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Retrato e assinatura de Júlio Moreira [Estudos da língua portuguesa, 2, Lisboa, Clássica, 1913, antes da p. III]
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Tão precoce foi a sua carreira no ensino, que aí pode começar esta notícia. Júlio Moreira leccionou desde 1871, mais em colégios do que em liceus do estado, latim, grego, alemão, inglês, francês, mas também Literatura portuguesa, História e Filosofia. Cinco anos depois desse debute, quando teria apenas 23 anos, é que lhe calhou ter como discípulo José Leite de Vasconcelos, como este conta na "Prefação" ao 2.º volume, póstumo, dos Estudos da língua portuguesa de Moreira: "conservo ainda presente a lembrança da acção que em mim, que chegava da aldeia, sequioso de aprender, exerceu o meu professor, de óculos escuros e farta cabeleira arredondada, dando-me as suas lições, com palavra pouco facil, é certo, mas cheia de ensinamentos" (pp. V-XX, VI). "Dum desejo insaciavel de saber, [...] deu-se Julio Moreira tambem ao estudo dos idiomas semiticos, em especial o arabe, em que chegou a obter segura competencia" (José Joaquim Nunes, necrológio de "Julio Moreira", Revista Lusitana, 14, 1911, p. 323). E, lembra Leite, não só publicou uns Elementos de desenho geométrico, como sabia de vinicultura e de música teórica; enfim, "a actividade literária que desenvolveu foi grande e proveitosa, e [...] em meio das agitações da vida prática, dos cuidados da família, a quem era dedicadíssimo, da política, que em alguns momentos o absorveu (Moreira militava, por convicção, no partido republicano), das doenças, que longamente o afligiram, ele jamais deixou de olhar com firmeza para o Templo eterno / Que a Sapiencia levantou no Olympo" (pp. XII-XIII).
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Capa do segundo volume de Estudos
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A bibliografia de Júlio Moreira pode repartir-se por (1) compêndios escolares (latim e inglês) e (2) artigos de linguística, normalmente pequenos, publicados em periódicos. Nestes artigos alia o estilo chão do publicista à originalidade dos temas (por exemplo, a explicação de palavras "teratológicas"). (1) Obras escolares de latim: edições anotadas de Júlio César (De bello Gallico, 1876), Cornélio Nepos (1883), Virgílio (1896); de inglês: Grammatica da lingua ingleza (Porto, Livraria Universal, 1880). Estes livros didácticos acompanham a renovação trazida à didáctica por Epifânio (na sua tradução da Gramática de Madvig, no que respeita ao latim, e na metodologia da descrição gramatical usada nos compêndios para Português). (2) Nos dois volumes dos Estudos da língua portuguesa (Lisboa, Clássica, 1907 e 1913) se encontra boa parte do que foi escrevendo para periódicos e revistas de especialidade. O primeiro volume trata de sintaxe histórica e popular: "o autor compendiou grande serie de locuções, frases e modos de dizer extraidos da língua arcaica e principalmente da linguagem popular, acompanhando-os da respectiva explicação e interpretação" (recenseia Álvaro de Azevedo na Revista Lusitana, 11, 1908, p. 354).
Focar-se em tais matérias já constitui uma das inovações da obra de Moreira; como o próprio conhece: "Ao passo que o estudo da fonologia e morfologia da linguagem popular tem tido nestes últimos anos extraordinário incremento, devido aos esforços incansaveis de varios filólogos, sobre investigações sintácticas havia apenas ligeiras notas" (na "Prefação" ao 2.º volume, p. XVIII). A segunda parte dos Estudos foi coligida já por Leite de Vasconcelos; contém, além da continuação dos subsídios de sintaxe histórica e popular, "diversas questões de linguagem" (entre as quais etimologias avulsas, um estudo sobre a linguagem de Camilo, dois artigos de camoniana).