O quê? Onde? Porquê? Quando?
Porque se fala português em tanto mundo?

A língua portuguesa foi transportada para os territórios colonizados durante a expansão extra-europeia, sendo um dos principais instrumentos desse processo.
Quando a expansão começou no início do séc. XV, a língua acabava de sair de uma outra fase de expansão territorial, que a transportara até ao Algarve desde o seu berço: as terras galegas e nortenhas.
O português é uma língua nascida no norte e que cresceu para sul. Tal como aconteceu com o castelhano e com o francês, começou por ser um conjunto de dialectos provinciais (galego-portugueses), passou a língua de uma nação e depois a veículo de um império. Distinguem-se, neste percurso, dois ciclos sucessivos:

I. o da elaboração da língua, desenvolvido entre os sécs. IX e XIV na esteira da Reconquista territorial. Conquistado o Algarve e fixadas as fronteiras, foi o território repovoado por povos do norte, que transplantaram a sua língua para o sul, onde se falava árabe e havia ainda vestígios de antigos dialectos românicos meridionais. A língua ocupante transforma-se pelo contacto com os substratos locais e pela mistura, nas novas terras, de dialectos que no norte se achavam separados. Os dialectos a sul do Mondego são por isso mais homogéneos que os seus parentes mais velhos do norte.

II. o da expansão da língua: a transferência do poder para o centro do reino, com a capital em Lisboa, fez que a partir do séc. XV os novos dialectos falados nesta região ganhassem ascendente sobre os do norte e fornecessem a base para a elaboração de uma norma culta de características meridionais, que está na origem do moderno padrão linguístico. Neste período, enquanto se consolida e estrutura dentro de portas, a língua portuguesa expande-se para fora das fronteiras europeias.

Esta divisão em dois grandes momentos, em que uma dimensão espacial tempera e naturaliza o conceito geralmente fictício de período histórico, é proposta em termos muito semelhantes por Paul Teyssier, na sua clara História da Língua Portuguesa.
Geografia e história da língua estão entrelaçadas. O motivo por que se fala português no Rio de Janeiro é o mesmo motivo por que se fala português em Elvas e não se fala em Badajoz. A geografia de uma língua reflecte a geografia política e humana da nação que a fala. Mas é uma geografia projectada no tempo, que permite descobrir realidades que já não estão à vista. Quem sentiria, em Malaca, a presença dos portugueses que abandonaram a cidade há 400 anos, se não se encontrassem famílias de nome português, rezando em português e falando o papiá cristão, um crioulo onde despontam palavras e expressões reconhecíveis, reveladoras de uma descendência portuguesa?


Ciclo da Elaboração da Língua


Ciclo da Expansão da Língua

A partir do séc. XVI, a história da língua portuguesa deixa de decorrer exclusivamente no território europeu.



As origens do romance galego-português

Depois das invasões germânicas (que no séc. V chegaram à Península Ibérica), a Europa fragmentou-se politicamente, sendo o ano de 476 o marco que assinala a queda do Império Romano do Ocidente. A diferenciação do latim vulgar, que já era uma realidade linguística na época da unidade política, acentua-se cada vez mais. Pensa-se que por volta do ano 600 o latim vulgar não fosse falado em nenhuma região do Império. Por essa época falar-se-iam novas línguas na Gália, na Ibéria, na Récia, na Itália, na Dalmácia e na Dácia: eram os romances. Um romance é uma língua medieval resultante da evolução do latim numa antiga província do Império Romano.
A autonomização de um romance galego-português a partir do séc. VII na antiga província Gallaecia et Asturica (Galiza, norte de Portugal, ocidente de Astúrias) é denunciada por dois fenómenos de mudança fonética que afectam o seu léxico.

1º fenómeno: palatalização dos grupos iniciais latinos pl-, kl-, fl- na africada palatal surda

Latim Galego-português Forma portuguesa contemporânea
plicare tšegar chegar
clamare tšamar chamar
flagrare tšeirar cheirar

Esta evolução terá ocorrido no noroeste da Península durante os séculos de permanência dos invasores germânicos, suevos (411-585) e visigodos (585-711).


