O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das
trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das
cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
Obra Completa de Cesário Verde, 4ª edição,
organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão, Lisboa, Livros Horizonte, 1983.
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«Horas Mortas» é o último momento deste longo percurso pela cidade. O
caminhante encontra-se a deambular por uma cidade completamente escura
onde só as estrelas iluminam o caminho. Numa fase
inicial, a noite provoca uma calma interior que é momentaneamente perturbada pelo
ruído: o parafuso que cai e o fechar das portas. O silêncio que se segue
desperta sensações campestres e o caminhante imagina ouvir uma música
distante tocada por uma flauta. Surge a vontade de vencer as sensações de
aprisionamento e procurar a vida eterna. Mas, à medida que o caminhante
aprofunda os seus pensamentos, o conflito parece ser irresolúvel, pois não
há esperança de libertação para aquele que vive na cidade.
A Dor humana busca amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
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À DESCOBERTA
O Progresso Social em Portugal nofinal do século XIX
Consulte o
seguinte endereço e descubra quais foram os principais
acontecimentos históricos e políticos durante a vida de Cesário Verde
(1855-1876)
http://ribatejo.com/hp/cronologia/crono_1851_1875.html
Cesário Verde
Consulte o seguinte endereço e descubra :
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