Palmira Bastos

(Aldeia Gavinha, Alenquer, 30-05-1875 – Lisboa, 10-05-1967)

Palmira Bastos nasceu no seio de uma família de artistas ambulantes espanhóis e, após o desaparecimento do pai, mudou-se – juntamente com a mãe e duas irmãs – para Lisboa, onde cedo começou a frequentar os bastidores dos teatros onde a sua mãe ganhava a vida como corista.

  Palmira Bastos
  Retrato da jovem atriz Palmira Bastos, postal ilustrado, s/d [cortesia do TNDMII – dossier biográfico]

Estreou-se, com êxito, no Condes, em 1890, pela mão de Sousa Bastos (com quem casou em 1894), representando um pequeno papel no espetáculo O reino das mulheres, dando, assim, início a uma gloriosa carreira que atingiu o muito celebrado marco dos 75 anos de atividade. O seu vasto percurso teatral foi marcado pela representação em quase todos os géneros de teatro – Palmira foi da opereta ao drama, passando pela revista e alta comédia – e por um período de atividade muito extenso no TNDMII, com a companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, na qual desempenhou alguns dos seus papéis mais célebres. A prestigiada atriz despediu-se dos palcos a 15 de dezembro de 1966, no Teatro S. Luiz, com a reposição do espetáculo O ciclone

Maria da Conceição Martins – ou Martinez devido à sua ascendência espanhola – nasceu em Aldeia Gavinha, mas podia ter nascido em qualquer outro local da Península Ibérica, território percorrido pela companhia itinerante dirigida pelo seu pai (Pedro Bohavañio Martinez) e da qual a sua mãe, Maria das Dores, também fazia parte. O pai abandonou a família – e a companhia – deixando a mulher e as suas três filhas sem qualquer meio de subsistência. Este facto motivou Maria das Dores a partir para Lisboa e a empregar-se numa modista, enquanto à noite subia ao palco do Teatro Avenida e do Teatro da Rua dos Condes como corista. 

Foi neste último espaço que Maria da Conceição se tornou Palmira e pisou um palco pela primeira vez, a convite do empresário António de Sousa Bastos, que nos recorda que a “pequena Palmyra acompanhava sua mãe ao theatro e era de vêr o empenho com que a pobre creança se escondia pelos bastidores e pelo urdimento para assistir aos espectaculos e ensaios. Em casa o seu divertimento e o de sua irmã Augusta era imitar o que viam fazer no theatro e que aprendiam n’um momento” (SOUSA BASTOS 1898: 205). Corria o ano de 1890 e a pequena Palmira, com apenas 15 anos feitos, estreou-se n’ O reino das mulheres, dando início a uma carreira com quase oito décadas de longevidade. O debute da pequena Palmira, foi, segundo consta, auspicioso, visto que “[…] logo na noite de estreia recebe uma ovação entusiástica […]” (JACQUES et al. 2001: 141), o que viria a marcar a sua carreira – repleta de sucessos e boas críticas – ao longo da qual passou por uma série de teatros e fez várias digressões ao Brasil, à província e às ilhas. 

Após a pequena participação n’ O reino das mulheres, continuou representando papéis secundários no mesmo registo de teatro ligeiro – ainda no Condes – aparecendo na mágica O reino dos homens, em 1891, bem como na revista Tam Tam (1890). Trabalhou, de seguida – entre 1891 e 1892 – no Teatro do Rato e no Avenida, onde ficou provada a sua notoriedade no género musicado. Em 1893 realizou a primeira de onze digressões ao Brasil – onde regressou em 1895, 1899, 1901, 1904, 1910, 1915 (só tornando a Lisboa em 1917) e, por último, em 1920. No Brasil foi sempre acolhida com muito agrado, tendo iniciado a sua carreira por lá integrada na companhia Rosas & Brazão, estreando-se, assim, em teatro declamado. Ao regressar a Portugal, Palmira conseguiu o seu primeiro papel de vedeta na revista O sarilho, em 1893, no Teatro da Rua dos Condes.

No ano seguinte integrou a companhia de opereta do Teatro da Trindade, cujo empresário era Sousa Bastos – com quem casou a 1 de julho desse mesmo ano, tornando-se, assim, Palmira Bastos – e com essa companhia ficou até 1899, representando em várias operetas e revistas, entre as quais Sal e pimenta (1894), que obteve grande sucesso apesar de ter sido pateada na estreia, por descontentamento dos admiradores de Pepa Ruiz, atriz que havia sido substituída (tanto na companhia, como na vida pessoal de Sousa Bastos) por Palmira. Entre 1900 e 1903 representou no Teatro Avenida, onde brilhou em A boneca (1900) e O tição negro (1902). Em abril de 1904 estreou-se, em Portugal, no teatro declamado e no palco do TNDMII, no espetáculo Os filhos alheios.

