Amélia Rey Colaço

(Lisboa, 02-03-1898 – Lisboa, 08-07-1990)

Amélia Lafourcade Schmidt Rey Colaço de Robles Monteiro foi uma das principais atrizes portuguesas da primeira metade do século XX, com uma longa carreira teatral que iniciou em 1917 e se prolongou até 1985.

  Amélia Rey Colaço, pouco após a morte do seu marido, Foto Brasil/Silva Nogueira, 1959 [MNT].
  Amélia Rey Colaço, pouco após a morte do seu marido, Foto Brasil/Silva Nogueira, 1959 [MNT].

Discípula de Augusto Rosa, estreou-se no Teatro República (fora Teatro D. Amélia antes da implantação da República, e é hoje Teatro São Luiz) com 19 anos, em Marianela, logo despertando o interesse da crítica e do público. Destacou-se em peças como Zilda (1921), de Alfredo Cortez, A Castro (1934), de António Ferreira, Electra e os fantasmas (1943), de Eugene O’Neill, A visita da velha senhora (1960), de Dürrenmatt. Criou com o seu marido, o também ator Robles Monteiro, a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, cuja longevidade – 53 anos, 35 dos quais à frente do Teatro Nacional – se mantém, até hoje, inigualável. Além da interpretação, destacou-se pelo requinte e bom gosto que aplicou à conceção plástica de grande parte dos seus espetáculos. Responsável pela gestão administrativa da companhia após a morte de Robles Monteiro, dirigiu este grupo até à sua extinção, em 1974. Todavia, o seu interesse pelo teatro não esmoreceu, colaborando com alguns projetos nos anos seguintes, até à sua morte, aos 92 anos.

Amélia Rey Colaço nasceu em Lisboa em 1898, a mais nova das quatro filhas de Alice Lafourcade Schmidt e de Alexandre Rey Colaço, pianista e figura de renome no meio artístico. Cresceu num ambiente economicamente confortável e culturalmente rico, em contacto com uma elite intelectual e artística. Em dezembro de 1911 foi com a irmã Maria para Berlim, para casa da avó materna, com o objetivo de estudarem música. Também aqui encontrou um ambiente cultural estimulante, nas constantes tertúlias em casa da sua avó, Madame Kirsinger, frequentadas por vários artistas da capital alemã. Foram os espetáculos de Max Reinhardt com o Deutsches Theater, que seguiu atentamente nas suas estadias em Berlim, que atraíram Amélia para a carreira de atriz.

A grande amizade entre o pai de Amélia e Augusto Rosa (ator, cofundador da Companhia Rosas & Brazão) determinou que fosse este a iniciar Amélia na arte teatral, com lições particulares de exigente disciplina. Paralelamente, era frequente a participação das irmãs Rey Colaço em récitas de caridade ou particulares – foi notória a sua ida a Madrid em 1915, onde recitaram para D. Afonso XIII e corte – o que familiarizou a jovem com a presença em público. Na sua formação foram essenciais, além dos ensinamentos de Augusto Rosa, os conselhos e acompanhamento de outras figuras que de certo modo apadrinharam Amélia, como é o caso de Afonso Lopes Vieira, com quem a atriz frequentemente discutia o seu trabalho. Todo este contexto ajudou Amélia a desenvolver um estilo próprio de representação, diferente do academismo romântico em que Rosa se havia formado.

Seguindo a recomendação de Rosa, o Visconde de São Luiz Braga proporcionou a estreia de Amélia no Teatro República (atual São Luiz), a 17 de novembro de 1917. A peça escolhida foi Marianela, adaptação dos Irmãos Quintero da peça de Pérez Galdós – decisão do pai da atriz, por ser uma personagem que realmente testaria as suas capacidades, sem “plumas ou enfeites para disfarçar qualquer gaucherie. [...] uma rapariguinha do povo, descalça, esfarrapada, [...] mas de alma grande” (apud SANTOS 1989b: 26). A estreia de Amélia, largamente divulgada pela imprensa, foi recebida com entusiasmo pela maioria dos críticos. Nóbrega Quintal elogiou o “jogo fisionómico perfeito, uma voz cantante cheia de ritmo que acaricia, um cuidado meticuloso na composição exterior da personagem, uma interpretação verdadeira, escrupulosa, perfeita”, e jornais como o Diário de Notícias, O Século e O Mundo anunciaram o início de uma carreira brilhante, de enorme valor para o teatro português (apud BARROS 2009: 43). Amélia ficou no São Luiz até 1919, recusando convites para integrar companhias espanholas (a de Martinez Sierra, por exemplo) e só saindo para se juntar à Companhia de Lucinda Simões, no Teatro do Ginásio, que, de resto, abandonou em abril de 1920, porque fora entretanto contratada para a época estival do Teatro Nacional. Acabou por ficar como societária deste teatro na época de 1920-21.

Através de Augusto Rosa, Amélia conheceu Robles Monteiro, ator e também discípulo daquele, e com ele casou em dezembro de 1920. Ambos societários do Nacional durante essa época, depressa sentiram as pressões e guerras de vaidades que floresciam no ambiente pouco disciplinado daquele teatro, e que pioraram bastante com a apresentação de Zilda, de Alfredo Cortez, em março de 1921. A peça, polémica a vários títulos, foi bem recebida pela crítica e pelo público, mas não tardou a ser retirada de cena com o rótulo de “moralmente condenável”. O próprio autor reconheceu também a excelência do trabalho da atriz escrevendo no jornal Restauração: “Pela sua alta intuição artística, consciencioso estudo e gentilíssimos predicados de senhora intelectual e aristocrata, mais do que todos concorreu para o triunfo de Zilda” (apud BARROS 2009: 57). Pouco tempo depois, o casal abandonou o Nacional para fundar a sua própria companhia.

A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro foi um projeto que acabou por definir a vida profissional – e também pessoal – de Amélia, desde os seus 23 anos. Zilda foi a peça escolhida para a estreia da companhia, a 18 de junho de 1921, no Teatro de S. Carlos. Robles encarregou-se do trabalho administrativo e de gestão do grupo, mas a interpretação foi progressivamente dando lugar ao trabalho de ensaiador. Amélia, por seu lado, aplicou o seu bom gosto à conceção plástica dos espetáculos, criando cenários e figurinos com um requinte que se tornou famoso e amplamente elogiado. Foi responsável, também, pela escolha do repertório e pela distribuição e, embora protagonizando a maioria dos espetáculos, ficou conhecida por fomentar o surgimento de novos talentos (como é o caso de Eunice Muñoz, Maria Lalande, Raul de Carvalho) e por convidar grandes nomes da cena teatral para representar com a companhia (como Palmira Bastos, Emília de Oliveira, Lucília Simões, Samwell Diniz).

Como atriz, foi aplaudida nos mais variados géneros e papéis, que trabalhava, segundo a própria, em absoluto silêncio em sua casa: primeiro o estudo psicológico, de seguida as falas, e depois uma vivência constante com a personagem, pensando em todos os pormenores desde a voz ao calçado – como a sua personagem em O lodo (1923), de Alfredo Cortez, para a qual estudou as posturas e gestos de prostitutas, e com a qual escandalizou o público. E conseguiu acompanhar, com maior ou menor sucesso, a evolução do panorama teatral português que teve lugar durante os seus muitos anos de atividade, procurando com igual entusiasmo os autores clássicos e as novidades da época. Foi da sua responsabilidade a construção do repertório da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, tarefa particularmente delicada durante a sua exploração do Teatro Nacional. O contrato era exigente quanto às obrigações culturais e educativas daquele teatro, mas os apoios eram parcos. A par dos clássicos portugueses e estrangeiros (que a companhia deu a conhecer ao público português por todo o país, em tournées que incluíam a província e as ilhas), Amélia procurou apresentar também autores modernos, que considerava essenciais para a arte teatral – os estrangeiros, que eram já conhecidos por toda a Europa mas continuavam fora da cena portuguesa (O’Neill, Shaw, Pirandello, Anouilh, Ionesco, Miller, Lorca, Dürrenmatt, entre muitos outros), e os portugueses, que precisavam de ser estimulados para o enriquecimento da dramaturgia nacional (como Ramada Curto, Costa Ferreira, Santareno, Selvagem, Rebello). Esta tarefa foi em muito dificultada pela censura, que constantemente impedia projetos e interrompia apresentações. O repertório da companhia deveu-se quase totalmente à persistência e à grande capacidade diplomática de Amélia, que, ainda assim, apesar de grande vontade e inúmeras tentativas, nunca chegou a levar à cena Sttau Monteiro e Brecht.

