Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

António Pereira de Figueiredo

Religioso da Congregação do Oratório (n. 1725-m. 1797), foi figura cimeira do iluminismo em Portugal, tendo sido estreito colaborador do marquês de Pombal. Iniciou o seu contacto com as Letras no Colégio Ducal de Vila Viçosa, onde estudou Latim, Latinidade e Música. Transitou posteriormente para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e em 1744 para a Casa do Espírito Santo da Congregação do Oratório, matriculando-se nos cursos de Filosofia e Teologia. Nesta Congregação, que aglutinava então parte importante dos esforços de renovação do espírito filosófico em Portugal, foi professor de Latim, Retórica e Teologia.

No domínio do Latim, celebrizou-se com a publicação, em 1753, do Novo Methodo da Grammatica Latina, que tão grande polémica geraria, já pela simplificação metodológica que propunha, já pela forma como se distanciava e punha em causa a anterior gramática do jesuíta M. Álvares (ver Catálogo das Obras Críticas...).

Em 1759, publica os Elementos de Invenção e Locuçam Retorica ou Princípios da Eloquência, onde resume, com intenção didáctica, as suas lições de Retórica, proferidas três anos antes na Casa das Necessidades. Esta obra, mediante a qual faz uma incursão pelo domínio das regras da Eloquência, apresenta-se desprovida de originalidade, pois fora decalcado sobre o pensamento de Vossio e nela denota o Pereira Figueiredo um pendor relativamente barroco pela importância conferida à metáfora e à agudeza (p. 74).

No âmbito da Teologia salienta-se o intenso labor dedicado à tradução para vernáculo dos textos bíblicos (v. J. A. Freiras de Carvalho, «La Bible au Portugal» ... ) e a redacção, de parceria com o bispo Cenáculo, do texto da reforma do Curso de Teologia nos Estatutos da Univ. de Coimbra, de 1772. Aí se defendia uma teologia positiva ou «Exegética» (vol. I, tít. II, cap. II), assente nos textos sagrados e na Tradição, a qual é considerada como «a primeira e principal de todas as disciplinas teológicas» (ibid.). A ambiência iluminista do texto da reforma transparece ainda, de forma clara, pela importância conferido ao método de ensino e exposição das matérias teológicas, tão de acordo com o carácter pedagogista do nosso iluminismo, baseado numa rígida ordem expositiva, decalcado do então chamado «método geométrico». (vol. I, tít. III, cap. I). Por essa «via» ou «método» se procurava garantir uniformidade, a fim de que, como exigia o despotismo esclarecido, «não seja livre a cada teólogo idear e formar sistemas diversos e conseguir que se aprovem para uso das escolas» (ibid., cap. III). Todavia, o aspecto que mais o fará sobressair como arquitecto dos desígnios pombalinos gira em torno do esforço teórico que empreendeu a fim de redefinir o problema das relações Igreja-Estado dentro de um contexto regalista.

O oratoriano emerge assim como um dos principais teóricos do regalismo ao tempo de Pombal, cujas obras se tornariam tanto mais necessárias quanto é sabido que, em 1760, se verificara o corte de relações entre o Estado Português e a Santa Sé, atitude que Figueiredo elogia - ao referir-se-lhe, na Tentativa Theologica, como ao «modo ordinário com que a Majestade e a Soberania dos Principes Catholicos (sem ofensa da Religião ou do primado de S. Pedro) costuma despicar-se das injúrias e desatenções da Cúria Romana» (Proemio, I). A obra de maior vulto que a este tema dedica é o De Suprema Regum... (1765), na linha da qual se integram outros títulos seus, como o Compêndio da Vida e Escritos de Gerson e a Carta do Clero de Liège. A primeira destas obras, que alcançaria rápida difusão no estrangeiro, com tradução em França (1766) e em Itália (1768), é constituída por um conjunto de 16 teses, mediante as quais se esforçava por demonstrar a supremacia e a autonomia dos príncipes seculares perante o Papa, em matérias do foro temporal, para o que se socorre dos «Suffragia Doctorum Catholicorum» e das «Probationes Ecclesisticae Antiquitatis». Na primeira proposição, refere-se Figueiredo à velha tese paulina segundo a qual o poder tem a Deus como autor, após o que passa a abordar o objecto do poder temporal como abarcando todas aquelas coisas que contribuem para a «felicidade» e «tranquilidade» da «sociedade civil», razão por que as leis que regem a sua conservação obrigam tanto a «Republica» como a Igreja; a proposição IV pode considerar-se o eixo de toda a obra, pois por ela se declara e pretende demonstrar o carácter «supremo e independente no seu género» de cada um dos dois poderes, de que resulta a ilegitimidade do Papa para depor os príncipes seculares (prop. VI); segue um conjunto de teses cujo objectivo é o de atacar as imunidades e privilégios de que gozava o clero no seio da sociedade civil (props. X a XVI), as quais já tinham sido objecto da célebre crítica de D. Luís da Cunha no seu Testamento Político.

