Luiz Francisco Rebello

(Lisboa, 10-09-1924 – Lisboa, 08-12-2011)

Luiz Francisco Rebello, foi dramaturgo, tradutor, ensaísta, crítico e historiador de teatro, especialista de fama internacional em matéria de direitos de autor – disciplina que lecionou na Universidade de Coimbra –, advogado e, no período 1973-2003, Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, instituição que prestigiou internacionalmente com a sua competência e brilho.

  Luiz Francisco Rebello
  Luiz Francisco Rebello na sessão de lançamento do vol. I de Todo o teatro, no TNDMII, em 1999 [Espólio LFR].

Descobriu precocemente as suas duas grandes vocações, o direito e o teatro, no início dos anos 30, ao escrever a peça em três atos A culpa, cuja temática gira à volta de um processo por roubo. Foi um dos fundadores do Teatro do Salitre, em 1946, onde um texto seu – O mundo começou às 5 e 47 – foi pela primeira vez representado. Em 1971 assumiu funções como Diretor do Teatro Municipal S. Luiz. A sua obra heterogénea, com influências do teatro do absurdo e do teatro épico, apresenta frequentemente temas relacionados com amor, morte, transcendência, criticismo e implicação social (CRUZ 2001: 305).

O seu nome surge entre os promotores de uma renovação do teatro português, que se mantinha fiel aos cânones do romantismo tardio e do naturalismo, e em 1946 funda (fundou) com Gino Saviotti (na altura diretor do Instituto Italiano de Cultura em Portugal e autor de vários ensaios sobre estética teatral) o Teatro Estúdio do Salitre, círculo experimental onde se preconizou um teatro que refletisse os novos movimentos que desde o fim do século anterior se afirmavam no resto da Europa. No ano seguinte, nesse mesmo palco do Salitre, é apresentado o espetáculo O mundo começou às 5 e 47 (1946), posteriormente considerado por uma parte da crítica como manifestação de um antiteatro lusitano.

O nome de Luiz Francisco Rebello tem sido associado com frequência a Pirandello, Beckett, Dürrenmatt e Frisch, pela sua recusa de se adaptar aos modelos naturalistas, pela riqueza das tensões metafísicas e existenciais exprimidas em termos simbólicos, pela afirmação de um “eu” individual condenado à impotência. Nem faltaram as referências a Brecht, Camus, Sartre, Freud e Jung, pela sua defesa do homem, pelo empenhamento social, pela espessura psicológica das suas personagens, contempladas sempre num relacionamento dialético com a realidade objetiva.

A seguir à escrita de peças de teatro para a infância, como A lição do tempo (1942-43, vencedora do 1° Prémio da Mocidade Portuguesa), escreveu algumas peças em parceria com outros autores, como A invenção do guarda chuva (1943, antecipadora da Cantora careca ionesquiana), com José Sesinando Palla e Carmo, ou Águas-furtadas e Nós os dois somos quatro (esta última é antecipadora da temática de The Lover, de Harold Pinter, de 1963), comédias redigidas em finais dos anos 40 em colaboração com Armando Vieira Pinto. A solo, redige redigiu o drama rústico Ventania e O dia seguinte (1948-49).

Em 1952 foi proibida a representação de O dia seguinte, que estava a ser ensaiada no Teatro Nacional D. Maria II; a estreia mundial ocorreu em 1953 no Théâtre de La Huchette, em Paris; para a autorização a ser representada num palco português por uma companhia profissional, foi necessário esperar até 1963. Trata-se talvez da peça que conheceu maior fortuna, tendo sido traduzida e representada em doze países, mas entre outras peças importantes contam-se também O fim na última página (1951), Alguém terá de morrer (1954), É urgente o amor (1956-57, reescrita em nova versão em 1999), Os pássaros de asas cortadas (1958). Na linha do antiteatro podem-se ainda incluir Condenados à vida (1961-63, distinguida com o  prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1964) e A visita de sua excelência (1962-65), enquanto a denúncia e o empenhamento político caracterizam A lei é a lei (1977) e Portugal anos quarenta (1982).

