Maratona Lusíadas1

Canto II, 91/98

Canto II, 91/98
Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões. Canto II, 91/98 por Fernando Luís Sampaio. Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009. Canto II 91 Respondem-lhe da terra juntamente, Co'o raio volteando, com zunido; Anda em giros no ar a roda ardente, Estoura o pó sulfúreo escondido. A grita se alevanta ao céu, da gente; O mar se via em fogos acendido, E não menos a terra; e assim festeja Um ao outro, a maneira de peleja. 92 Mas já o Céu inquieto revolvendo, As gentes incitava a seu trabalho, E já a mãe de Menon a luz trazendo, Ao sono longo punha certo atalho; Iam-se as sombras lentas desfazendo, Sobre as flores da terra em frio orvalho, Quando o Rei Melindano se embarcava A ver a frota, que no mar estava. 93 Viam-se em derredor ferver as praias Da gente, que a ver só concorre leda; Luzem da fina púrpura as cabaias, Lustram os panos da tecida seda; Em lugar das guerreiras azagaias E do arco, que os cornos arremeda Da Lua, trazem ramos de palmeira, Dos que vencem, coroa verdadeira. 94 Um batel grande e largo, que toldado Vinha de sedas de diversas cores, Traz o Rei de Melinde, acompanhado De nobres e seu Reino e de senhores: Vem de ricos vestidos adornado, Segundo seus costumes e primores; Na cabeça uma fota guarnecida De ouro, e de seda e de algodão tecida. 95 Cabaia de Damasco rico e dino, Da Tíria cor, entre eles estimada, Um colar ao pescoço, de ouro fino, Onde a matéria da obra é superada, C'um resplendor reluze adamantino; Na cinta, a rica bem lavrada; Nas alparcas dos pés, em fim de tudo, Cobrem ouro e aljôfar ao veludo. 96 Com um redondo emparo alto de seda, Numa alta e dourada hástia enxerido, Um ministro à solar quentura veda. Que não ofenda e queime o Rei subido. Música traz na proa, estranha e leda, De áspero som, horríssono ao ouvido, De trombetas arcadas em redondo, Que, sem concerto, fazem rudo estrondo. 97 Não menos guarnecido o Lusitano Nos seus batéis, da frota se partia A receber no mar o Melindano, Com lustrosa e lograda companhia. Vestido o Gama vem ao modo Hispano, Mas Francesa era a roupa que vestia, De cetim da Adriática Veneza Carmesi, cor que a gente tanto preza: 98 De botões douro as mangas vêm tomadas, Onde o Sol reluzindo a vista cega; As calças soldadescas recamadas Do metal, que Fortuna a tantos nega, E com pontas do mesmo delicadas Os golpes do gibão ajunta e achega; Ao Itálico modo a áurea espada; Pluma na gorra, um pouco declinada.

