Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Bento de Sousa Farinha

Filósofo e pedagogo (n. Alandroal, 1740-m. Lisboa, 1820), efectuou os primeiros estudos em Évora, nos domínios do Latim, Filosofia e Teologia. Nos primeiros quatro anos da década de 60 cursará Direito Canónico na Universidade de Coimbra. A partir de 1764 inicia a sua aula pública de Filosofia em Évora, estreando-se então como professor oficial do reino, situação em que permanecerá por 15 anos consecutivos. A sua actividade intelectual denota um espírito com maior tendência para a divulgação, compilação e tradução do que para a criação propriamente original. Tal se ficou a dever, sem dúvida, à acentuada vocação pedagógica que sempre o norteou, num século em que o pedagogismo era nota comum aos intelectuais coevos. O cerne da sua preocupação assentará, assim, na divulgação dos textos fundamentais que, em seu parecer, deveriam sustentar, com seriedade, o ensino da Filosofia em Portugal. Neste âmbito, guiado por um critério de selecção e escolha, voltou-se com afinco para o séc. XVI, onde julgava resplandecerem os principais modelos do apogeu das Letras em Portugal. Neles se apoiou para anatemizar, muitas vezes injustamente, aquilo que considerava ser a «crassa ignorância» e a decadência cultural que a partir de 1620 se teria apoderado da inteligência nacional.

Seguindo a ordenação proposta por M. A. Machado Santos, poderemos dividir a globalidade das suas obras em quatro grupos: 1) Escritos pedagógicos; 2) Escritos filosóficos; 3) O orador e o panegirista; 4) O tradutor e o editor de obras alheias. No primeiro caso, enquanto o pedagogo ecoa permanentemente o ideal de uma correspondência activa com o Século de Quinhentos, idade de ouro, onde foi buscar as «peças filosóficas escolhidas dos escritores portugueses para se analisarem nas nossas aulas», de entre as quais se deve nomear a ed. de uma Filosofia de Príncipes apanhada das obras de nossos portugueses (Lx., 1786), composta por obras ou extractos de Lourenço de Cáceres, Amador Arrais e Jerónimo Osório, entre outros. Os seus escritos filosóficos acompanham de perto os nomes mais sonantes da época em que viveu, tendo oscilado entre uns e outros um pouco ao sabor das contrariedades e vicissitudes da história cultural portuguesa de então. Assim, entre os nomes que elegeu privilegiadamente para o magistério da Filos. destacam-se Vernei, Genovesi e Heinécio. Do primeiro adoptou o novo estatuto atribuído à História como propedêutica ao ensino das outras faculdades, a pretensão de uma lógica reformada, na tradição de Port-Royal, e a redução do âmbito da metafísica, entendida como mera parte da Lógica e da Física. A Heinécio seguirá sobretudo no domínio da filos. moral, cuja obra viria inclusive a traduzir para vernáculo, o mesmo sucedendo em relação a Genovesi, no caso da lógica e da metafísica e em relação ao qual Bento de Sousa Farinha viria a ser o maior tradutor e editor em Portugal.

Após o afastamento da docência em Évora, devido a vicissitudes várias, segue-se a sua vinda para Lisboa, onde redige uma série de dissertações de interesse filosófico, publicados no Jornal Encyclopedico, nos anos de 1789 e 1790. Aí reflecte sobre a essência da Filos., num pendor vincadamente augustiniano preocupando-se em, através da Dissertação sobre a insuficiência da Lei Natural (1789), erguer uma barreira ao avanço do deísmo e do ateísmo. Nestes seus escritos mais tardios elege o ideal socrático do «conhece-te a ti mesmo» como o âmago de toda a Filosofia. À Filosofia compete tudo quanto, através do uso da liberdade concedida por Deus ao entendimento e à vontade, possa contribuir para a dignificação da natureza humana, criada «à imagem e semelhança de Deus». Esta via de anterioridade que cabe à Filosofia acaba por traduzir-se, como em Santo Agostinho, num «socratismo cristão»: «É a Filosofia que nos faz ver e nos mostra miúda e claramente em nós esta imagem. Ela desentranha e apura desta grosseira e sombria terra e lodo este retrato preciosíssimo.» A Filosofia torna o Homem capaz de Deus, pois nele desvenda um caminho de virtude, sublinhando a importância da conduta humana: «A inocência da vida, a defensam da verdade, a prática da justiça [...], eis aqui um sumário da verdadeira filos.» Mas também aqui reside a dignidade da natureza humana, nessa faculdade que o Homem possui de «fazer ou deixar de fazer as suas acções» a que chama liberdade.

Obras
Para uma lista completa das suas obras, v. Mariana Amélia M. Santos, Bento José de Sousa Farinha e O Ensino, Coimbra, 1948.

Bibliografia
Rodrigo V. de Almeida, «Subsídios para a história do professorado em Portugal: Bento José de Sousa Farinha e seus escritos», in Rev. de Educ. e Ensino, vol. XV, 1900, pp. 314 a 327; Manuel Lopes de Almeida, «A propósito de Bento José, professor de Filosofia em Évora», in Bol. da Biblioteca Geral da Univ. de Coimbra, vol. XVII, 1947, pp. 609 a 623; Mariana Amélia M. Santos, «Bento José, professor de Filosofia em Évora», in Bol. da Biblioteca Geral da Univ. de Coimbra, vol. XVII, 1947, pp. 295 a 300; A. A. Banha de Andrade, «A filosofia das escolas menores oficiais», in Brotéria, vol. XLV, 1947; João Pereira Gomes, «últimas Actividades Filosóficas na Universidade de Évora», in Brotéria, 69 (1959), pp. 393 a 404; Joaquim de Carvalho, «Evolução da historiografia filosófica em Portugal até fins do século XIX», in Obra Completa, vol. II, Lisboa, 1981, pp. 121 a 154.

Pedro Calafate


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