Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Manuel Álvares

Oratoriano e professor de Filosofia na cidade do Porto, Manuel Álvares foi autor de duas obras relevantes para o nosso período das Luzes: as Instruções sobre a Lógica ou diálogos sobre a filosofia racional (1760), e a História da Criação do mundo conforme as ideias de Moizes e dos Fil~ósofos (1762).

A primeira versa sobre os temas da lógica, de acordo com a estrutura adoptada desde a Lógica de Port-Royal, analisando a teoria das ideias, o juízo, o raciocínio e o método. Trata-se de um texto elaborado com fins didácticos sob forte influência do sensismo de Locke, revestindo-se igualmente de importância no estudo do conceito de método, onde não escondeu a sua permeabilidade ao geometrismo da época. Para o Oratoriano, a lógica tem por finalidade o estudo das «nossas ideias, dos nossos juizos e discursos, do método que devemos seguir quando aprendemos qualquer ciência e, enfim da direcção das operações da nossa mente».

Já a segunda das obras referidas assume o maior interesse no âmbito das relações entre a ciência e a metafísica. De facto, em crítica a Isaac Newton, afirma a necessidade de excluir, na medida do possível, o recurso à Primeira Causa do âmbito da ciência física, levando até ao seu máximo limite a possibilidade de explicação da natureza que nos é conferida pelas causas segundas: «É certo que a grande máquina do mundo foi criada no princípio do tempo pela imensa e incompreensível sabedoria do Altíssimo: assim o testificam as Escrituras, as autoridades do PP, os concílios e a razão natural. Esta certeza, porém, não tira a obrigação que tem o filósofo de dar a razão das coisas, enquanto lhe for possível, sem que recorra à Primeira Causa».

O sentido das suas palavras aponta para um afastamento de Deus da nossa compreensão da natureza. Para Álvares, Deus não criou imediatamente, como queria Newton, tudo o que contemplamos na natureza. A terra, as estrelas, os planetas, os cometas devem a sua origam não ao cálculo preciso elaborado por um Deus geómetra, mas sim à «acção de leis gerais da natureza».

Inspirado no texto do Genesis, onde se lê que no início era o caos, daí retira a conclusão, embora a refira como hipotética, de que o que Deus criou de forma imediata foi esse caos inicial, identificado com a matéria, à qual comunicou as propriedades de gravidade ou atracção, bem como o movimento de rotação. A partir daqui sustenta nestes termos o relato da origem do mundo: «Agitada toda aquela massa primitiva com o rapidíssimo movimento de rotação, logo as suas partes deveriam adquirir uma grande força centrífuga. Assim como a pedra despede da roda impelida pela força centrífuga, não podemos dizer nós que o mesmo sucedeu às estrelas fixas, aos cometas, aos planetas, e à nossa terra? Não podemos afirmar que todos estes grandes corpos se originaram da impetuosa torrente de matéria que devia sair do primitivo caos, obrigada pela força centrífuga que teriam as partes do mesmo caos?».

Esta explicação parece-lhe mais verosímil e mais acordada com o espírito da ciência moderna que a de Newton, «pois descobre com mais naturalidade a origem das forças centrípetas e centrífugas donde depende toda a harmonia do universo». No entanto, Álvares esquece que Newton também tinha aventado essa hipótese na sua primeira carta a Bentley, acabando por recusá-la, pois apenas a poderia considerar válida se o espaço fosse finito.

Em todo o caso, o que nos importa pôr em relevo é o facto de Álvares atribuir a formação do universo à acção de forças mecânicas, cuja explicação entra no domínio da ciência física, aventando a mesma hipótese para explicar o movimento dos planetas em redor do Sol: «Mas que causa mecânica se descobre entre os limites da natureza, donde se possa derivar semelhante efeito? Eu não acho alguma mais natural que a que deixo assinada, isto é, o movimento de rotação do caos, o qual, como tinha direcção determinada, a mesma devia comunicar aos astros. Dizer com Cartésio, que todos os corpos celestes são impelidos pelas forças dos vórtices em que estão colocados, é assinar uma causa inteiramente arbitrária; afirmar, como Newton, que Deus foi o que comunicou imediatamente aos astros as forças de seus movimentos e o que lhes deu as direcções, é fugir à dificuldade e recorrer à primeira causa para dar razão daqueles efeitos, cuja origem se pode ainda descobrir nas causas segundas».

Independentemente do valor científico das suas hipóteses, a sua preocupação é a de explorar ao máximo as possibilidades da explicação científica, estendendo-a também à própria constituição particular da terra, onde inclui o relevo, os oceanos e os cursos de água, abrindo assim os horizontes da história natural. A essa luz, o espectáculo da natureza não se afirma como um signo dos atributos de Deus, mas como o resultado de movimentos violentos, nos quais o acaso teve também o seu papel específico, concluindo que a configuração particular da terra foi o resultado não da acção imediata de Deus, mas das leis gerais do movimento comunicadas por Deus ao caos inicial, cujo resultado minuciosamente explica.

Igualmente interessantes são as suas considerações sobre o tema candente da idade da Terra, onde se confronta com o grande debate europeu que sobre esta questão então se travou.

Obras
Instruções sobre a lógica ou diálogos sobre a filosofia racional, escritos por Manoel Álvares da Congregação do Oratório do Porto, Porto, 1760; História da Criação do Mundo conforme as ideias de Moizes e dos Filósofos, Porto, 1762.

Bibliografia
Sendo a obra deste autor praticamente desconhecida apenas temos conhecimento da nossa análise: Pedro Calafate, A ideia de natureza no século XVIII em Portugal, Lisboa, 1992, pp. 96-101.

Pedro Calafate


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