Adelina Abranches

(Lisboa, 15-08-1866 – Lisboa, 21-11-1945)

Margarida Adelina Abranches foi uma atriz portuguesa, aclamada pela crítica e acarinhada pelo público, que iniciou a sua carreira teatral ainda na infância, estreando-se como figurante num espetáculo do Teatro Nacional D. Maria II, a 10 de janeiro de 1872: Os meninos grandes.

  Adelina Abranches, s.d. [Álbum Teatral, vol. III, 1917]
  Adelina Abranches, s.d. [Álbum Teatral, vol. III, 1917]

Trabalhou, depois, numa série de teatros da capital, por vezes em simultâneo, representando frequentemente papéis masculinos infantis devido a um certo jeito arrapazado. Atriz de escolaridade reduzida, devido à sua condição social familiar e à intensa atividade teatral precoce, frequentou, contudo, o Conservatório entre 1876 e 1878. Desde cedo, fez várias digressões por Portugal – continental e arquipélagos – e pelo Brasil. Firmou a sua carreira no Teatro do Príncipe Real, onde trabalhou durante vários anos, tendo posteriormente integrado a Companhia Rosas & Brazão (1877), o elenco do Teatro Livre (1904) e do Teatro da Natureza (1911), bem como a Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro. Foi empresária teatral da Companhia Adelina Abranches e da Companhia Adelina – Aura Abranches, esta última em sociedade com a sua filha. Contraiu matrimónio com o empresário Luís Ruas, com quem teve dois filhos, ambos atores – Aura Abranches e Alfredo Ruas – mas divorciou-se em 1902.

Adelina Abranches nasceu e cresceu em Lisboa, entre oito irmãos, ao encargo de sua mãe, que, apesar de muito se esforçar, não conseguia suprir todas as necessidades financeiras da família. Foram estas dificuldades que levaram os seus irmãos mais velhos a ir trabalhar bem cedo e a sua mãe a aceitar a proposta de um vizinho – porteiro da caixa do D. Maria – que recrutava crianças para figurantes de um espetáculo no Teatro Nacional, pagando “seis vinténs por cabeça” (ABRANCHES 1947: 20). Adelina, com cinco anos, pisou pela primeira vez um palco no Teatro Nacional D. Maria II, em Os meninos grandes de Enrique Gaspar, representando um pequeno papel de espanhola. Foi assim que uma das mais marcantes atrizes do teatro português descobriu a sua vocação, dando início a uma atividade que exerceu, com reconhecida versatilidade e dedicação, durante cerca de sete décadas, junto dos maiores vultos do tablado nacional.

Aos doze anos, Adelina já tinha trabalhado na grande maioria dos teatros da capital, como o Teatro Nacional D. Maria II, o Teatro do Príncipe Real, o Variedades, o Teatro do Rato, o Teatro D. Fernando e o Teatro da Rua dos Condes, mas aqui foi despedida por gostar muito de improvisar em palco (ABRANCHES 1947: 40-43). Contudo, foi no Teatro Luís de Camões, em Belém, que assinou o seu primeiro contrato mensal e representou o seu primeiro papel de protagonista, na mágica A princesa flor de seda. Durante esta época fez principalmente papéis masculinos, que cumpria facilmente, devido às suas características físicas, entre as quais Joaquim Madureira recorda “uma voz detestável e uma figura liliputiana” (MADUREIRA 1905: 239). A representação de papéis masculinos acompanhou-a durante toda a sua vida, tendo feito já como adulta vários papéis do género, do qual o mais memorável foi a sua prestação em O gaiato de Lisboa, primeiro em 1882 e numa reposição em 1906. Foi também com um papel masculino que se estreou no Teatro D. Amélia, em 1902, na companhia Rosas & Brazão, após ter cessado o seu contrato com o Teatro do Príncipe Real, quando se divorciou de Luís Ruas. Do casamento com o filho do empresário Francisco Ruas nasceram duas crianças que cresceram no meio teatral e nele fizeram carreira: Aura Abranches e Alfredo Ruas, que por várias vezes acompanharam a mãe em digressões pela província e pelo Brasil.

Registou os seus primeiros êxitos em 1882, no Teatro do Rato, com os espetáculos Maria da Fonte – onde representou o “Fagulha” – e O tipógrafo (mais conhecido como O gaiato de Lisboa), uma adaptação de Le Gamin de Paris, de Bayard, feita por Alcântara Chaves, que A.A. protagonizou. Este espetáculo foi representado no âmbito da primeira festa em seu benefício (ABRANCHES 1947: 62). Na temporada seguinte Adelina foi contratada para integrar o elenco do Teatro do Príncipe Real, onde conheceu Luís Ruas, com quem viria a casar, e onde até 1902 “se afirmou, entre melodramas de velho estilo e revistas do ano, como uma das mais notáveis e sensíveis intérpretes do teatro naturalista” (REBELLO 1970: 15). Aí representou alguns dos papéis mais populares da sua carreira artística entre os quais se destacam as suas prestações em Pérola, de Marcelino Mesquita, em 1885, e a Rosa enjeitada, de D. João da Câmara, em 1901.