A morte de Robles Monteiro em 1958 foi um golpe duríssimo para Amélia tanto a nível pessoal como profissional. Assumiu as responsabilidades de gestão administrativa até aí desempenhadas pelo marido e passou a partilhar a direção da companhia com a filha de ambos, Mariana (Rey Monteiro, também atriz, que se estreou junto dos pais em Antígona, em 1946). O trabalho como atriz passou para segundo plano e as dificuldades económicas, que de tempos a tempos se faziam sentir por causa das complicadas condições de exploração do Nacional (sempre renovada à companhia), exigiram um grande poder de negociação, que, todavia, não evitou, nas piores fases, vários pedidos de ajuda ao governo. A situação da companhia ficou dramaticamente comprometida com o incêndio no Teatro Nacional, a 2 de dezembro de 1964, na medida em que, juntamente com o edifício, desapareceu todo o espólio da companhia, incluindo cenários, figurinos e adereços acumulados ao longo de 43 anos de atividade. Menos de duas semanas depois, a 15 de dezembro, Amélia e a companhia apresentaram Macbeth (o espetáculo em cena aquando do incêndio) no Coliseu dos Recreios, como prova da sua determinação em não desistir. No entanto, Amélia ainda teve que ultrapassar, em dezembro de 1967, outro incêndio no Teatro Avenida, onde a companhia estava instalada desde a sua saída do Nacional. Sem esmorecer, levou a companhia para o Capitólio (1968-70) e de seguida para o Trindade, que partilhou com uma companhia de opereta, apresentando apenas dois ou três espetáculos por temporada. Com a revolução de abril de 1974, com um panorama teatral mudado e crescentes dificuldades financeiras, Amélia encerrou a atividade da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.

O seu interesse pelo teatro manteve-se vivo e voltou a pisar os palcos em 1985 no espetáculo El-Rei Sebastião, de José Régio, encenado por Carlos César. Fez também uma incursão pela televisão, na série da RTP Gente fina é outra coisa, experiência que muito a desiludiu. A sua paixão pelo teatro voltou a refletir-se, no final da sua vida, no apoio que deu à concretização do projeto do Museu Nacional do Teatro.

 

Bibliografia

BARROS, Júlia Leitão de (2009). Fotobiografias século XX: Amélia Rey Colaço. Lisboa: Círculo de Leitores.

COLAÇO, Amélia Rey (1967). “Recordação de Pirandello” in Estudos Italianos em Portugal, nº28 (separata). Lisboa: Instituto Italiano de Cultura.

MARQUES, Paulo (2008). Amélia Rey Colaço: a Imperadora (1898-1990). Lisboa: Parceria A. M. Pereira Livraria Editora/Público.

REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.

___ (2010). Três espelhos: uma visão panorâmica do teatro português do Liberalismo à Ditadura (1820-1926). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO, Empresa (1949). Vinte anos no Teatro Nacional Dona Maria II (1929-1949). Lisboa: Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro.

___ (1965). Regulamento dos ensaios e espectáculos. Lisboa: Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro.

SANTOS, Vítor Pavão dos (1989a). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974) [exposição imaginada e organizada por Vítor Pavão dos Santos]. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura/Museu Nacional do Teatro.

___ (1989b). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974): Correspondência [selecção e notas de Vítor Pavão dos Santos]. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura/Museu Nacional do Teatro.

SENA, Jorge de (1988). Do teatro em Portugal. Lisboa: Edições 70.

 

Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=7684

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro