Álvaro Ferdinando de Sousa da Silveira
(Rio de Janeiro, 11-05-1883 - Rio de Janeiro, 05-09-1967)

Fotografia de Sousa da Silveira aos sessenta anos [Maximiano de Carvalho e Silva, Sousa da Silveira. O Homem e a Obra Sua Contribuição à Crítica Textual no Brasil, Rio de Janeiro, Presença, 1984, verso do ante-rosto]

Em criança foi vizinho de Machado de Assis e muito seu leitor: ao autor de Dom Casmurro dedicaria uma composição de quando poetava, e é de Machado de Assis a epígrafe do tirocínio lírico Ecos (1908); mais foram as vezes em que como gramático coube a Sousa da Silveira reportar-se a trechos machadianos. Adolescente (1897-1902) é aluno do antigo Colégio Pedro II, onde teve como professores, entre outros, Said Ali (Alemão), Ramiz Galvão (Grego), João Ribeiro (História), Silva Ramos (Português), José Veríssimo (Geografia); entre os condiscípulos contavam-se Antenor Nascentes e Manuel Bandeira, este aliás seu vizinho.
Sousa da Silveira pertence a uma geração de filólogos que se formaram fora das faculdades de Letras, e com efeito estudou para engenheiro geógrafo e para engenheiro civil. Interrompeu este curso para viajar até à Europa (1908-1911): em Lisboa, vive um tremor de terra, assiste à passagem do cometa Halley, cura a neurastenia que trazia; na Galiza, enamora-se de Eva Rivera; em Sevilha, morre-lhe o avô com que viajava, o visconde de Taíde; visitou ainda Paris e Londres. Regressado ao Brasil, casa com a prima Clarice, no preciso último dia de 1912, em vista das superstições de Clarice. Aproveitando o diploma de engenheiro geógrafo, começa por trabalhar na Estrada de Ferro Central. Quando em 1918, quinze anos depois de o iniciar, termina o curso de engenharia civil, já todavia se firmara a vocação do magistério e das letras. Logo em 1917, começaria por reger Português na Escola Normal, e até 1934 foi professor do ensino secundário oficial. No ano seguinte vemo-lo a exercer na Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro). Extinta a UDF em 1939, torna-se catedrático interino de Língua Portuguesa na então criada Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, onde esteve até à aposentação, em 1953, sem nunca chegar a efectivar-se (a efectivação obrigaria a concurso, a que, conhecedor das injustiças que podiam envolver tais actos, nunca se quisera submeter); a mesma cátedra teria como primeiro proprietário, três anos depois, o seu antigo discípulo Celso Cunha. Alunos de Álvaro Ferdinando foram também Othon Garcia, Rocha Lima, Antônio Houaiss, Sílvio Elia. Entre colegas, além dos velhos condiscípulos Nascentes e Bandeira, citem-se José Oiticica, Cecília Meireles, Mário de Andrade (com este trocou bastante correspondência, devendo ter concorrido para decisões de ordem linguística tomadas pelo autor de Macunaíma). Foi presidente da Academia Brasileira de Filologia, de 1944 até 1954, e, a partir daí, presidente honorário. Até 1963 esteve são e operoso, mas os três últimos anos de vida tiveram-no doente.

Fac-símile de página de exemplar de Dois Autos de Gil Vicente, como se vê muito anotado pelo editor, que Sousa da Silveira ofereceu a Gladstone Chaves de Melo [reproduzido em Sousa da Silveira. O Homem e a Obra, p. 306]

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Como disse Serafim da Silva Neto, "Sousa da Silveira jamais deixou de associar ao magistério das aulas o magistério da pena". Foi para uma das turmas de 1921 que organizou as Lições de Português, a sua obra de âmbito linguístico sempre mais referida (1921-1923); os Trechos seletos (1919), Algumas fábulas de Fedro (1927), diversa colaboração em periódicos (Revista de Cultura, Jornal do Comércio, Revista de Filologia Portuguesa, etc.) representam o restante magistério da pena mais reportado ao magistério das aulas, a que se juntarão análises de textos literários (Textos quinhentistas, 1945; Dois autos de Gil Vicente (o da Mofina Mendes e o da Alma), 1949). Salientem-se duas defesas com repercussão pública: sempre foi adepto, divulgador e praticante, das bases ortográficas aprovadas em 1911, mesmo contra o mau clima que no Brasil se lhes foi formando (sobre ortografia treze peças conta a sua bibliografia); em 1946 foi relator do parecer sobre a designação da "língua brasileira". Quanto à obra estritamente filológica, ela inclui o texto limpo das Máximas, Pensamentos e Reflexões do Marquês de Maricá (1858), espécie de obsessão de infância, e, sobretudo, as edições de Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, 1939, e das Obras de Casimiro de Abreu, 1940. Segundo Maximiano de Carvalho e Silva, antigo aluno e seu biógrafo - Sousa da Silveira. O Homem e a a Obra. Sua Contribuição à Crítica Textual no Brasil, que usámos nesta notícia -, Sousa da Silveira teve como modelo filológico principal as edições de Epifânio Dias.