No ano seguinte, após participar na revista de sucesso À procura do badalo, Adelina Abranches mudou-se para o Teatro D. Amélia, onde se estreou em As proezas de Richelieu, de Bayard e Dumanoir, e Uma anedota, “episódio dramático em um acto que Marcelino Mesquita expressamente escreveu para ela” (ibidem). No Teatro D. Amélia, Adelina brilhou em Ressurreição, espetáculo baseado no romance de Tolstoi, em 1903, interpretação que lhe valeu elogios de Joaquim Madureira (MADUREIRA 1905: 239-240), bem como em A cruz da esmola, de Eduardo Schwalbach, levada à cena no mesmo ano, e em O avô, de Pérez Galdós, em 1905. Nesse mesmo ano foi convidada a integrar a segunda temporada do Teatro Livre, em papéis principais, como em Missa nova de Bento de Faria. Após esta temporada, Adelina entrou para a sociedade artística do Teatro Nacional D. Maria II, onde se manteve até 1910 com êxitos como Afonso de Albuquerque, de Lopes de Mendonça (1906). Esteve, também, envolvida no projeto Teatro da Natureza, que, por motivos financeiros, foi extinto no mesmo ano da sua criação, em 1911. Durante as décadas de 1910 e 1920 Adelina Abranches envolveu-se, como empresária e atriz, em vários projetos levados a cabo em conjunto com sua filha Aura Abranches e Alexandre de Azevedo, fundando as companhias Adelina Abranches e Adelina – Aura Abranches.

Na temporada de 1911-1912, Adelina regressou ao Teatro D. Amélia, entretanto nomeado Teatro República, o que entristeceu bastante a atriz, que era uma monárquica convicta. Aí representou Gil Vicente, pela primeira vez na sua carreira, destacando-se como “Brísida Vaz” no Auto da barca do Inferno. No fim da temporada do D. Amélia, Adelina, juntamente com a sua filha Aura e com Alexandre de Azevedo, rumou ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto, para apresentar uma série de espetáculos de grand-guignol o que a levou, posteriormente, ao Brasil, numa digressão de um ano, entre 1913 e 1914. Foram, de resto, muitas as digressões que fez, entre 1886 e 1934, não só por Portugal, mas também pelo Brasil. Após o seu regresso a Portugal, em 1914, passou pelo Teatro Politeama, pelo Avenida e pelo Apolo (antigo Príncipe Real), antes de regressar ao Teatro Nacional para representar, entre outras peças, A mãe, de Russiñol, que constituiu um dos maiores sucessos da sua carreira. O êxito que se seguiu foi a sua criação da protagonista de O lodo, de Alfredo Cortez, no Teatro Politeama, em 1923. De nota é, também, a sua colaboração com a companhia organizada por Alves da Cunha, na temporada de 1926-27, para o Teatro Nacional, em que sob a direção de Araújo Pereira representou O Gebo e a sombra de Raúl Brandão. Trabalhou ainda com a companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1932-33, 1935-37 e 1940-41), concessionária do Teatro Nacional. Participou, na década de 1930, em elencos de filmes de Leitão de Barros e Chianca de Garcia.

A própria Adelina, nas suas memórias, reconhece o seu temperamento fogoso, caracterizando-se como uma pessoa impulsiva e até um tanto violenta. Mulher independente e de pulso firme, Adelina apresentou-se sempre despreocupada em relação às convenções sociais da sua época – principalmente as reservadas ao sexo feminino –, não se inserindo nos moldes tradicionais de então, reconhecendo não possuir “aquela dose de paciência que faz da mulher portuguesa o anjo do lar…” (ABRANCHES 1947: 112). Atriz versátil – representou todos os géneros, da comédia ao drama, passando pelo teatro de revista e pela farsa –, Adelina era frequentemente aclamada pela crítica. Nem Joaquim Madureira, nas suas observações implacáveis, lhe reservou críticas negativas, louvando-lhe frequentemente – embora à sua maneira – as suas capacidades de artista.

 

Bibliografia

ABRANCHES, Aura (1947). Memórias de Adelina Abranches apresentadas por Aura Abranches. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade.

BASTOS, António de Sousa (1898). Carteira do Artista. Lisboa : Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português [Uma edição fac-similada do original saiu em 1994 em Coimbra, pela Minerva]. Lisboa : Imprensa Libânio da Silva

BASTOS, Gloria et. al. (2004). O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República. Lisboa: IPM.

BRAZÃO, Eduardo (1925). Memórias de Eduardo Brazão que seu filho compilou. Lisboa: Empresa da Revista de Teatro.

CABRAL, Pedro (1924). Relembrando… Lisboa: Livraria Popular.

FERREIRA, Raquel (1943). Da Farsa à Tragédia. Porto: Domingos Barreira Editor.

JACQUES, Mário (2001). Os Actores na Toponímia de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

MADUREIRA, Joaquim (1905). Impressões de Theatro: Cartas a um Provinciano e Notas Sobre o Joelho. Lisboa: Ferreira & Oliveira.

MARTINHO, Manuel (1945). “Adelina vai representar A Bela Aventureira, para dizer adeus ao público, que durante mais de sessenta anos a acarinhou” in Século Ilustrado, 31-03-1945.

NORONHA, Eduardo de (1927). Reminiscências do Tablado. Lisboa: Livraria Editora Guimarães.

PINHEIRO, António (1929). Contos largos... (impressões da vida de teatro) – 1900-1925. Lisboa: Tip. Costa Sanches / Sucessores Galhardo & Costa.

REBELLO, Luiz Francisco (1970). Dicionário do teatro português, vol. I. Lisboa: Prelo Editora.

___ (1984). História do teatro de revista em Portugal, vol. I: Da Regeneração à República. Lisboa: Dom Quixote.

___ (1985). História do teatro de revista em Portugal, vol. II: Da República até hoje. Lisboa: Dom Quixote.

VICTOR, Jaime (1902). “Theatros” in Brasil-Portugal, nº 92, 16-11-1902, pp. 702-703. 

 

Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=13496

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/


Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro