Joaquim Madureira (Braz Burity)

(Lisboa, 03-02-1874 – Porto, 19-09-1954)

Joaquim Madureira Nunes Borges de Carvalho cursou Direito em Coimbra, mas desde sempre relegou o exercício da jurisprudência para um plano secundário, tomando a escrita muito mais a peito e usando-a como arma de intervenção na vida cultural e política do país.

  Joaquim Madureira
  Joaquim Madureira, c.1934 [espólio da família]

Tendo adotado o pseudónimo de Braz Burity, dedicou-se, com brilho e combatividade, ao jornalismo e à crítica artística e teatral, encaixando ainda na categoria, muito da sua época, de polemista e panfletista.

A sua longa atividade jornalística teve início em maio de 1895, no Resistência, bi-semanário do Partido Republicano Português coimbrão, e prolongou-se por mais de quatro décadas, tendo passado por alguns dos mais conceituados periódicos de então, como O MundoO PaizA LutaO Povo de AveiroO IntransigenteO Jornal e, finalmente, O Diabo, última publicação relevante em que colaborou (e dirigiu), tendo-se demitido por doença em 1937.

Embora o seu primeiro artigo de opinião tenha sido sobre teatro, paixão assumida desde então, foi no jornal republicano O Mundo que se afirmou como crítico teatral, com a coluna Impressões de Teatro, cujas crónicas, cobrindo a temporada lisboeta de 1903-1904, seriam posteriormente coligidas e publicadas num volume com título idêntico em 1905.

Desgostoso com o baixo nível de muitos dos fazedores de teatro de então – o mesmo se podendo dizer da crítica e, naturalmente, do público – teve como superior objetivo dignificar o teatro e a crítica e educar o gosto nacional. Assim se mostrava implacável face à mediocridade, à fraude, ao facilitismo, ao arranjismo e à tacanhez, exultando de entusiasmo, no entanto, perante espetáculos coesos e desempenhos talentosos, inteligentes e profissionais.

Assentava a sua crítica numa vasta cultura geral e teatral, analisando o espetáculo no seu todo, incluindo questões teóricas e históricas, não se circunscrevendo aos textos e aos seus autores – assim se diferenciando da crítica coeva e abrindo caminho à atual crítica teatral.

Orgulhosamente independente e firme nas suas opiniões, elegeu a verdade doa-a-quem-doer como superior lema de vida e como o primeiro dos preceitos que considerava deverem presidir a uma crítica válida e justa – princípio de que nunca abdicaria, mesmo reconhecendo amargamente (mas de consciência tranquila) que os inimigos à sua volta se iam multiplicando.

No teatro e nas artes em geral, esta sua militância pela verdade levou-o ainda a proclamar a supremacia da estética naturalista inspirada nas ideias de Zola, que, rompendo com a fórmula declamatória e convencional do artificialismo romântico, aproximara o teatro da atualidade e da vida, conduzindo à reflexão sobre o quotidiano e visando a evolução para um mundo socialmente mais justo.

A sua crítica, expressa numa prosa pessoalíssima e cativante, de longos períodos, com abundância adjetival e sinonímica, um tanto “fialhesca”, barroca, mas vibrante, contundente, tornou-se respeitada e apreciada pelos leitores, não só pela indiscutível competência e pela comprovada independência, como também pelo humor irreverente e corrosivo.

Já os seus congéneres e demais intervenientes na cena teatral passaram a encará-lo como personagem não grata, temendo os seus ataques demolidores.

Talvez por isso, apesar dos seus planos ambiciosos de prosseguir na publicação de anuários teatrais para memória futura, tenha abandonado pouco a pouco esta temática (a que mesmo assim voltaria recorrentemente), começando a pousar em todos os géneros, das artes plásticas à literatura, à política e aos costumes...

A mesma ânsia de justiça social que o levara a militar pela estética naturalista também o conduzira à militância no Partido Republicano Português nos tempos de Coimbra, tempos de rebeldia em que manifestava abundante e desassombradamente o seu antimonarquismo e anticlericalismo radicais.

Embora se tenha mantido convictamente republicano e democrata pela vida fora, a sua personalidade insubmissa não se acomodava a servilismos partidários, pelo que conservou sempre um distanciamento crítico em relação aos vários partidos republicanos que se multiplicaram após a implantação da república. Esta, por demais imperfeita, tê-lo-á frustrado, não correspondendo aos seus ideais de justiça e equidade, mas também de progresso social. Assim, acabou por se render ao carisma sidonista, tendo sido eleito deputado em 1918 nas listas do Partido Nacional Republicano, liderado por Sidónio Pais – cargo que desempenhou brevemente, mas com a sua paixão característica.

Esta incursão no sidonismo valeu-lhe novas antipatias que, juntando-se às ‘vítimas’ das suas críticas teatrais e artísticas, o conduziram ao penoso isolamento em que terminaria os seus dias – ele que era reputado como grande conversador, animador de tertúlias e se comprazia na convivência com os seus outrora muitos e distintos amigos.

 

Bibliografia

BURITY, Braz (1893). À Gandaia.

___ (1894). Insolência: crítica irreverente da política e das letras. Coimbra: Typ. Operária.

___ (1905a). Impressões de teatro (Cartas a um provinciano & notas sobre o joelho).Lisboa: Ferreira &  Oliveira.

___ (1905b). Italia Vitaliani – Carlo Duse: notas artisticas e biográficas. Lisboa: Ferreira & Oliveira.

___ (1909). Caras amigas (gente limpa). Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1911). Caras lavadas: Machado Santos (depoimento de um cúmplice recente). Lisboa: Lamas & Franklin Editores.

___ (1912). Na “Fermosa estrivaria”: notas d’um diário subversivo. Lisboa: Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira & Cª.

___ (1915). A forja da lei – a Assembleia Constituinte a notas a lápis. Coimbra: F. França Amado Editor.

___ (1924). Impressões de teatro: Zilda, O lodo e Á la fé. Lisboa: Imp. Libânio da Silva.

___ (1925). Painéis, bonecos e mamarrachos (cobras e lagartos sobre as malas-artes em Portugal. Porto: Companhia Portuguesa Editora, Lda.

___ (1933). As desvirtuosas malfeitorias (1930); Ídolos, homens e bestas. Lisboa: Livraria Clássica Editora.

___ (1949). Vero e devoto milagre de Santa Eva Todor, cheia de graça e de talento. Porto: Imprensa Portuguesa.

COSTA, Elisabeth (2011). Braz Burity: omnes pro veritate. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

 


Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=15978

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Elisabeth Costa/Centro de Estudos de Teatro