2º fenómeno: lenição das soantes intervocálicas latinas -n- e -l-

Latim

Galego-português

Forma portuguesa contemporânea

manu mão-o mão
mala maa

Este segundo fenómeno terá ocorrido durante a permanência árabe, logo no seu início. Ele aparece pela primeira vez atestado no séc. IX (para -n- > Ø: elemosia) e no séc. X (para -l-> Ø: Froia) e admite-se que tenha sido posterior a pl-, kl-, fl- > por se encontrar menos difundido no território português.

Quando se iniciou a Reconquista cristã, promovida no ocidente peninsular pela monarquia asturiana a partir do séc. IX, já se falaria no canto noroeste da Península Ibérica o romance galego-português.



O português antigo

Depois de afirmada a independência de Portugal no séc. XII e de estabelecidas as fronteiras do reino em meados do séc. XIII, estavam reunidas condições para que aquele romance galego-português fosse promovido a língua nacional.
O primeiro passo era tornar-se língua escrita (da documentação oficial, da literatura e também do uso diário). O mais antigo documento oficial, datado, escrito em português, que chegou até nós (o Testamento de Afonso II, de 1214) prova, devido às suas convenções gráficas mais ou menos estáveis, que no ambiente da corte já se escrevia em português há algum tempo. Com isso se harmoniza a datação da mais antiga cantiga trovadoresca, Ora faz ost’o senhor de Navarra, de João Soares de Paiva: o ano de 1196. E a Notícia de Torto, um documento privado sem data, mas situável à volta de 1214, atesta como a língua portuguesa era já usada, pontualmente, para registar apontamentos informais e efémeros; esta prática foi recentemente comprovada por uma Notícia de Fiadores de 1175. Mas é a partir de 1255 que começa a produção regular de documentos escritos em português, primeiro na chancelaria régia, depois por toda a parte.
A abundante produção escrita em português torna possível, desde então, observar com mais pormenor as mudanças que a língua vai sofrer entre os sécs. XIII e XV e que, por graduais transições, a levarão a transformar-se de língua medieval em língua clássica. Destacam-se as seguintes ordens de mudanças:

a) mudanças da estrutura da língua:

no plano fonético, eliminação de hiatos (sequências vocálicas que eram muito abundantes no português antigo), convergência no ditongo –ão das terminações nasais em –õ, em –ã e em –ão hiático dos verbos e dos nomes, elevação para –u do –o final átono dos nomes (muito abundante como morfema masculino), queda do –d– intervocálico na segunda pessoa plural dos verbos (amades > amaes > amais), início da transformação do sistema medieval de sibilantes (2 fricativas apicais, s e ss, e 2 africadas predorsais, ts e dz > 2 fricativas apicais e 2 fricativas predorsais, ç e z > 2 fricativas (ou apicais ou predorsais);

no plano morfológico, regularização de paradigmas verbais (substituição de formas irregulares por formas analógicas) e nominais (mudanças de género);

no plano lexical, entrada de cultismos por relatinização.


b) mudanças sociolinguísticas:

a língua de cultura transfere a sua base dialectal do norte para o centro do reino (assim, o futuro padrão não se baseará nos dialectos fundadores da língua, mas em dialectos que nasceram devido à Reconquista);

agrava-se o distanciamento em relação ao galego, entretanto impedido pelo domínio castelhano de existir como língua de cultura.


Todos estes fenómenos coincidem com profundas transformações sociais no reino: a diminuição da população devido à peste no reinado de D. Fernando, as invasões castelhanas, a crise dinástica e a substituição da classe nobre, o início das conquistas ultramarinas. É intuitivo que, apesar da sua diferente natureza, os factos linguísticos e os históricos se acham interrelacionados. Mais difícil será determinar se essas relações são de coincidência ou de causalidade e, neste caso, qual o sentido em que as motivações actuaram.



