Contos Tradicionais

 


O feiticeiro e o inteligente
 

A «Estória» que vos vou contar reflecte a inteligência dos povos há muitos anos atrás.

Era uma vez, numa aldeia que se chamava Punjo Ndongo, no  Norte de Angola, uma população que era muito simples e tinha um grande feiticeiro. A vida em Punjo a Ndongo tinha por base a agricultura. As pessoas trabalhavam nas lavras dia e noite. O Velho Saraiva, o feiticeiro, tinha uma filha, a Belita, de quem gostava e que tinha como sua esposa e ajudante nos feitiços.  Belita queria casar-se com Pedrito, filho do velho Gasuza.

Havia na aldeia Mana Minga, que era viúva e tinha uma lavra que se chamava Maiombala, para onde eram enviados todos aqueles que fossem mortos pelo velho Saraiva, para trabalharem na sua lavra depois de mortos. E ela era a sua comadre.

Um belo dia, Pedrito, acompanhado do velho Gasuza, seu pai, foi a casa de Belita pedir a sua mão em casamento, mas teve um grande espanto quando lá chegou: o feiticeiro não queria concordar com o casamento de maneira nenhuma.

Mas a insistência foi tanta que o Velho Saraiva, calculista como sempre, armou uma tramóia para impedir o casamento de Belita. Virou-se para Pedrito e disse-lhe:

- Menino Pedrito, para te casares com a minha filha terás de pagar «alombamento», porque Belita é filha do sacrifício e minha única companheira.

Pedrito concordou e perguntou qual era o «alombamento» por Belita.

- Nenhum preço é demais, pois ela vale ouro – disse o menino Pedrito.

- Quero que me tragas um peixe que não vive na água doce nem na água salgada. Quero um peixe nem cru nem cozido, estamos entendidos? - disse o feiticeiro.

Pedrito perguntou ao velho Saraiva:

- Mas existe tal peixe?
- Sim, existe - disse Saraiva. - E se até amanhã não me trouxeres o peixe, não terás a minha filha.

Pedrito, desesperado e triste, foi procurar o velho mais inteligente da aldeia, o velho Ngunga, para lhe pedir ajuda. O velho Ngunga pensou, pensou e disse:

- Não te preocupes, meu filho. Passa aqui amanhã e terás o teu «alombamento» pronto.
Pedrito ficou todo feliz e despediu-se.

Na manhã seguinte, foi ter com o velho Ngunga para ir buscar o peixe e recebeu a resposta para o seu problema. Foram juntos ter com o velho Saraiva.

- Velho Saraiva - disse Pedrito - já tenho o seu pedido.
- Ė impossível! - disse o velho Saraiva - Como foi que conseguiste? Dá-me então o peixe, menino Pedrito!

E Pedrito disse:

- A pessoa que me deu o peixe disse-me que o devo entregar, mas não pode ser de noite, nem de dia.

O velho Saraiva ficou furioso e entregou a filha a Pedrito com a ameaça de que se haveria de vingar dos dois. E então, a partir daquele momento, todas as noites, ele fazia Pedrito dormir e deitava-se com a própria filha.

Conversando com sua mulher, Pedrito pergunta-lhe um belo dia por que é que sempre que ele chega à cama fica morrendo de sono, tão pesado, que nada acontece. Belita dá uma bofetada a Pedrito, pois alguém se serve dela todas as noites.

Os dois reflectem e chegam à conclusão que é o velho Saraiva e desejam matá-lo. Apanham as pegadas do velho Saraiva, que guardam bem, vão ter com o velho e dizem-lhe que estão a ser assaltados e que querem matar o gatuno que tem ido à lavra deles. O Velho Saraiva, bem enganado, faz o feitiço para ele mesmo com as suas próprias pegadas e acaba por morrer ali, e eles ficam felizes para sempre.

 

Elisabeth Paihoma  
  Estudante da Universidade da Namíbia

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guache sobre papel - 1929