Nas temporadas de 1905 a 1907, bem como na de 1909/10, integrou o elenco do teatro D. Amélia, continuando a representar teatro declamado. Este facto suscitou desagrado entre os vários admiradores do seu desempenho no teatro ligeiro, que insistiam que a ele deveria regressar, por ser a atriz de maior valor no género, devido à sua figura e voz, bem como ao seu profissionalismo e dedicação. Foi numa destas temporadas no D. Amélia que Palmira representou um dos seus papéis mais célebres, como protagonista do grande sucesso Vénus (1905), uma mágica onde o seu desempenho foi classificado de “[…] adorável, em todas as situações […]”, tendo sido “[…] uma Vénus lindíssima, cantando primorosamente, e que enverga, com uma elegância só comparável à sua soberba plástica, uns doze ou quinze trajos […]” (Anon. 1906: 383).

Para satisfação de quem a queria ver de regresso ao género que a celebrizou, Palmira integrou, de seguida, a companhia de Afonso Taveira, onde se manteve, a interpretar óperas vienenses, no Teatro da Trindade, até 1913. Inaugurou, no ano que se seguiu, a 25 de setembro, o [antigo] Teatro Éden, com uma reposição de O burro do sr. Alcaide, opereta em que já tinha participado anteriormente, em 1900, ao substituir Pepa Ruiz no papel de André. Regressou ao Nacional, em 1915, para um espetáculo, a seguir ao qual deu início à mais longa digressão que efetuou ao Brasil, integrada na companhia de opereta de Luís Galhardo, reaparecendo, apenas, em 1917, no Teatro Avenida. Após a morte de Sousa Bastos – em 1911 – Palmira voltou a casar, seis anos depois, com o ator-tenor, empresário e ensaiador Almeida Cruz, mas a união foi de curta duração.

Em 1918, Palmira formou, juntamente com Eduardo Brazão e Ilda Stichini, uma companhia que esteve primeiro no Teatro do Ginásio e, em 1919, no Teatro Avenida. Na época de 1919/20 regressou brevemente à companhia residente do TNDMII, onde representou em espetáculos como Pipiola, dos irmãos Quintero. Os anos que se seguiram foram marcados por uma colaboração assídua com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, nas épocas que antecederam a chegada da Companhia ao TNDMII. Foi neste período que Palmira viu consolidado o seu estatuto de primeira-dama do teatro português com espetáculos como A dama das camélias ou Mamã Colibri, ambos em 1922. Esta primeira colaboração com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro compreendeu apenas a época de 1922/23 e, de seguida, Palmira representou em vários teatros, como o S. Luiz, o S. Carlos e o Ginásio tendo estreado, em 1925, um outro teatro: o teatro Joaquim de Almeida, no Montijo, com A Severa.

Regressou em 1931 à companhia Rey Colaço-Robles Monteiro — já concessionária do TNDMII — representando em espetáculos como A fuga (1931), Ciclone (1932), Tá-mar (1936), Leonor Teles (1931) e Frei Luís de Sousa (1932), sempre com boas críticas e calorosos aplausos por parte de um público que, não raramente, frequentava o teatro para a ver. Transferiu-se na época de 1936-37, para o Teatro da Trindade, onde foi a primeira figura da companhia. 

Após vários anos longe do teatro ligeiro, e com uma reputação inquestionada no teatro declamado, Palmira Bastos fez um breve (e último) regresso ao género em que debutou, participando, em 1934, no espetáculo Santo António, no Teatro Avenida e, em 1937, na revista Olaré quem brinca, no Variedades. Regressou ao TNDMII, e à Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, que só abandonou quando se retirou do palco, em 1966. Grande parte das suas criações mais memoráveis em teatro declamado surgem neste período: “Cristina Mannon” em Electra e os Fantasmas, de O’Neill (1943), a “Duquesa” do Leque de Lady Windermere (1944), de Wilde, a protagonista de A Casa de Bernarda Alba (1948), de Lorca, a avó em As árvores morrem de pé (1951), de Casona – representada, anos mais tarde, em 1966, para a aclamada emissão da RTP –, a “Senhora Frolla” em Para cada um sua verdade (1955), de Pirandello, e “Madame Pernelle” no Tartufo (1963), de Molière.