Por fim, o dramaturgo experimentou a incursão no drama histórico com Todo o amor é amor de perdição (1990, adaptação para televisão do processo ao romancista Camilo Castelo Branco e à sua amante Ana Plácido, distinguida com o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores / Ministério da Cultura em 1994), A desobediência (1995 é o ano de redacção, 1997 o da edição castelhana, 1998 o da edição portuguesa, sobre a resistência de Aristides Sousa Mendes, cônsul português em Bordéus, que nos anos 40 salvou milhares de judeus da loucura nazifascista) e O órfão de Deus (“mitobiografia dramática” sobre Uriel da Costa, redigida em 2004-2005). No âmbito da sátira incluem-se O parto dum partido (redigida em 1975-1976 e  editada em 2006) e Amanhã à mesma hora ou o mesmo lugar comum (2003). Abertamente intimistas as peças As páginas arrancadas (redigida em 1999 e editada em 2002) e Triângulo escaleno (2000). Com uma versão livre de Dente por dente, a partir de Shakespeare, encerra-se a bibliografia dramática de Luiz Francisco Rebello. O seu teatro completo encontra-se reunido nos dois volumes de Todo o teatro (1999, 1º volume; 2006, 2º, Imprensa Nacional-Casa da Moeda).

Toda a cultura do século XX respira na sua obra monumental, e não apenas como criador dramático: como estudioso e crítico de exceção é autor de D. João da Câmara e os caminhos do teatro português (1949), Teatro moderno: caminhos e figuras (1957), Teatro português, do romantismo aos nossos dias (1959, 2 voll.), Imagens do teatro contemporâneo (1961), História do teatro português (1967, 5ª ed. 1999, livro traduzido para inglês, francês e espanhol), O jogo dos homens (1971), Combate por um teatro de combate (1977), O primitivo teatro português (1977), O teatro naturalista e neo-romântico (1978), O teatro simbolista e modernista (1979), O teatro romântico em Portugal (1980), Variações sobre o teatro de Camões (1980), 100 anos de teatro português (1984), História do teatro de revista em Portugal (em dois volumes, de 1984 e 1985), O teatro de Camilo (1991), Fragmentos de uma dramaturgia (1994), O palco virtual (2004). De feição memorialística é o livro O passado na minha frente (2004).

Incansável defensor do teatro (em 1971 demitiu-se do encargo de diretor do Teatro Municipal S. Luiz para protestar contra as restrições censórias), é autor de inúmeros artigos editados na imprensa periódica e em publicações especializadas, de prefácios e apresentações de livros de outros dramaturgos, tradutor de dezenas de autores de primeiro plano do teatro moderno (entre eles Strindberg, Ibsen, Shaw, Brecht, Lorca, Salacrou, Pirandello, Ionesco, Beckett, A. Miller, Marguerite Duras, Erdmann, Feydeau); é ainda organizador da edição do teatro completo de Bernardo Santareno, do ensaio de Jorge de Sena Do teatro em Portugal (1988), das antologias Teatro Estúdio do Salitre (1996), Teatro português em um acto (1900-1945) (1997), Teatro português em um acto (1800-1899) (2003), Teatro português em um acto (século XIII-XVIII) (2006) e Teatro romântico português: o drama histórico (2007).

 

* Este texto é a versão revista e em português da ficha bio-bibliográfica de Luiz Francisco Rebello editada in: Sebastiana Fadda (a cura di), Teatro portoghese del XX secolo, Roma, Bulzoni Editore, 2001. Desta antologia faz parte a peça L’invenzione dell’ombrello.

 

Textos de / para teatro

1931: A culpa.

1941: A lição do tempo.

1943: O ouro que Deus dá.

1944: Jogo para um Natal de Cristo.

1944: A invenção do guarda-chuva (co-autoria com José Palla e Carmo).

1945: Ventania.

1946: O mundo começou às 5 e 47.

1948-49: O dia seguinte.

1951: O fim na última página.

1954: Alguém terá de morrer.

1956-57: É urgente o amor.

1958: Os pássaros de asas cortadas.

1961-63: Condenados à vida.

