Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Teófilo Braga (1843-1924)

A presença de Teófilo Braga no pensamento português é pautada pela forma como defendeu o ideal positivista, que alcançara considerável projecção da segunda metade do nosso século XIX. Todavia, na fase inicial da sua evolução intelectual, Teófilo foi um pensador romântico. Daí o seu interesse pelas manifestações espirituais do povo português, desde a literatura à religião, à arte, às tradições e aos costumes, aspecto que aliás nunca abandonaria a sua conformação intelectual, mesmo depois da adesão ao positivismo. A esta fase pertencem obras como História da Poesia Popular Portuguesa (1867); Romanceiro Geral (1867-69); Contos Populares do Arquipélago Açoriano (1869); História do Direito Português -- Os Forais (1868); História da Literatura Portuguesa - Introdução (1870).

Nesta fase, marcado por um intrínseco patriotismo, que nunca o abandonaria, partiu em busca do espírito do seu povo, que jugava poder encontrar no período anterior ao triunfo da monarquia absoluta e dos modelos de inspiração clássica, na linha de Michelet e de Vico. Em Vico, dissera Teófilo ter encontrado o interesse pelo estudo das tradições das raças, através dos símbolos com que a humanidade exprimia as suas aspirações, traduzidas nos contos populares, nos mitos, nas lendas, nas alegorias, nas fábulas.

Assim prosseguiu até à década de setenta em que, mergulhado o país na conjuntura política do fontismo, se deixou envolver pela dinâmica das ideias de Augusto Comte. Desde então, o universo das suas preocupações alarga-se com a atenção que passa a dedicar à sociologia e à organização política das sociedades, norteado pelo poderoso ideal republicano. Deixa-se então seduzir pelo triunfalismo positivista, defendendo que à segunda metade do século XIX estava destinada a realização plena da última fase do espírito, com a entrada final da consciência no estado positivo e com a consequente transformação pacífica das instituições políticas e sociais, que, a não operar-se, geraria fenómenos revolucionários de trágicas consequências . Entre as obras mais marcantes deste período contam-se:Traços Gerais de Filosofia Positiva (1877) e Sistema de Sociologia (1884).

Daí também o seu crescente interesse pela história das ideias -- neste caso das ideias republicanas -- e das instituições, com relevo para a sua monumental História da Universidade de Coimbra (1892-1902). À luz de uma concepção unilinear e universalizante, deitando o passado no leito precursor do estado positivo e do republicanismo, considerou, na sua História Universal-Esboço de Sociologia Descritiva (1879-82) que a história era uma «filosofia concreta, na qual a parte narrativa é a escolha dos factos e a filosofia é a conexão íntima que os explica», traçando as vias e os meios «por onde cada presente procede de cada passado». A confluência necessária entre a história e a filosofia radicava na necessidade de deduzir, através da multiplicidade dos factos «as leis gerais, e por assim dizer, orgânicas da vida», as quais, uma vez submetidas à grande síntese, permitiriam descortinar a realização do que chamava «a lei primária que dirige o movimento fatal».

Assim, atribuiu tanto à história universal como à história de Portugal um curriculum bem ordenado, da infância à maturidade, e num defendido paralelismo entre a filogénese e a ontogénese, rumo a um estado final em que o espírito humano renunciaria, definitivamente, à indagação do absoluto, tendência característica dos seus momentos de infância, aprendendo antes a circunscrever os factos, no domínio estrito da observação e da experimentação, com posterior coordenação geral que à filosofia positiva incumbiria. Curiosamente, essa história, a partir do estado positivo, atingira o seu cume, sendo então o progresso nada mais do que o desenvolvimento da ordem, e assim, a historicidade dos fenómenos sociais era admitida na medida em que sublinhava a perenidade desse último e definitivo degrau da evolução.

Deve notar-se, no entanto, que o positivismo de Teófilo, como de um modo geral o positivismo em Portugal, não acompanhou em tudo as ideias de Comte. Em primeiro lugar nunca nos deixámos seduzir pelo ideal conteano de um estado ditatorial e de um governo forte, inimigo do sufrágio. Sob este ponto de vista Teófilo bateu-se arduamente pelos ideais de uma democracia republicana.

Por outro lado, também não colheram entre nós as teses conteanas sobre a religião da humanidade, predominando antes um vincado anticlericalismo. Nestes dois aspectos, Teófilo seguiu mais as ideias de Littré que as do pai do positivismo.

