Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Félix da Costa

Escritor de temas messiânicos e estéticos (n. 1639-m. 1712), filho do pintor Luís da Costa e autor das obras sobre o profeta Esdras e o Império Otomano que há-de destruir o rei encoberto no seu regresso de África e Antiguidade da Arte da Pintura. Tal como aconteceu com elevado número de importantes obras do pensamento português, os seus textos permaneceram manuscritos e inéditos, vindo a Antiguidade..., de que apenas existem dois ou três manuscritos, a conhecer a respectiva publicação, com trad. inglesa, em Yale, no ano de 1967.

Se a primeira das referidas obras denuncia uma clara adesão ao sebastianismo, então em franca expansão, é sem dúvida a segunda a que mais importa sublinhar, pois nela nos apresenta as grandes linhas da sua teorização estética.

Costa integra-se no contexto do maneirismo, na esteira de Lomazzo e Zuccari, apresentando o seu texto uma forte afinidade com os tratados de Francisco de Holanda. A motivação principal que o estimulou foi a tentativa de fomentar os estudos pictóricos em Portugal, mediante a fundação de uma academia, inspirada no modelo francês. O seu desejo não viria a encontrar verdadeiro eco institucional, permanecendo as nossas academias seiscentistas com um cunho vincadamente literário. Todavia, com manifesto entusiasmo, discorre o autor acerca da antiguidade e dignidade da arte da Pintura, em ordem à sensibilização dos poderes públicos. Tal como para os teóricos do maneirismo, também para Félix da Costa a estética é pensada num contexto de profunda união com a metafísica: Deus foi o primeiro pintor (fols. 7-12), possuindo, pois, a pintura a própria idade do Mundo. O desenho e a cor foram recursos divinos no acto da criação. À pintura humana cabe a imitação da pintura divina: «o pintor imita a divina omnipotência», daí retirando não só a sua própria dignidade como também a dignidade da sua arte. Compõe-se esta de três partes cujo equilíbrio determina a qualidade da obra: invenção, desenho e cor.

Procurando conferir uma roupagem clássica ao texto, recorre a Sócrates: «pictura est imitatio et representatio corum videntur», sem que, como é próprio do platonismo, tal definição traduza uma dimensão «realista» da arte, pois se trata de uma representação segundo «olhos interiores». Com efeito, referindo-se à inventio, a primeira parte da pintura e a propósito da representação do corpo humano, escreve: «Parece quis nosso Senhor Deus dar a entender ao pintor a consulta que há-de fazer com o entendimento para conceber com a mente a forma que há-de ter o corpo humano» e tal concepção consubstancia-se naquilo a que chama a Ideia, que é «pintura interna intelectiva de onde procede a externa que é a obrada, ajustada à da imaginação, composta pelo discurso e apurada pela sciencia da arte» (fols. 8v e 9r). Infundida directamente por Deus na mente do pintor, a Ideia é, assim, concebida platonicamente como fonte de toda a beleza, sendo esta a premissa teórica fundamental do maneirismo. Tendo a Deus como primeiro modelo mas também como causa, n'Ele encontra também a pintura a sua finalidade última, de onde emerge a sua dignidade moral, «Pois por meio da Pintura pretendeu a Santa Madre Igreja se converta a criatura ao seu Criador, como se tem experimentado em conversões feitas por meio de santas imagens» (fol. l6r).

Esta é a dimensão metafísica da sua concepção estética, a que se deve juntar, de acordo com a teoria clássica da arte, nomeadamente a que emerge da retórica antiga, o problema das relações entre a natureza ou engenho e a arte (no sentido de processo de aprendizagem com toda a tecnicidade inerente).

Recorrendo, significativamente, a Horácio e a Quintiliano, considera que o génio e a imaginação não são, só por si, suficientes para a perfeita elaboração da obra. A natureza deve ser secundada por um longo processo educativo e interdiscipinar a que a fundação de uma Real Academia viria responder (fols. 68). Critica, pois, a «falta de sciencia, a qual não se adquire sem um longo exercício, além de um bom génio natural» (ibid.).

Bibliografia
The Antiquity of the Art of Painting by Felix da Costa, Introduction and Notes by George Kubler, New Haven e Londres, 1967.

Pedro Calafate


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