Canto II, 99/113

Canto II, 99/113
Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões. Canto II, 99/113 por Fernando Luís Sampaio. Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009. Canto II 99 Nos de sua companhia se mostrava Da tinta, que dá o múrice excelente, A vária cor, que os olhos alegrava, E a maneira do trajo diferente. Tal o formoso esmalte se notava Dos vestidos, olhados juntamente, Qual aparece o arco rutilante Da bela Ninfa, filha de Taumante. 100 Sonorosas trombetas incitavam Os ânimos alegres, ressoando; Dos Mouros os batéis, o mar coalhavam, Os toldos pelas águas arrojando; As bombardas horríssonas bramavam, Com as nuvens de fumo o Sol tomando; Amiúdam-se os brados acendidos, Tapam com as mãos os Mouros os ouvidos. 101 Já no batel entrou do Capitão O Rei, que nos seus braços o levava; Ele coa cortesia, que a razão (Por ser Rei) requeria, lhe falava. C'umas mostras de espanto e admiração, O Mouro o gesto e o modo lhe notava, Como quem em mui grande estima tinha Gente que de tão longe à índia vinha. 102 E com grandes palavras lhe oferece Tudo o que de seus Reinos lhe cumprisse, E que, se mantimento lhe falece, Como se próprio fosse, lho pedisse. Diz-lhe mais, que por fama bem conhece A gente Lusitana, sem que a visse; Que já ouviu dizer, que noutra terra Com gente de sua Lei tivesse guerra. 103 E como por toda África se soa, Lhe diz, os grandes feitos que fizeram, Quando nela ganharam a coroa Do Reino, onde as Hespéridas viveram; E com muitas palavras apregoa O menos que os de Luso mereceram, E o mais que pela fama o Rei sabia. Mas desta sorte o Gama respondia: 104 "Ó tu, que só tiveste piedade, Rei benigno, da gente Lusitana, Que com tanta miséria e adversidade Dos mares experimenta a fúria insana; Aquela alta e divina Eternidade, Que o Céu revolve e rege a gente humana, Pois que de ti tais obras recebemos, Te pague o que nós outros não podemos. 105 "Tu só, de todos quantos queima Apolo, Nos recebes em paz, cio mar profundo; Em ti dos ventos hórridos de Eolo Refúgio achamos bom, fido e jocundo. Enquanto apascentar o largo Pólo As Estrelas, e o Sol der lume ao Mundo, Onde quer que eu viver, com fama e glória Viverão teus louvores em memória." 106 Isto dizendo, os barcos vão remando Para a frota, que o Mouro ver deseja; Vão as naus uma e uma rodeando, Porque de todas tudo note e veja. Mas para o céu Vulcano fuzilando, A frota coas bombardas o festeja, E as trombetas canoras lhe tangiam; Co'os anafis os Mouros respondiam. 107 Mas depois de ser tudo já notado Do generoso Mouro, que pasmava Ouvindo o instrumento inusitado, Que tamanho terror em si mostrava, Mandava estar quieto e ancorado N'água o batel ligeiro que os levava, Por falar de vagar co'o forte Gama, Nas cousas de que tem notícia e faina. 108 Em práticas o Mouro diferentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excelentes Co'o povo havidas, que a Mafoma adora; Agora lhe pergunta pelas gentes De toda a Hespéria última, onde mora; Agora pelos povos seus vizinhos, Agora pelos úmidos caminhos. 109 "Mas antes, valeroso Capitão, Nos conta, lhe dizia, diligente, Da terra tua o clima, e região Do mundo onde morais distintamente; E assim de vossa antiga geração, E o princípio do Reino tão potente, Co'os sucessos das guerras do começo, Que, sem sabê-las, sei que são de preço. 110 "E assim também nos conta dos rodeios Longos, em que te traz o mar irado, Vendo os costumes bárbaros alheios. Que a nossa África ruda tem criado. Conta: que agora vêm co'os áureos freios Os cavalos que o carro marchetado Do novo Sol, da fria Aurora trazem, O vento dorme, o mar e as ondas jazem. 111 "E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem há, que por fama não conhece As obras Portuguesas singulares? Não tanto desviado resplandece De nós o claro Sol, para julgares Que os Melindanos têm tão rudo peito, Que não estimem muito um grande feito. 112 "Cometeram soberbos os Gigantes, Com guerra vã, o Olimpo claro e puro; Tentou Pirítoo e Teseu, de ignorantes, O Reino de Plutão horrendo e escuro. Se houve feitos no mundo tão possantes, Não menos é trabalho ilustre e duro, Quanto foi cometer Inferno o Céu, Que outrem cometa a fúria de Nereu. 113 "Queimou o sagrado templo de Diana, Do subtil Tesifónio fabricado, Heróstrato, por ser da gente humana Conhecido no mundo e nomeado: Se também com tais obras nos engana O desejo de um nome avantajado, Mais razão há que queira eterna glória Quem faz obras tão dignas de memória."

