atingiu uma esquadra portuguesa em Gibraltar, foram transportados para o Lazareto, na Trafaria, 445 doentes que tratou com sucesso. Em seguida pediu exoneração do cargo de médico da armada. Foi eleito membro efectivo da Academia Real das Sciências de Lisboa em 1812. Nesta Academia promoveu, em 1812, a criação da Instituição Vacínica, que se dedicava à vacinação antivariólica. Em 1817 o número de inoculações atingia 17 mil.

 

Em 1817 foi designado para prestar serviços médicos à princesa Leopoldina da Áustria, noiva de D. Pedro, futuro Imperador do Brasil, quando esta se deslocou de Livorno para o Rio de Janeiro. Permaneceu seis meses no Rio de Janeiro, após o que regressou a Lisboa. Morreu a 13 de Janeiro de 1823, com 54 anos de idade.

 

Actividade Científica

Efectuou pesquisas em diversos domínios científicos, todos eles relacionados com a Medicina, sua actividade principal. Assim, podem definir-se três actividades principais na sua obra: a de higienista, a de farmacologista e a de médico, com destaque para a Dermatologia.

 

Memoria sobre a Canela, publicada em 1809, no Rio de Janeiro

Memoria sobre a Ipecacuanha Fusca, publicada em Lisboa em 1801, na Tipografia do Arco do Cego.

Enquanto higienista destacou-se pelo combate a epidemias, nomeadamente às de tifo acima referidas, com métodos novos, e pela divulgação e aplicação da vacina antivariólica em Portugal, através da Academia das Ciências, onde criou a Instituição Vacínica. Nomeado, em 1813, membro da Junta de Saúde de Lisboa, estudou o valor relativo dos vapores de ácido acético, do gás sulfuroso e do cloro, entretanto descoberto, tendo concluído dar primazia ao gás sulfuroso, seguido do cloro e dos vapores de vinagre. Estes estudos originaram a memória apresentada à Academia das Ciências de Lisboa, sobre a desinfecção da correspondência epistolar, onde mostrava a inutilidade de golpear as cartas provenientes de focos pestilenciais.

 

A sua actividade farmacológica consistiu em pesquisas no domínio da química analítica da época. Temos por exemplo as suas investigações acerca da acção da romeira brava e de outras plantas enquanto vermífugos, a descoberta da chinchonina, o primeiro alcalóide extraído da casca da quina.

Bernardino Gomes começou a dedicar-se ao estudo da botânica, durante a sua primeira estada no Brasil, onde realizou observações botânicas e terapêuticas sobre 16 espécies de plantas brasileiras. Destes estudos resultaram a memória sobre a Ipecacuanha fusca do Brasil, 1801 e a Memória sobre a canella do Rio de Janeiro, offerecida ao Principe Real  do Brazil, Nosso Senhor, pelo Senado da Camara da mesma cidade no anno de 1798..., 1809. Referência ainda para a Memoria sobre a virtude tenifuga da romeira, obra sobre as propriedades tenífugas das cascas da romeira.

 

Dos trabalhos de Bernardino Gomes destacam-se, sem dúvida, pelas novas linhas de investigação que proporcionaram à Química, os referentes à descoberta da cinchonina.

Conquanto pertencesse ao domínio público o conhecimento das virtudes da quina, até aos primeiros anos do século XIX eram utilizados conjuntamente todos os princípios medicamentosos da casca do Peru. Luiz XIV curou-se da sua febre intermitente com o o remédio de Talbot, tomando a maioria dos doentes a infusão ou o cozimento, o célebre remédio conhecido em Portugal como Água de Inglaterra. Os químicos tentavam encontrar meios de isolar os princípios imediatos a que vários vegetais deviam as propriedades terapêuticas, achando-se empenhada nesse propósito a Academia Real das Ciências de Lisboa, no seio da qual havia uma comissão para estudar a casca da quina.

 

Por volta de 1806 foram enviados do Brasil para Lisboa várias qualidades de cascas na esperança de substituir a quina peruana. Bernardino Gomes analisou estas cascas e conseguiu separar um princípio activo, cristalizado, a cinchonina e verificou ao separar a cinchonina que existiam outras cristalizações «confusamente formadas» que poderiam ser a do outro e muito importante alcaloide da quina – a quinina – isolada em 1818 pelos químicos franceses Pelletier (1788-1842) e Caventou (1795-1877), mas que Gomes não identificou então. A memória intitulada Ensaio sobre a Cinchonina e sobre a sua importância na virtude da Quina e doutras cascas foi apresentada à Academia de Lisboa em 7 de Agosto de 1810 e publicada em 1812 nas Memórias de Mathemática e Physica da Academia das Sciencias. Esta memória marca uma data importante, porque novas linhas de investigação para a química, desde então encaminhada no estudo dos alcalis vegetais. Esta descoberta foi reproduzida por outros periódicos europeus como o Edimbourg Medical and Surgery Journal e o Medical and Physical Journal, e também no jornal de língua portuguesa publicado em Londres, O Investigador Portuguez em Inglaterra.