O português médio

O período que vai de finais do séc. XIV a inícios do séc. XVI é, devido à acção conjugada de todos estes fenómenos de mudança, aquele em que a língua mais rápida e radicalmente se transfigurou. Sendo um período de transição, em que se sobrepõem os processos terminais da elaboração da língua nacional com os esboços da sua expansão imperial, possui no entanto características próprias, o que leva muitos autores a tratá-lo como um período autónomo.

Os anos entre 1425 e 1450 parecem ter assistido às transformações mais acentuadas.



O português europeu

Não se sabe exactamente em que medida o português europeu terá sido influenciado, na sua evolução, pelo fenómeno da expansão ultramarina (para além dos vocabulários exóticos acolheu um número considerável de arabismos, por contactos no Oriente e no norte de África). Prossegue o movimento de regularização das estruturas gramaticais que vinha do português medieval, a língua da corte (entenda-se: de Lisboa) é apresentada pelos gramáticos como padrão linguístico, a língua de grandes escritores (Camões, p. ex.) adquire uma projecção exemplar, o léxico enriquece-se com importações do latim e do grego, vindas directamente ou através do castelhano.

No plano oral, os dialectos desenham um mapa muito semelhante ao moderno: dialectos mais diferenciados e conservadores a norte das Beiras, mais nivelados no sul do país e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Enquanto no norte se mantém o sistema das quatro sibilantes, prevalece no sul (e na pronúncia padrão) o sistema simplificado de duas sibilantes predorsais; esta oposição é reforçada por algumas diferenças de comportamento a nível do vocalismo.

É pelo séc. XVII que se generaliza em Portugal um fenómeno de elevação das vogais fechadas e e o em posição pretónica, que passam a ser pronunciadas respectivamente como e mudo [@] e como [u] e que, modernamente, chegam mesmo a desaparecer. Pode ser que esta elevação tivesse raízes medievais; afinal, já ocorrera com o –o em posição final. Mas quando se generaliza no reino, já estava instalada no Brasil uma variedade anterior a esta evolução, razão por que palavras como metodologia soam diferentemente em bocas portuguesas e brasileiras, sendo estas as mais conservadoras.

Mantém-se viva a distinção antiga entre a fricativa palatal surda [š], representada pela grafia x, e a africada correspondente [tš], escrita com ch. Só no séc. XVIII, e apenas nos dialectos do sul, esta africada desapareceria.

É neste mesmo século que o –s em posição final (de sílaba ou enunciado) adquire a sua actual pronúncia palatal, a qual parece ter sido levada para o Brasil pela corte de D. João VI, onde afectou apenas o dialecto da capital.

O som do português europeu não sofreu, depois disto, alterações significativas, para lá de uma tendência, que talvez não seja tão moderna como parece, para articular fracamente as vogais átonas, o que tem efeitos sobre a estrutura das sílabas e o remate dos vocábulos.



O português extra-europeu

Fora da Europa, o português teve dois tipos específicos de actuação:

a) ainda no séc. XVI, instalou-se com dialectos transplantados de Portugal em territórios como o Brasil e a Índia, onde teve desenvolvimentos próprios, com grande autonomia em relação à variedade europeia, chegando aos nossos dias com plena vitalidade no primeiro caso e em estado de relíquia no segundo;

b) ao longo do litoral africano e asiático, associou-se a línguas locais para produzir pidgins e crioulos, possivelmente segundo uma matriz única (um protocrioulo português) que explicaria as semelhanças entre línguas que nunca tiveram contacto. Este processo deu, como resultados modernos, a situação linguística de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e certas áreas do Índico.

Este processo de crioulização também ocorreu no Brasil, mas uma maciça imigração europeia, constante desde o séc. XVI até ao XX, levou a que prevalecesse o primeiro tipo. O mesmo aconteceu ao Angola e em Moçambique, com a imigração do séc. XIX e XX.