Daniel Augusto da Silva (1814-1878)

Matemático e oficial da Marinha, nasceu em Lisboa a 16 de Maio de 1814. Estudou na Academia Real da Marinha e na Academia Real dos Guardas-Marinhas, concluindo os correspondentes cursos em 1832 e 1835, respectivamente.

Daniel da Silva concluiu depois o Bacharelato na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra em 1839. Entretanto, a Academia Real dos Guardas-Marinhas deu origem em 1845 à Escola Naval, enquanto a Academia Real da Marinha tinha sido integrada em 1837 na Escola Politécnica. Foi nomeado lente substituto da recém criada Escola Naval, ascendendo três anos depois a lente proprietário, cargo que desempenhou até se jubilar, em 1865. Nos finais de 1868 reformou-se de oficial de marinha, no posto de Capitão-de-Fragata.

Tornou-se sócio livre da Academia Real das Ciências de Lisboa em 19 de Fevereiro de 1851, sócio efectivo em 7 de Janeiro de 1852 e sócio de mérito em 20 de Janeiro de 1859.

Morreu em 6 de Outubro de 1878.

 

Actividade Científica

A primeira memória que elaborou tinha por título Da transformação e redução dos binários de fôrças. Esta memória trata da teoria dos binários que Daniel da Silva simplificou em muitos pontos, e em especial na parte relativa à decomposição dos binários noutros colocados em planos coordenados oblíquos, empregando para isso uma representação geométrica nova destes grupos de forças.

Em 27 de Fevereiro de 1850 Daniel da Silva apresentou à Academia das Ciências a Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de aplicação, um tratado que constituiu um novo capítulo na Mecânica Racional, a Astática, que viria a ter aplicações importantes em alguns problemas da Física. Nesta memória Daniel da Silva introduz na terminologia científica portuguesa o termo binário, que em francês se escrevia couple, e que tinha sido introduzido na Estática pelo francês Louis Poinsot (1777-1859). Mostra como variam os efeitos das forças aplicadas a um corpo quando estas forças giram à roda dos seus pontos de aplicação, conservando-se porém constantes os ângulos que fazem entre si, e determina as diversas circunstâncias que acompanham esta mudança de orientação das mesmas forças.

 

Em 1877 queixava-se Daniel da Silva de o seu trabalho ter sido internacionalmente ignorado, apesar de publicado nas Memórias da Academia. Afirmava, a propósito de uma memória apresentada por Jean Gaston Darboux (1842-1917) à Academia das Ciências de Paris, em que quase todas as suas proposições tinham sido apresentadas na memória de Daniel da Silva 25 anos antes: «Quase todas as proposições de Darboux estão publicadas há vinte e cinco anos nas Memórias da Academia, no meu trabalho sobre a rotação das forças em torno dos seus pontos de aplicação!...A minha Memória, que tem muitíssimas coisas, além do que lembrou Möbius, inclusivamente a correcção de um erro dele, com cuja rectificação muito se gloria Darboux, jaz ignorada, há quase vinte e cinco anos, nas bibliotecas de quase todas as Academias do mundo, O que aproveita escrever em português!» (cit. in Dionísio, 170).

 

Na sua terceira memória, Propriedades gerais e resolução das congruências binómias, apresentada à Academia em 1852, tratava de problemas da Teoria dos Números. Segundo Gomes Teixeira foi Daniel da Silva quem primeiro criou um método para resolver os sistemas de congruências lineares— honra que tem sido indevidamente atribuída ao aritmético inglês H. J. S. Smith (1826-1883), que só em 1861 se ocupou deste assunto — e foi também quem primeiro fez o estudo geral das congruências binómias.

Daniel da Silva apresentou nesta memória demonstrações novas das fórmulas dadas por Euler e Poinsot para determinar o número de números primos inferiores a um número dado, uma fórmula nova para determinar a soma daqueles números, uma generalização de um teorema célebre de Fermat e Euler, a demonstração directa de uma fórmula de Gauss, a que este geómetra chegou por um caminho indirecto, investigações sobre propriedades e cálculo de raízes modulares, entre outros aspectos interessantes.