Canto III, 130/143

Canto III, 130/143
Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões. Canto III, 130/143 por Manuel Graça Dias. Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009. Canto III 130 "Queria perdoar-lhe o Rei benino, Movido das palavras que o magoam; Mas o pertinaz povo, e seu destino (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam. Arrancam das espadas de aço fino Os que por bom tal feito ali apregoam. Contra uma dama, ó peitos carniceiros, Feros vos amostrais, e cavaleiros? 131 "Qual contra a linda moça Policena, Consolação extrema da mãe velha, Porque a sombra de Aquiles a condena, Co'o ferro o duro Pirro se aparelha; Mas ela os olhos com que o ar serena (Bem como paciente e mansa ovelha) Na mísera mãe postos, que endoudece, Ao duro sacrifício se oferece: 132 "Tais contra Inês os brutos matadores No colo de alabastro, que sustinha As obras com que Amor matou de amores Aquele que depois a fez Rainha; As espadas banhando, e as brancas flores, Que ela dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavam, férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos. 133 "Bem puderas, ó Sol, da vista destes Teus raios apartar aquele dia, Como da seva mesa de Tiestes, Quando os filhos por mão de Atreu comia. Vós, ó côncavos vales, que pudestes A voz extrema ouvir da boca fria, O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, Por muito grande espaço repetisses! 134 "Assim como a bonina, que cortada Antes do tempo foi, cândida e bela, Sendo das mãos lascivas maltratada Da menina que a trouxe na capela, O cheiro traz perdido e a cor murchada: Tal está morta a pálida donzela, Secas do rosto as rosas, e perdida A branca e viva cor, coa doce vida. 135 "As filhas do Mondego a morte escura Longo tempo chorando memoraram, E, por memória eterna, em fonte pura As lágrimas choradas transformaram; O nome lhe puseram, que inda dura, Dos amores de Inês que ali passaram. Vede que fresca fonte rega as flores, Que lágrimas são a água, e o nome amores. 136 "Não correu muito tempo que a vingança Não visse Pedro das mortais feridas, Que, em tomando do Reino a governança, A tomou dos fugidos homicidas. Do outro Pedro cruíssimo os alcança, Que ambos, imigos das humanas vidas, O concerto fizeram, duro e injusto, Que com Lépido e António fez Augusto. 137 "Este, castigador foi rigoroso De latrocínios, mortes e adultérios: Fazer nos maus cruezas, fero e iroso, Eram os seus mais certos refrigérios. As cidades guardando justiçoso De todos os soberbos vitupérios, Mais ladrões castigando à morte deu, Que o vagabundo Aleides ou Teseu. 138 "Do justo e duro Pedro nasce o brando, (Vede da natureza o desconcerto!) Remisso, e sem cuidado algum, Fernando, Que todo o Reino pôs em muito aperto: Que, vindo o Castelhano devastando As terras sem defesa, esteve perto De destruir-se o Reino totalmente; Que um fraco Rei f az fraca a forte gente. 139 "Ou foi castigo claro do pecado De tirar Lianor a seu marido, E casar-se com ela, de enlevado Num falso parecer mal entendido; Ou foi que o coração sujeito e dado Ao vício vil, de quem se viu rendido, Mole se fez e fraco; e bem parece, Que um baixo amor os fortes enfraquece. 140 "Do pecado tiveram sempre a pena Muitos, que Deus o quis, e permitiu: Os que foram roubar a bela Helena, E com Apio também Tarquilio o viu. Pois por quem David Santo se condena? Ou quem o Tribo ilustre destruiu De Benjamim?Bem claro no-lo ensina Por Sara Faraó, Siquém por Dina. 141 "E pois se os peitos fortes enfraquece Um inconcesso amor desatinado, Bem no filho de Alcmena se parece, Quando em Ônfale andava transformado. De Marco António a faina se escurece Com ser tanto a Cleopatra afeiçoado. Tu também, Peno próspero, o sentiste Depois que uma moça vil na Apúlia viste. 142 "Mas quem pode livrar-se por ventura Dos laços que Amor arma brandamente Entre as rosas e a neve humana pura, O ouro e o alabastro transparente? Quem de uma peregrina formosura, De um vulto de Medusa propriamente, Que o coração converte, que tem preso, Em pedra não, mas em desejo aceso? 143 "Quem viu um olhar seguro, um gesto brando, Uma suave e angélica excelência, Que em si está sempre as almas transformando, Que tivesse contra ela resistência? Desculpado por certo está Fernando, Para quem tem de amor experiência; Mas antes, tendo livre a fantasia, Por muito mais culpado o julgaria.

Canto III, 118/129

Canto III, 118/129
Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões. Canto III, 118/129 por Manuel Graça Dias. Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009. Canto III 118 "Passada esta tão próspera vitória, Tornando Afonso à Lusitana terra, A se lograr da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste, e dino da memória, Que do sepulcro os homens desenterra, Aconteceu da mísera e mesquinha Que depois de ser morta foi Rainha. 119 "Tu só, tu, puro Amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. 120 "Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruto, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuto, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas. 121 "Do teu Príncipe ali te respondiam As lembranças que na alma lhe moravam, Que sempre ante seus olhos te traziam, Quando dos teus fermosos se apartavam: De noite em doces sonhos, que mentiam, De dia em pensamentos, que voavam. E quanto enfim cuidava, e quanto via, Eram tudo memórias de alegria. 122 "De outras belas senhoras e Princesas Os desejados tálamos enjeita, Que tudo enfim, tu, puro amor, despreza, Quando um gesto suave te sujeita. Vendo estas namoradas estranhezas O velho pai sesudo, que respeita O murmurar do povo, e a fantasia Do filho, que casar-se não queria, 123 "Tirar Inês ao mundo determina, Por lhe tirar o filho que tem preso, Crendo co'o sangue só da morte indina Matar do firme amor o fogo aceso. Que furor consentiu que a espada fina, Que pôde sustentar o grande peso Do furor Mauro, fosse alevantada Contra uma fraca dama delicada? 124 "Traziam-na os horríficos algozes Ante o Rei, já movido a piedade: Mas o povo, com falsas e ferozes Razões, à morte crua o persuade. Ela com tristes o piedosas vozes, Saídas só da mágoa, e saudade Do seu Príncipe, e filhos que deixava, Que mais que a própria morte a magoava, 125 "Para o Céu cristalino alevantando Com lágrimas os olhos piedosos, Os olhos, porque as mãos lhe estava atando Um dos duros ministros rigorosos; E depois nos meninos atentando, Que tão queridos tinha, e tão mimosos, Cuja orfandade como mãe temia, Para o avô cruel assim dizia: 126 - "Se já nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento, E nas aves agrestes, que somente Nas rapinas aéreas têm o intento, Com pequenas crianças viu a gente Terem tão piedoso sentimento, Como coa mãe de Nino já mostraram, E colos irmãos que Roma edificaram; 127 - "Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito (Se de humano é matar uma donzela Fraca e sem força, só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la) A estas criancinhas tem respeito, Pois o não tens à morte escura dela; Mova-te a piedade sua e minha, Pois te não move a culpa que não tinha. 128 - "E se, vencendo a Maura resistência, A morte sabes dar com fogo e ferro, Sabe também dar vicia com clemência A quem para perdê-la não fez erro. Mas se to assim merece esta inocência, Põe-me em perpétuo e mísero desterro, Na Cítia fria, ou lá na Líbia ardente, Onde em lágrimas viva eternamente. 129 "Põe-me onde se use toda a feridade, Entre leões e tigres, e verei Se neles achar posso a piedade Que entre peitos humanos não achei: Ali com o amor intrínseco e vontade Naquele por quem morro, criarei Estas relíquias suas que aqui viste, Que refrigério sejam da mãe triste."-