 

Entretanto Bernardino Gomes realizou investigações médicas no domínio da Dermatologia. Durante a sua viagem como médico da princesa austríaca Carolina Leopoldina, escreveu uma obra onde desenvolveu estudos de descrição e classificação das doenças da pele, Ensaio dermosographico ou Succinta descripção das doenças cutaneas com indicação dos respectivos remedios, publicada em 1820. Este ensaio veio a ser o primeiro manual de Dermatologia redigido e publicado em língua portuguesa. Os seus estudos de dermatologia tinham sido iniciados em 1797, quando da sua primeira estadia no Brasil, tendo publicado em 1815 nas Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa, o estudo Ensaio sobre a boubas. Gomes também se dedicou ao estudo da elefantíase (lepra) e da sua profilaxia em dois textos: Carta aos Médicos Portugueses sobre a elefantíase, e Memória sobre os meios de diminuir a elefantíase em Portugal, ambos publicados em 1821.

Juvenal Esteves (1968) considera que Bernardino Gomes foi um dos maiores vultos da Medicina portuguesa e classifica-o como o fundador da Dermatologia portuguesa: “(...) pelo que se refere à Dermatologia, (...), para além da preocupação de ordenar as doenças cutâneas e de as constituir em sistema, regista-se a sua proposta ao governo de então de criar um hospital para as estudar e nele promover o respectivo ensino, assim como um bem elaborado esquema de assistência em plano nacional para tratar os leprosos.”

 

Principais Publicações

Memoria sobre a Ipecacuanha fusca do Brasil ou cipó das nossas boticas. Lisboa, na Off. do Arco do Cego 1801.

Observações botanico‑medicas sobre algumas plantas do Brasil, escriptas em latim e portuguez. Lisboa, 1803.

Methodo de curar o tyfo, ou febres malignas contagiosas pela effusão da agua fria; ao qual se ajunta a theoria do tyfo, segundo os principios da Zoonomia de Darwin, a explicação do modo de obrar da effusão fria, e uma carta do doutor J. Currie com reflexões e observações sobre aquelle methodo. Lisboa, na Typ. da Acad. Real das Sciencias, 1806.

Memoria sobre a canella do Rio de Janeiro, offerecida ao Principe do Brasil pelo Senado da Camara. Rio de Janeiro 1809.

“Ensaio sobre o cinchonino e sua influencia nas virtudes da quina”,  Memórias de Mathemática e Physica da Academia das Sciencias,, 1812.

“Memoria sobre as boubas”, Memórias da Academia das Sciencias, 1815.

“Memoria sobre a desinfecção das cartas”, Memórias da Academia das Sciencias, 1815.

Ensaio Dermosographico, ou succinta e systematica descripção das doenças cutaneas, conforme os principios e observações dos Doutores Willan e Bateman. Lisboa, na Typ. da Acad. R. das Sciencias, 1820.

Memoria sobre os meios de diminuir a Elephantiase em Portugal, e de aperfeiçoar o conhecimento e cura das doenças cutaneas. Offerecida ás Cortes de Portugal. Lisboa, na Off. de J. F. Monteiro de Campos 1821.

Carta aos Medicos portuguezes sobre a elephantiase, noticiando‑lhes um novo remedio para a cura d’esta enfermidade. Lisboa, 1821.

Memoria sobre a virtude tenifuga da romeira, com observações zoologicas e zoonomicas relativas á tenia. Lisboa, na Typ. da Acad. R. das Sc. 1822.

 

Fernando Reis

 

Bibliografia

 

FONSECA, Olympio Arthur Ribeiro da, “Bernardino Antonio Gomes”, in GOMES, Bernardino António, Plantas Medicinais do Brasil, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1972, pp. 11-20.

GOMES, Bernardino António [filho], Noticia da Vida e Trabalhos Scientificos do Medico Bernardino António Gomes, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1857.

HORTA, Jorge da Silva, O Médico e Académico Dr. Bernardino António Gomes e o Brasil, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1960, sep. das Memórias, classe de Ciências, Tomo VIII, 13 p.

MACHADO, Virgílio, O Doutor Bernardino Gomes, (1768-1823), a sua vida e a sua obra, Lisboa, Portugália, 1925.

SILVA, Inocencio da; ARANHA; Brito, Diccionario Bibliographico Portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional. T. I, 359-361; T. VIII, T. VIII, 397-381..

 

 

Apontadores

 

Background&History of Malaria – Control Strategies


© Instituto Camões 2003