Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

José Marinho
(1904-1975)

José Marinho situa-se entre os discípulos de Leonardo Coimbra, empenhado no movimento de reabilitação da «filosofia portuguesa» numa linha profundamente crítica do racionalismo moderno bem como da nossa tradição escolástica e posteriormente positivista. Neste plano de consideração, a sua preocupação marcante foi a de encontrar um espaço para a singularidade da nossa cultura filosófica sem negar a aspiração universal e universalizante da filosofia.

Para Marinho, a humanidade pensa-se necessariamente em cada um dos humanos e daí a noção de uma universalidade singular e concreta, à luz da qual se tornaria possível equacionar o problema de uma filosofia nacional. Não havendo pensar radicado senão no homem situado, Marinho parte da constatação, na sua análise do pensamento português contemporâneo, de que, entre nós como na restante Europa, a razão se cinde quase sempre em formas contrapolares: uma razão «conceptual» ou ainda só «conceptiva», «que busca a compreensão e a possível harmonia dos diversos»; e uma «razão judiciosa», que encarnaria a grave responsabilidade de excluir como erróneo ou falso «o que ainda não é verdadeiro».

Esta separação conduziria ao distrofismo do pensamento português e daí não só a controvérsia que manteve com António Sérgio, mas sobretudo o elogio de Sampaio Bruno e de Leonardo Coimbra, por a seu ver se manterem fiéis ao que no pensar tende a superar aquela trágica dicotomia.

O que sobressai é a crítica ao exclusivismo de um modelo de racionalidade que aliena a responsabilidade de compreender o que lhe é aparentemente irredutível. Não há para Marinho um modelo de racionalidade que desde todo o sempre e para todo o sempre se fixasse no homem, determinando e impondo uma lógica perfeita e única, com regras de pensar que uma filosofia ou toda a filosofia nos obriguem a aceitar, para que possamos usufruir da dignidade humana. Não há por isso uma razão pura, na medida em que importa considerar aquele outro de toda a razão «que do mais fundo solicita o autêntico e real pensamento dos homens».

Por isso, fala-nos de uma «razão sublimada», chamando a atenção para as virtudes da anagogia -- nomeadamente no ensino da filosofia concebido como «iniciação» - que, rompendo com o formalismo, atende essencialmente ao mito, à poesia e ao simbolismo, na comum busca da autenticidade humana, que radicando implícita na tradição portuguesa, nomeadamente na nossa poesia e literatura, se trataria de tornar explícita, fundando uma nova tradição e possibilidade de autocompreensão.

Neste sentido, tal como fizera Álvaro Ribeiro, procura fundar uma singularidade da cultura filosófica portuguesa, identificada com o ciclo barroco, e por isso distante do racionalismo metafísico ou iluminista, com uma peculiar forma de expor o seu pensamento, propositadamente distinto da clareza do que chama, algo pejorativamente, «o método francês».

Do ponto de vista metafísico e ontológico, situa-se na continuidade da heterodoxia de Sampaio Bruno, superando o dogma cristão da criação pelo tema da misteriosa cisão, princípio lógico sem o qual se tornaria impossível inteligir a alteridade, e que desenvolve na sua mais importante obra, intitulada Teoria do Ser e da Verdade (1961). José Marinho funda ontologicamente todo o existente no que designa por «insubstancial substante», que pressupõe um fundo de enigma, supostamente continuando a nossa tradição cultural do «encoberto». Para Marinho, o enigma «não é dado para o interrogar fora, (mas) adere radicalmente ao ser que interroga» num quadro de descoberta e encobrimento, possibilitando e desenvolvendo a partir daí o tema da «visão unívoca», ou «ver sem distância».

Obras
O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Porto, 1945; Teoria do Ser e da verdade, Lisboa, 1961; Elementos para uma antropologia situada, Lisboa, 1966; Filosofia: ensino ou iniciação?, Lisboa, 1972; Verdade, condição e destino no pensamento português contemporâneo, Porto, 1976; Estudos sobre o pensamento português contemporâneo, Lisboa, 1981; Aforismos sobre o que mais importa, 3 volumes, Lisboa, 1995-98.

Bibliografia
Afonso Botelho e Orlando Vitorino, «Proposições para a leitura do pensamento de José Marinho», em Cultura Portuguesa, nº 1, Lisboa, 1981; Dalila Pereira da Costa «Filosofia e Mística. De Bruno a Marinho», em Democracia e Liberdade, nº 42-43, 1987; Pinharanda Gomes, Teodiceia Portuguesa Contemporânea, Lisboa, 1975; Miguel Spinelli, «A teoria de José Marinho sobre o ser e a verdade», em Revista Portuguesa de Filosofia, , t. XLI, fasc. 2-3, Braga, 1985; António Telmo, «O pensamento iniciático de José Marinho», em Cultura Portuguesa, nº 1, Lisboa, 1981; id., «A teoria instante de José Marinho», em Leonardo, nº 1, Março, 1988.

Pedro Calafate


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