Finalmente, é de sublinhar o esforço a que se entregou, nos Traços Gerais de Filosofia Positiva, para completar o sistema de Augusto Comte, chamando a atenção para a importância da psicologia, a que Comte não atendera.

No positivismo, na sua extraordinária base científica, na classificação ordenada e hierarquizada dos saberes, desde a matemática à sociologia encontrou, como ele próprio escreveu, a possibilidade de «dar disciplina a esse desalento, o fazer-nos compreender, através dos actos descoordenados das pessoas, a marcha evolutiva das coisas, livrando-nos da fascinação revolucionária que nos levaria à desgraça».

Por isso se orientou para a tarefa de colocar as instituições políticas de acordo com a nova consciência do século, liberto das tentações revolucionárias que animavam os socialistas seus companheiros da Geração de 70, com relevo para Antero e Oliveira Martins, marcando-o o primado da «questão política». Preocupava-o o facto de o estado da consciência moderna estar em manifesta dessincronia com as instituições políticas vigentes em Portugal, vendo o nascimento dessa mesma consciência no século XVII europeu, marcado pelo apogeu das ciências.

Esse foi o projecto que norteou a sua História das Ideias Republicanas em Portugal, e de um modo mais geral, toda a sua filosofia da história: «A história, determinando com clareza o advento das ideias democráticas, levará os espíritos dirigentes à previsão da marcha para uma formação política não remota; e dessa previsão resultará uma maior coordenação política do trabalho, e desse trabalho uma revivescência nacional».

Determinismo e previsibilidade, por um lado, ordem e progresso pelo outro, tais eram as balizas fundamentais com que enquadrava o movimento das sociedades.

Todavia, a questão que legitimamente se coloca a partir de um esquema desta natureza é a da liberdade de disposição dos indivíduos e dos grupos. A liberdade para Teófilo é directamente proporcional à capacidade de compreender e dar expressão às necessidades de evolução orgânica da humanidade, rematando em texto síntese da sua História Universal - Esboço de sociologia descritiva: «pela história se descobre o justo limite até onde o homem pode individualmente exercer acção sobre a sociedade; como um meio, a sociedade domina fatalmente o indivíduo nos costumes, nas noções usuais, pela forma das instituições, mas por seu turno, o homem reage sobre esse meio transformando-o, elevando-o, convertendo os seus movimentos empíricos em racionais».

Queria isto dizer que os fenómenos sociais podiam ser dirigidos nas mesmas condições em que a natureza submetia ao homem os fenómenos físicos e químicos. Por isso, o conhecimento era a primeira condição da liberdade e do combate social eficaz e progressivo, realçando a exigência de uma liberdade que se pratica e se exerce, seja pela liberdade de consciência que se expressa na liberdade dos cultos, seja pela liberdade de ensino, pela liberdade de imprensa, pela liberdade política e pela liberdade civil, facetas, cada uma a seu modo do que chamou «liberdade filosófica».

É interessante notar que a filosofia da história unilinear e universalizante que perfilhou, na esteira de Comte, não matou no seu espírito a antiga tendência romântica, continuando nesta fase o seu trabalho a pesquisa dos factores que individualizariam a nossa raça (A Pátria Portuguesa - O Território e a Raça, 1894; O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, 1885), vindo a desenvolver a muito contestada teoria do moçarabismo, mediante a qual nos diferenciaríamos dos restantes povos da Península.

Aliás, a este respeito, deixou-se seduzir, na senda dos grandes espíritos portugueses da segunda metade do século XIX, pelo federalismo, mas, curiosamente, de «base étnica», ou «orgânica», relativa esta ao respeito pelas singulares características da raça portuguesa, nunca pondo em causa a soberania nacional, tema que desenvolve com mais pormenor na sua História das Ideias Republicanas.

Bibliografia
Fernando Catroga, «Os inícios do positivismo em Portugal», em Revista de História das Ideias, 1 (1976); Id., «A importância do positivismo na consolidação da ideologia republicana em Portugal», em Biblos, 3 (1977); Joaquim de Carvalho, Teófilo Braga, em Obra Completa de Joaquim de Carvalho, vol. II Lisboa, 1982; A. do Prado Coelho, «Teófilo Braga e a História da Literatura Portuguesa», em Trabalhos da Academia das Ciências de Lisboa, 1ª série, tomo VI; António Ferrão, Teófilo Braga e o Positivismo em Portugal, Lisboa, 1935; Mário Soares, As ideias políticas e sociais de Teófilo Braga, Lisboa, 1950.

Pedro Calafate


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