Abraão Zacuto (1450-1522)

Abraham bar Samuel Abraham Zacut, conhecido em Portugal por Abraão Zacuto, terá nascido em Salamanca em meados do século XV, onde teria ensinado astrologia e astronomia — como se sabe, na altura as duas disciplinas confundiam-se. Não há muitas certezas sobre a sua actividade em Salamanca, existindo referências, não confirmadas, ao facto de ter estudado e leccionado na Universidade de Salamanca. Teve que se refugiar em Lisboa na sequência da promulgação do decreto dos reis católicos, Isabel e Fernando, reis de Castela e Aragão, que obrigava os judeus à conversão ao cristianismo ou ao exílio. Há notícias de que já estaria em Portugal em Junho de 1493, ao serviço do rei D.João II. Viveu em Portugal apenas seis anos, uma vez que em 1496 o rei D. Manuel seguia o exemplo dos reis católicos e decretava a expulsão do país de todos os judeus que recusassem a conversão ao catolicismo através dos baptismo. Zacuto refugiou-se em Tunes, no Norte de África, tendo depois passado para a Turquia, vindo a morrer na cidade de Damasco em ano posterior a 1522.

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Primeira página das tabelas do Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto, exemplar existente na Biblioteca Nacional. As tabelas prolongavam-se por mais 300 páginas. Foi impresso em Leiria em 1496 pelo judeu Abraão d'Ortas. Ao que se sabe, trata-se de um dos primeiros livros impressos em Portugal e o segundo em latim. Segundo a historiografia mais recente, os primeiros livros impressos no nosso país foram o Pentateuto, impresso em caracteres hebraicos em Faro em 1487, e o Tratado de Confissom, primeiro livro português, impresso em Chaves em 1489.

Abraão Zacuto era um astrólogo e astrónomo de méritos reconhecidos antes ainda de se transferir para Portugal. Aqui deu importantes contributos para o desenvolvimento da ciência náutica, elaborando as primeiras tabelas ou tábuas quadrienais do Sol para a navegação, no seu Almanach Perpetuum. Segundo Luciano Pereira da Silva, foi do Almanach de Zacuto que se deduziram todas as tábuas solares quadrienais calculadas em Portugal até à publicação das tábuas do Sol de Pedro Nunes. Esta obra foi várias vezes reeditada ao longo dos séculos XV e XVI.

Redigido em hebraico, sob o título Hajibur Hagadol, o Almanach Perpetuum Celestium Motuum é constituído por um conjunto de tábuas astronómicas de diversos tipos e para diversos fins, precedidas de explicações ou cânones sobre o seu uso. O Almanach foi preparado para o ano raiz de 1473 (é essa a sua época, como se diz), o que significa que os números inscritos nas suas tabelas estão calculados para esse ano, ou para determinados períodos de vários anos que nele se iniciam, sendo necessário fazer correcções quando se pretendesse conhecer os valores dos elementos tabelados para qualquer ano posterior aos períodos fixados nas tabelas. O Almanach Perpetuum terá sido escrito entre os anos de 1473 e 1478, data que é referida pelo seu autor na sua introdução. O livro foi reeditado em Leiria em 1496, tendo sido traduzido do hebreu para o latim e do latim para o castelhano por Mestre José Vizinho, médico da corte de D. João II e astrónomo, que foi discípulo do autor.

O Almanach reproduz o movimento dos astros por referência a determinadas coordenadas astronómicas. Prevê os momentos e coordenadas de acontecimentos celestes, as chamadas efemérides. Assim, as tabelas nele apresentados permitiam determinar a posição dos astros, determinar o momento dos eclipses e fazer diversos cálculos astronómicos e astrológicos. Segundo afirma Crespo, "A curiosidade pela determinação da posição dos astros na esfera celeste em função do tempo não era meramente científica. Servia essencialmente fins astrológicos, utilizando a palavra no sentido da previsão de acontecimentos e dos comportamentos das pessoas em função dos astros. Servia ainda propósitos de medicina, agronómicos, meteorológicos, religiosos e outros, sendo a organização das tabelas destinada, em muitos casos, a satisfazer esses fins. O livro não trata porém esses assuntos, fornece apenas os dados astronómicos a partir dos quais se faziam as especulações relativas às referidas ciências." (Crespo, p. 123)

Com base nas primeiras quatro tábuas solares do Almanach era possível determinar com rigor o lugar do sol na eclíptica. Com este valor, recorrendo a uma quinta tábua, era possível obter o valor da declinação do Sol, parâmetro astronómico necessário ao cálculo da latitude do lugar de observação quando utilizada a medida da altura meridiana desse astro. Estas tábuas eram utilizáveis directamente para os anos 1473 a 1476. Para os anos posteriores, era necessário fazer alguns cálculos, por sua vez facilitados por uma outra que Zacuto incluiu na obra. O grau de precisão oferecido por estas tábuas era tal que elas foram utilizadas como base de diversas outras tábuas destinadas aos marinheiros, onde se indicavam os resultados dos cálculos requeridos pelas tábuas de Zacuto.

Para além desta obra, sem dúvida a mais importante que elaborou, publicou ainda uma crónica intitulada Livro das Genealogias, que inclui dados autobiográficos, e dois tratados astrológicos, Juízos astrológicos e Tratado de las Ynfluencias del cielo, ao qual está anexo um texto intitulado De los eclipses del Sol y de la Luna. O Tratado de las Ynfluencias del cielo Zacuto, que Luís de Albuquerque classifica de "meteorologia astrológica", incluía um prognóstico sobre um dilúvio na Europa. Existia um prognóstico de Joannes Stoeffler e Jacob Pflaum para os dias 4 e 5 de Fevereiro de 1524, que teve grande difusão provocando pânico e motivando uma série de textos que rebatiam o prognóstico. Zacuto previa no seu Tratado de las Ynfluencias del cielo um dilúvio universal para o ano de 1503, que não teve mais impacto porque ficou manuscrita e conhecida por um número restrito de pessoas.

Fernando Reis

Bibliografia

ALBUQUERQUE, Luís de, "Zacuto, Abraão", in Dicionário de História de Portugal, Porto, Figueirinhas, 1981, Vol. VI.
ALBUQUERQUE, Luís de, "Zacuto, Abraão", in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, Vol. II.
CANTERA BURGOS, Francisco, Abraham Zacut, Madrid, M. Agilar, s. d. [1935].
CANTERA BURGOS, Francisco, El Judio Salmantino Abraham Zacut, Madrid, C. Bermejo, [1931].
CRESPO, Victor, "Abraão Zacuto e a Ciência Náutica dos Descobrimentos Portugueses", Oceanos, 29, Jan-Mar. 1997, 119-128.
ZACUTO, Abraão, Almanach Perpetuum, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986. [introdução de L. de Albuquerque].

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