Canto IV, 14/23

Canto IV, 14/23
Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões. Canto IV, 14/23 por Guilherme D'Oliveira Martins. Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009. Canto IV 14 "Mas nunca foi que este erro se sentisse No forte Dom Nuno Álvares; mas antes, Posto que em seus irmãos tão claro o visse, Reprovando as vontades inconstantes, Aquelas duvidosas gentes disse, Com palavras mais duras que elegantes, A mão na espada, irado, e não facundo, Ameaçando a terra, o mar e o mundo: 15 - "Como!Da gente ilustre Portuguesa Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?, Como!Desta província, que princesa Foi das gentes na guerra em toda a parte, Há-de sair quem negue ter defesa? Quem negue a Fé, o amor, o esforço e arte De Português, e por nenhum respeito O próprio Reino queira ver sujeito? 16 - "Como! Não seis vós inda os descendentes Daqueles, que debaixo da bandeira Do grande Henriques, feros e valentes, Vencestes esta gente tão guerreira? Quando tantas bandeiras, tantas gentes Puseram em fugida, de maneira Que sete ilustres Condes lhe trouxeram Presos, afora a presa que tiveram? 17 - "Com quem foram contino sopeados Estes, de quem o estais agora vós, Por Dinis e seu filho, sublimados, Senão co'os vossos fortes pais, e avôs? Pois se com seus descuidos, ou pecados, Fernando em tal fraqueza assim vos pôs, Torne-vos vossas forças o Rei novo: Se é certo que co'o Rei se muda o povo. 18 - "Rei tendes tal, que se o valor tiverdes Igual ao Rei que agora alevantastes, Desbaratareis tudo o que quiserdes, Quanto mais a quem já desbaratasses. E se com isto enfim vos não moverdes Do penetrante medo que tomastes, Atai as mãos a vosso vão receio, Que eu só resistirei ao jugo alheio. 19 - "Eu só com meus vassalos, e com esta (E dizendo isto arranca meia espada) Defenderei da força dura e infesta A terra nunca de outrem sojugada. Em virtude do Rei, da pátria mesta, Da lealdade já por vós negada, Vencerei (não só estes adversários) Mas quantos a meu Rei forem contrários."- 20 Bem como entre os mancebos recolhidos Em Canúsio, relíquias sós de Canas, Já para se entregar quase movidos A fortuna das forças Africanas, Cornélio moço os faz que, compelidos Da sua espada, jurem que as Romanas Armas não deixarão, enquanto a vida Os não deixar, ou nelas for perdida: 21 "Destarte a gente força e esforça Nuno, Que, com lhe ouvir as últimas razões, Removem o temor frio, importuno, Que gelados lhe tinha os corações. Nos animais cavalgam de Neptuno, Brandindo e volteando arremessões; Vão correndo e gritando a boca aberta: - "Viva o famoso Rei que nos liberta!"- 22 "Das gentes populares, uns aprovam A guerra com que a pátria se sustinha; Uns as armas alimpam e renovam, Que a ferrugem da paz gastadas tinha; Capacetes estofam, peitos provam, Arma-se cada um como convinha; Outros fazem vestidos de mil cores, Com letras e tenções de seus amores. 23 "Com toda esta lustrosa companhia Joane forte sai da fresca Abrantes, Abrantes, que também da fonte fria Do Tejo logra as águas abundantes. Os primeiros armígeros regia Quem para reger era os mui possantes Orientais exércitos, sem conto, Com que passava Xerxes o Helesponto.