  Palmira Bastos
  Retrato da atriz Palmira Bastos, s/d [cortesia do TNDMII – dossier biográfico]

Para além do seu extenso trabalho como atriz, pelo qual recebeu o prémio Lucinda Simões de interpretação feminina (atribuído especificamente pelo seu desempenho em O Ciclone), Palmira realizou, também, algum trabalho de encenação – principalmente com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro – chegando, até, a receber o prémio António Pinheiro de encenação, em 1955, com o espetáculo Para cada um a sua verdade. Organizou, também, algumas companhias – por vezes em sociedade com outros atores – cuja atividade foi breve, como a Companhia Palmira Bastos, que levou à cena alguns espetáculos na década de 1920, em vários teatros da capital, incluindo o TNDMII, o S. Carlos e o Trindade. Já na sétima arte a presença de Palmira não foi tão marcante, uma vez que só trabalhou com George Pallu, em 1922, na longa-metragem O Destino.

Entre as muitas homenagens que lhe foram prestadas destaca-se a que decorreu na sua terra natal, a 22 de setembro de 1962, com a inauguração de uma lápide que assinala a casa onde nasceu a artista, bem como a atribuição do seu nome a um largo da aldeia. Outra homenagem importante sinalizou o seu nonagésimo aniversário e a celebração do seu 75º ano de carreira, com uma grande festa no Teatro Avenida, a 30 de maio de 1965. Para a ocasião foi representado o espetáculo O ciclone e atribuída a Palmira a Comenda de Cristo.

Palmira foi muitas vezes descrita como uma mulher formosa, como afirma Abel Botelho, na sua contribuição para o álbum-homenagem de 1903, ao recordá-la “[…] nem alta nem baixa, equilibradinha e perfeita, adorável corpo que é um mixto modelar da ideal delicadeza florentina, em que não há ossos, e da solida fibrinação lombarda, que exclue a gordura….” (AA.VV. 1903). Para além da sua figura, recorda-nos também o seu olhar azulado e muito expressivo, descrevendo-o como sendo “[…] d’uma translucidez de porcelana, fluido e cortante” (ibidem). Abel Botelho ofereceu, também, ao leitor do álbum-homenagem, uma caracterização da voz de Palmira, que nos chega como “[…] avelludada e extensa, voz de mel e incenso, em que as mais infantis caricias jogam irmãmente com os mais quentes arrebatamentos da dor ou da loucura; voz afinada por um feitio de dicção em que Palmyra Bastos é individual e inconfundível” (ibidem).

A crítica foi sempre unânime na apreciação positiva, tanto dos desempenhos como da própria Palmira, louvando-lhe o talento e o estudo minucioso dos papéis, bem como a constante procura em se superar a si própria. Contudo, uma voz – frequentemente dissonante da dos seus colegas de ofício –, a de Joaquim Madureira, dá-nos uma visão diferente sobre os primeiros passos de Palmira como atriz de teatro declamado. Ao comentar o desempenho de Palmira em Os filhos alheios, Madureira escreve: “[…] tendo uma physionomia parada, uma voz monotonamente agradável, unisona e uniforme, e uma irreductivel negação para exteriorisar o sentimento, sendo sempre graciosa, mas não podendo ser nunca comovente, falhou por completo o papel” (MADUREIRA 1905: 366). Contudo, Madureira não nega o talento e a competência da atriz no género em que debutou, afirmando que esta “[…] foi magnifica na Boneca, explendida no Tição Negro […]” (ibidem), deixando ainda mais clara a vocação de Palmira ao dizer “[…] que, é tolice gorda, deixar de ser o primeiro astro na sua aldeã de Bonecas e Tições, p’ra vir a liquidar, em cometa apagado e de moeda fraca, na Roma do Drama e da Alta Comedia.” (ibidem)

Relativamente às suas qualidades profissionais enquanto atriz, Abel Botelho exalta não apenas a sua tendência naturalista, mas também a competência na construção de personagens e aptidão para o estudo minucioso dos seus papéis: “[…] compreendendo primeiro, e depois escalpelando e pormenorizando a primor as figuras, de sorte que na cuidada, na impecável composição de todas as suas creações, ainda as mais somenos, nós temos sempre que admirar este raro dualismo, - uma crystallina compreensão da personagem e um inexcedível poder de realização.” (AA.VV. 1903)

 

Bibliografia
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http://ww3.fl.ul.pt/cetbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=7685

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Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro