O MAR


Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!
António Ramos Rosa
Facilidade do Ar
Lisboa, Caminho, 1990

Nasceu em Faro, no Algarve, em 1924. Aí frequentou o liceu e iniciou a sua vida profissional, ligada à actividade comercial. Na década de 40 fixou-se em Lisboa, onde ainda hoje reside. Além de correspondente comercial, foi professor e tradutor. Aborvido intensamente pela actividade literária, acabou por se dedicar exclusivamente à escrita.
Além de colaborar em inúmeras publicações periódicas (começa por publicar os seus poemas em revistas como Seara Nova, Vértice e Cadernos de Poesia), o seu nome está ligado à vida de importantes revistas literárias fundadas na década de 50: Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia.
Entre outras distinções, António Ramos Rosa recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1989.

A obra de António Ramos Rosa conta com mais de cinquenta títulos.
Alguns destaques:

- Poesia -

O Grito Claro (1958)
Voz Inicial (1960)
A Construção do Corpo (1969)
Boca Incompleta (1977)
Círculo Aberto (1979)
O Livro da Ignorância (1988)
Intacta Ferida (1991)
A Imobilidade Fulminante (1998)
Deambulações Oblíquas (2001)
As Palavras (2001)

- Ensaio -

Poesia, Liberdade Livre (1962)
A Poesia e a Interrogação do Real I (1979)
A Poesia e a Interrogação do Real II (1980)
A Parede Azul (1991)


Para conhecer melhor o poeta e a sua escrita.
Ler alguns poemas de António Ramos Rosa.
Uma entrevista e um artigo sobre a poesia de António Ramos Rosa.


© Instituto Camões, 2002