 

Fez também alguns estudos no domínio da Física e Química, relacionados com as suas actividades lectivas na Escola Naval, onde entre outras matérias leccionava Artilharia teórica e prática. Um estudo seu sobre a velocidade de transmissão da chama do gás na parte azulada e na parte brilhante onde se acha o carbono em estado de incandescência mereceu do químico Heumann o reconhecimento da prioridade de Daniel da Silva sobre resultados que Heumann anunciara nos Annalen der Chemie de Leipzig. Nestes estudos sobre a chama, Daniel da Silva teve a colaboração de António Augusto Aguiar (1838-1887), professor da Escola Politécnica.

 

Daniel da Silva dedicou-se ainda a investigações demográficas e actuariais relacionadas com a estruturação financeira do funcionamento dos montepios. Neste domínio desenvolve um modelo de análise científica de um problema concreto do real, sua matematização e resolução.

“Admitindo, como hipótese de trabalho, a validade de quatro postulados – a que chama quesitos de normalidade (por exemplo, a constância da média das idades dos sócios) —, introduz uma grandeza essencial, que denomina valor médio da taxa de amortização; e obtém para o cálculo desta uma equação algébrica de grau n, quando n é o número de anos por que se estendem as observações (...); equação que depois ensina a resolver por aproximações sucessivas.” (Dionísio, p. 187)

 

Sobre Daniel da Silva escreveu Gomes Teixeira: “Alguns matemáticos empregam todos os seus esforços na exploração de novas regiões do Mundo dos números ou no estudo daquelas que outros anteriormente abriram. Está neste caso Daniel da Silva. Outros matemáticos procuram segurar logicamente domínios anteriormente explorados. Está neste caso Anastácio da Cunha. Outros vão principalmente buscar ao Mundo dos números os elementos de que carecem para estudar o Mundo físico. Está neste caso Monteiro da Rocha. Outros enfim contribuem com os seus trabalhos ao mesmo tempo para o progresso do estudo do Mundo físico e do Mundo dos números. Está neste caso Pedro Nunes. Daniel da Silva, poeta das Matemáticas, foi procurar nestas ciências o que têm de belo; Monteiro da Rocha, um realista, foi procurar nelas o que têm de útil, o espírito de Pedro Nunes, inspirado ao mesmo tempo pelas teorias da ciência grega e pelas necessidades das navegações portuguesas, foi aí procurar simultaneamente o belo e o útil.” (Gomes Teixeira, 1925)

Publicações

“Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de aplicação”, Memórias da Academia das Ciências, tomo III, parte I da 2ª série, 1851.

“Propriedades gerais e resolução directa das congruências binómias”, Memórias da Academia das Ciências, t. I, parte I das, nova série, classe I, 1854.

“Da transformação e redução dos binários”, Memórias da Academia das Ciências, t. III, parte II, 1856.

“Nota sobre alguns teoremas novos de Estática”, Jornal de Ciências Matemáticas...etc., nº 1, 1866, pp. 1-5.

“De várias fórmulas novas de Geometria analítica relativas aos eixos coordenados oblíquos”, Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, nova série, Tomo V, 1ª parte, 1875, pp. 1-20.

“Considerações e experiências àcerca da chama”, Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, T. IV, 1873, pp. 113-137.

“Amortização anual média das pensões nos principais montepios de sobrevivência portugueses”, Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, T. I, 1866, pp. 175-187.

“Contribuição para o estudo comparativo do movimento da população em Portugal”, Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, T. II, 1868, pp. 175-187.

 

Fernando Reis

Bibliografia

DIONÍSIO, José Joaquim, “No Centenário de Daniel Augusto da Silva”, Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciências, XXII, 1978/79, 167-188.

OLIVEIRA J. Silva, ”Daniel Augusto da Silva", Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, 2, 1979, 3-15.

TEIXEIRA, Francisco Gomes, ”Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva", in: Panegíricos e Conferências, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925, pp. 155-193.

TEIXEIRA, Francisco Gomes, História das Matemáticas em Portugal, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1934.


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