EUGÉNIO
DE ANDRADE: (Beira-Baixa, Póvoa da Atalaia, 1923)
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Prémio
Camões 2001
Eugénio
de Andrade é um dos maiores poetas contemporâneos. Tem uma vasta
obra publicada em várias línguas: alemão, chinês, inglês, francês,
italiano, jugoslavo, espanhol e russo. Foi recentemente galardoado
com o Prémio
Camões.
Eugénio
de Andrade conta-nos a sua infância:
«Sou
filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da
Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante
só conheci o sol e a
água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio do
amor vigilante e sem fadiga de minha mãe, aprendi que poucas coisas
há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos
amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento
consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha
poesia é capaz. As minhas raízes mergulham desde a infância no
mundo mais elementar.»
«Certa
manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar.- Ó mãe, mãe...
– Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só a porta
fechada. – Ó mãe, mãe... – E a casa deserta. Pelas frinchas
largas da porta via a manhã lá fora. Era uma manhã de sol quente,
talvez de Julho, talvez de Agosto. Devia haver medas de palha na
eira em frente. Mas os meus olhos mal viam, estavam rasos de água e
de angústia. – Ó mãe, mãe... – E de repente, na manhã
clara, começaram a cair estrelas pequeninas, estrelas verdes,
vermelhas, estrelas de oiro. As lágrimas caíam-me pela cara.- Ó mãe,
mãe... – O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos,
vendo através da frinchas as estrelas caindo, umas atrás das
outras. – Ó mãe, mãe....»
Os Amantes sem Dinheiro (1950)
Poema à
Mãe
No
mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo
porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo
porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por
isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se
soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas
tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha
– queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda
aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda
ouço a tua voz:
Era
uma vez uma princesa
No
meio de um laranjal...
Mas
– tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não
me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa
noite. Eu vou com as aves.
Os Amantes sem Dinheiro
(1950)
Urgentemente
É
urgente o amor
É urgente um barco no mar.
É
urgente destruir certas palavras,
Ódio, solidão e crueldade,
Alguns lamentos,
Muitas espadas.
É
urgente inventar alegria.
Multiplicar os beijos, as searas,
É urgente descobrir rosas e rios
E manhãs claras.
Cai
o silêncio nos ombros e a luz
Impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
Permanecer.
Até Amanhã (1956)
Casa na Chuva
A
chuva, outra vez sobre as oliveiras.
Não sei por que voltou esta tarde
Se minha mãe já se foi embora,
Já não vem à varanda para a ver cair,
Já não levanta os olhos da costura
Para perguntar: Ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
A chuva sobre o teu rosto.
Escrita
da Terra
(1974)
Para
conhecer mais sobre este autor português, consulte o sítio da
Fundação
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