1964: Dente por dente (versão livre).

1962:65: A visita de sua Excelência.

1975: Prólogo alentejano.

1975-76: O parto dum partido.

1977: A lei é a lei.

1979: O grande mágico.

1982: Portugal anos Quarenta.

1990: Todo o amor é amor de perdição.

1995: A desobediência.

1999: As páginas arrancadas.

1999: É urgente o amor (nova versão).

2002: Triângulo escaleno.

2003: Amanhã, à mesma hora, no mesmo lugar ou O lugar-comum.

2005: O órfão de Deus.

 

1999: Todo o Teatro: Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Biblioteca de Autores Portugueses. 

2006: Todo o Teatro: Vol. II. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Biblioteca de Autores Portugueses.

 

Bibliografia

BARATA, José de Oliveira (1999). “O teatro de uma vida”, in Luiz Francisco Rebello, Todo o teatro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Biblioteca de Autores Portugueses.

CRUZ, Duarte Ivo (1969). “Luiz Francisco Rebello”, in Introdução ao teatro português do século XX. Lisboa: Espiral.

___(1983).“Luiz Francisco Rebello”, in Introdução à história do teatro português. Lisboa: Guimarães Editores.

___ (2001). “Luiz Francisco Rebello”, in História do teatro português. Lisboa:, Verbo.

FADDA, Sebastiana (2006). “A dramaturgia de Luiz Francisco Rebello: do Teatro Estúdio do Salitre às significações do palco”, in Estudos Italianos em Portugal, nova série, n.º 1.

___ (2012). “O fulgor de uma inteligência apaixonada: Imagens da dramaturgia de Luiz Francisco Rebello”, in Sinais de Cena, Nº 17, junho, APCT / CET, pp. 19-32.

FUENTE BALLESTEROS, Ricardo de la / AMEZUA, Julia (coord.) (2002).Diccionario del teatro iberoamericano. Salamanca: Almar.

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PICCHIO, Luciana Stegagno (1969).História do teatro português, tradução de Manuel de Lucena sobre a 1.ª edição italiana [Roma, Edizioni dell’Ateneo, 1964], corrigida e aumentada pela Autora. Lisboa: Portugália Editora.

PORTO, Carlos (1973). Em busca do teatro perdido. Lisboa: Plátano Editora, Colecção Movimento, 2 vols.

QUADROS, António (1964). Crítica e verdade. Lisboa: Livraria Clássica Editora, pp. 229-236.

RODRIGUES, Urbano Tavares (1961). Noites de teatro. Lisboa: Edições Ática, 2 vols.

___ (1966).Realismo. Arte de vanguarda e nova cultura. Lisboa: Editora Ulisseia.

___ (1998). “Luiz Francisco Rebello: a paixão do teatro”, in Jornal de Letras, 12 de Agosto.

SANTOS, Luisa Duarte (org.) (2010), Os autos da vida de Luiz Francisco Rebello. Catálogo da exposição. Vila Franca de Xira: Câmara Municipal de Vila Franca de Xira – Museu do Neo-Realismo.

SERÔDIO, Maria Helena Serôdio (2000). “Luiz Francisco Rebello: o lugar da consequência”, in Cadernos de Teatro, n.° 16, Almada, Companhia de Teatro de Almada, junho.

___ (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto Camões, Colecção Cadernos Camões, pp. 95-141.

___ (2012). “Luiz Francisco Rebello: o escândalo da clareza” in Sinais de Cena, Nº 17, junho, APCT / CET, pp. 51-55.

SIMÕES, João Gaspar (1985). Crítica VI. O teatro contemporâneo (1942-1982). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses.

TEIXEIRA, António Braz (2006). “Prefácio breve e talvez inútil”, in Luiz Francisco Rebello, Todo o teatro II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Biblioteca de Autores Portugueses.

TRIGUEIROS, Luís Forjaz (1969). Novas perspectivas. Lisboa: União Gráfica, pp. 197-201.

 

Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=484

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/http://opsis.fl.ul.pt/

 

Sebastiana Fadda / Centro de Estudos de Teatro