Para o oratoriano, tais privilégios não emergem do Direito Divino: «Quidquid bonorum temporalium Ecclesia possidet, sub Regum jure possidet» (prop. XIV), segue-se que aos reis é legítimo exigir aos membros do clero o pagamento de impostos ou tributos sempre que tal se revele necessário. Através destas 16 teses não só se assegurava a independência do poder temporal perante o poder espiritual, como também, dentro do conceito iluminista de «sociedade civil», se garantia um maior nivelamento de todos os grupos sociais, incluindo sobretudo a Igreja e a alta nobreza, perante o Estado Absoluto. O segundo texto que importa realçar, pois se articula com o contexto regalista global, é a Tentativa Theologica, na linha da qual se integram outros títulos, como a Demonstração Theologica e a Carta a Galindo. Mediante estes textos revela-se o Pereira Figueiredo um firme adepto do episcopalismo, formulado por B. Van Espen e Justinus Febronius, aliás Nicolaus van Hontheim de seu verdadeiro nome. Realçando e fundamentando o papel dos bispos como legítimos sucessores dos Apóstolos de Cristo, o episcopalismo reduzia substancialmente o poder interno dos Papas, indo pois ao encontro dos desígnios do Estado Absoluto. Ao «Bispo de Roma» apenas era concedida a «primazia» sobre os restantes membros da Igreja. Todavia, esclarece Figueiredo, «a essência do primado não está em ser o Papa na Igreja o único legislador ou Árbitro Supremo dos bispos», pois o governo da Igreja não segue os cânones do despotismo, bem pelo contrário, diz, cumpre-lhe tão-só vigiar «sobre toda a Igreja a fim de que cada um cumpra exactamente as obrigações e ministérios da sua linha: isto é, que o corpo da Igreja se conserve naquela disposição e harmonia em que Cristo e os seus Apóstolos o deixaram; conservando ilesos os direitos de cada grau e franqueando a cada membro as funções próprias da sua hierarquia» (Tentat. Theol.).

Cumpre destacar que as teses regalistas e episcopalistas obtiveram grande receptividade entre os teóricos portugueses das Luzes, de Ribeiro Sanches a Ribeiro dos Santos, passando por Frei Manuel do Cenáculo.

Obras
Carta de Hum Amigo a Outro Amigo na qual se Defendem os Equivocos contra o Indiscreto Juizo, que Delles Faz o Moderno Critico, Author da Obra Intitulada, Verdadeiro Methodo de Estudar, Paris, 1751; Novo Methodo da Grammatica Latina, Lisboa, 1752 (10 edições até 1797); Elementos de Invenção e Elocução Rethorica ou Principios da Eloquencia, Lisboa, 1759; Principios de Mythologia, illustrados em Breves Notas, Lisboa, 1761; Principios da Historia Ecclesiastica, Lisboa, 1765; Doctrina Veteris Ecclesiae de Suprema Regum in Clericos potestate.... Lisboa, 1765; Tentativa Theologica, Lisboa, 1766; Compendio dos Escritos e Doutrina de João Gerson, Lisboa, 1768; Responsio Apologetica ad Censuram Gabrieli Galindi..., Lisboa, 1768; Compendio da Vida e Acções do Veneravel João Gerson, Lisboa, 1769; Demonstração Theologica, Canonica e Historica do Direito dos Metropolitanos de Portugal... Lisboa, 1769; Novos Testemunhos da Milagrosa Aparição de Christo a El Rei D. Afonso Henriques antes da Batalha de Campo d'Ourique, Lisboa, 1786; João de Barros, Exemplar da mais Solida Eloquência Portuguesa. [Uma relação completa no Catalogo das obras impressas e manuscritas de A. P. Figueiredo, Lisboa, 1800.]

Bibliografia
José S. da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia (séculos XVI a XVIII), Coimbra, 1953; id., «Pombalismo e Teoria Política», in História e Filosofia, vol. I, Lisboa, 1982, pp. 45 a 70; Joël Saugnieux, Le Jansénisme espagnol du XVIII siècle: ses composantes et ses sources, Oviedo, 1975; Cândido dos Santos, «António Pereira de Figueiredo, Pombal e a 'Aufklärung', in Revista de História das Ideias, IV, t. I, pp. 167 a 205, 1982; J. A. Freitas de Carvalho, «La Bible au Portugal», in Le Siècle des Lumières et la Bible, vol. I, Paris, 1986; Zília O. de Castro, O Regalismo em Portugal, António Pereira de Figueiredo, Lisboa, 1987.

Pedro Calafate


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