Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Jacob de Castro Sarmento

Médico português, de origem judaica (n. Bragança, 1691 ?-m. Londres, 1762), estudou Medicina na Universidade de Évora e, posteriormente, em Coimbra, onde se licenciou em Medicina. Fugido ao clima de intolerância religiosa, abandonou a Pátria em 1721, fixando-se em Londres como rabi dos judeus portugueses. Foi membro do Colégio Real dos Médicos de Londres, sócio da Royal Society e membro do corpo docente da Universidade de Aberdeen, na Escócia.

«À semelhança de tantos outros compatriotas que se fixaram no estrangeiro, nunca nele morreu o anseio de intervir activamente na reforma da nossa cultura científica e filosófica, pugnando pela introdução da verdadeira filosofia natural ou newtoniana nesse reino» (Theorica.... p. IX), contra as concepções aristotélicas e cartesianas. É nesse enquadramento que devemos salientar a sua proposta, feita à Academia Real de História, para a criação em Portugal de um jardim botânico, para o qual o horto londrino forneceria um exemplar de cada uma das suas espécies disponíveis; o início da tradução do Novum Organum, de Francis Bacon, que considerava como marco relevante do espírito científico moderno, projecto inacabado por razões desconhecidas; a intermediação activa na aquisição de material científico para o Reino e a divulgação, na nossa língua, em termos claros e acessíveis, do método e das grandes descobertas científicas de Isaac Newton (Newton em Portugal), que considerava como o expoente máximo da ciência e da Filosofia do seu tempo. Fê-lo na Theorica Verdadeira das Marés conforme à Philosophia do incomparável cavalheiro Isaac Newton (Londres, 1737). Neste texto, Castro Sarmento identifica a Filosofia com as exigências do método científico, pois o veremos proclamar que «[...] o verdadeiro e imutável modo de filosofar consiste, como nos ensina o nosso autor ilustre, em observar atentamente os fenómenos da Natureza e deles deduzir tais causas que possam produzir universalmente os mesmos fenómenos por leis mecânicas; e achadas ditas causas se devem admitir como leis ou causas secundárias pelas quais se governa e se conserva a Natureza» (pp. 10-11).

Ao identificar as leis da Natureza, que a ciência determina, com as «causas secundárias», terminologia de feição escolástica, Castro Sarmento conserva a legitimidade plena do espaço da metafísica e da acção da Primeira Causa, à semelhança do próprio Newton. Por seu turno, sublinhando o primado do método analítico na filos. natural, distancia-se do espírito de sistema cartesiano, acusando Descartes de cair no mesmo erro do Estagirita, ao «[...] fazer que uma invenção e imaginação fecunda tivessem a maior parte na sua filosofia» (p. 10). A excelência do método newtoniano, garante da firmeza e imutabilidade das suas conclusões, advinha, numa primeira instância, do suporte matemático e demonstrativo que o orientava e, numa segunda instância, da simplicidade e inteligibilidade global do seu sistema, assente numa única hipótese: a gravitação universal. Assim, no primeiro caso, considera o sistema newtoniano ao abrigo das vicissitudes da história, conferindo-lhe o estatuto da perenidade, a qual dependia apenas da conservação da Natureza «no seu presente estado». Era esse o caso da determinação da causa do fluxo e refluxo das marés, profeticamente anunciada por Kepler, mas demonstrada geometricamente por Newton. Já quanto ao segundo aspecto, avalia a excelência de um sistema filosófico por analogia com o modo de agir da própria Natureza, que «obra pela mais simples e singela maneira» (p. 39). Assim também o sistema de Newton, «pois, fazendo uso de uma simples hipótese da gravidade, nos descobre e declara os mais curiosos e intrincados fenómenos da Natureza» (p. 39).

Nesta conformidade, o valor desta sua obra reside sobretudo no esforço de divulgação das descobertas científicas de Newton, revelando um zelo cívico que foi timbre comum aos intelectuais do nosso séc. XVIII. Noutro plano se situam as suas descobertas no âmbito das aplicações médicas, nomeadamente a descoberta e preparação da famosa «água-de-Inglaterra», de qualidades terapêuticas e de grande procura na época, assim como os seus escritos e recomendações no piano das práticas cirúrgicas.

Bibliografia
Maximiano Lemos, Jacob de Castro Sarmento, Porto, 1910; Joaquim de Carvalho, Jacob de Castro Sarmento et l'introduction des conceptions de Newton en Portugal, Lisboa, 1935; Augusto Esaguy, Jacob de Castro Sarmento: notas relativas à sua vida e à sua obra, Lisboa, 1946; José Sebastião da Silva Dias, Portugal e a Cultura Europeia séculos XVI a XVIII, separata de Biblos, Coimbra, 1952; Rómulo de Carvalho, Portugal nas Philosophical Transactions nos séculos XVII e XVIII, Coimbra, 1956.

Pedro Calafate


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