PAZ DOS REIS E OS PRIMÓRDIOS DO CINEMA
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A 12 de Novembro de 1896, decorria no Theatro do Príncipe Real, no Porto, a apresentação ao público do Kinetographo Portuguez por Aurélio da Paz dos Reis e seu cunhado, Francisco de Magalhães Bastos Júnior. Na mesma sessão, uma Companhia de Zarzuela cantou Los Africanistas. Paz dos Reis era florista, fotógrafo amador e proprietário da Flora Portuense. Bastos Júnior era fotógrafo profissional, e co-proprietário da Photographia Central.

Entre os quadros exibidos - cinco dos quais estrangeiros - constam Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (Rua de Santa Catarina, Porto), A Rua do Ouro (Lisboa), Marinha no Tejo, Saída de Dois Vapores. Além de Jogo do Pau (Santo Tirso), Chegada d’Um Comboio Americano a Cadouços (Foz do Douro), O Zé Pereira na Romaria de Sto. Tirso e A Feira de S. Bento - já revelados no dia 10, aos jornais diários e alguns convidados.

Desde 8 de Setembro, Paz dos Reis e Bastos Júnior tinham (re)colhido outras «vistas movimentadas», com a expectativa de as mostrarem no Brasil: Manobras de Bombeiros, Cortejo Eclesiástico Saindo da Sé do Porto no Aniversário da Sagração do Eminentíssimo Cardeal D. Américo, Feira de Gado na Corujeira, Cinira Polonio Dizendo Uma Cançoneta ou Uma Salva de Artilharia na Serra do Pilar.


MATERIAL VEIO DE PARIS

Paz dos Reis havia adquirido «aparelhos e imagens» em Paris. Pelo natural entusiasmo de experimentar a máquina de filmar, talvez ali tivesse operado Cenas da Vida Parisiense, destacado em A Voz Pública. Ou seria uma referência ao «material estrangeiro» depois citado no Jornal de Notícias? Entretanto, em exibição no Theatro de São Geraldo em Braga, o Kinetographo incluía Azenhas no Rio Ave, e no dia 28, no Theatro D. Affonso no Porto, aparecia No Jardim.

Considerando que Paz dos Reis partilhou a manivelação com o cunhado, é provável que fosse exposto ao enquadramento, ostensivo ou talvez em coordenação da tomada de vistas. Tal hipótese coloca-se da observação de Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança e de No Jardim - as fitas, com Chegada d’Um Comboio Americano a Cadouços, de que há registos mais significativos. As outras são Feira de Gado na Corujeira e O Vira - das quais existe, só, um fantasma ou vacilação de imagem.

Ao todo, Paz dos Reis e Bastos Júnior terão rodado várias dezenas de pequenos filmes, estando descriminados cerca de trinta e cinco. Cotejando os respectivos títulos com o visionamento dos resgatados, deduz-se que o envolvimento de Paz dos Reis - quanto às virtualidades do cinema - ultrapassou, de longe, a mera curiosidade do amador perante «a última maravilha do Século XIX», como se anunciava. É patente um estímulo de composição documental, e um testemunho embrionário em actualidade e reportagem, de cunho folclórico e etnográfico.


DÚVIDAS E DESAIRES

Sobre a intervenção em cinema de Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931), persistem ainda zonas obscuras. Por exemplo, terá disposto de duas máquinas, uma das quais se encontra na Cinemateca Portuguesa. Durante anos, a existência e caracterização do aparelho Kinetographo foi objecto de controvérsia, subsistindo ainda interrogações sobre os motivos que levaram Paz dos Reis a abandonar, bruscamente, o interesse - de início, tão intenso - pelo «assombroso Animatographo», que conheceu graças a Edwin Rousby.

Paz dos Reis encararia a invenção dos Lumière como um negócio, pleno de virtualidades. Tendo impressionado fitas em Lisboa, no Norte do País e no Porto, onde depois as exibiu, ou em Braga, tal constituiria para o nosso pioneiro uma ocorrência aleatória - por causa do atraso na viagem ao Brasil, onde Bastos Júnior já não o acompanhou. Aliás, nessa transição entre Dezembro de 1896 e Janeiro de 1897, todas as expectativas se cifraram num fracasso, tanto mais que a «novidade» já era conhecida além-Atlântico.

Houve, mesmo, problemas na apresentação. Relatava o jornal carioca O Paiz que «a trepidação incomoda o espectador», e a colónia portuguesa no Rio de Janeiro não correspondeu às «projecções luminosas em tamanho natural». Durante anos, presumiu-se que a desastrosa experiência levou Paz dos Reis a desistir. Outros defenderam que terá continuado a fazer filmes, embora sem os mostrar ao público. Tal suposição é corroborada por referência no Jornal de Notícias e O Primeiro de Janeiro, em Março de 1907, que atribui a Paz dos Reis um Instantâneo no Palácio de Cristal Que, Depois, Será Exibido no Salão High-Life. E, já de 1922, ele aparece com uma câmara fotográfica em Visita ao Porto dos Heróicos Aviadores Almirante Gago Coutinho e Comandante Sacadura Cabral por Angel Beauvalet.


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