Teatro do Ginásio

(Lisboa, Portugal: 1845 – 1952)

O Teatro do Ginásio – Theatro do Gymnasio no princípio da sua existência – foi um espaço marcante na história do teatro português, tendo acolhido durante mais de um século espetáculos, sobretudo comédias, que divertiram várias gerações.

  Teatro do Ginásio
  Teatro do Ginásio (fachada), final séc. XIX [Brasil Portugal, 16-12-1899, p.11].

Foi alvo de diversas remodelações, numa tentativa constante de melhorar as condições tanto para os artistas como para os espectadores, sem nunca ter perdido a adesão de um largo público que apreciava muito os espetáculos apresentados e o convívio alegre que se gerava antes e depois das representações. Por vezes havia a intenção de apresentar um teatro mais sério e edificante, mas o espírito de “fábrica de riso” – um dos nomes que lhe foi atribuído – marcou indelevelmente a sua identidade. Em 1921 um incêndio destruiu quase por completo o edifício, mas uma industriosa obra de recuperação permitiu que voltasse a abrir as portas ao público em 1925. A sua sobrevivência durou ainda um quarto de século, acolhendo o cinema em paralelo com o teatro, até à demolição do seu interior que ditou o seu fim em 1952.

O Teatro do Ginásio, como ficou conhecido para a história, teve a sua génese na Travessa do Secretário da Guerra (só posteriormente chamada Rua Nova da Trindade), num barracão erguido nos terrenos do antigo Palácio de Geraldes. O barracão, destinado à apresentação das artes circenses a um público tradicionalista e popular que não se afastava pela falta de comodidades, abriu as portas a 12 de outubro de 1845, sob a responsabilidade do empresário João Manuel da Mota e com o nome Novo Ginásio Lisbonense.

Poucos meses depois, no entanto, a vontade de integrar na sua programação o teatro declamado levou a direção a fazer as remodelações necessárias a esta nova atividade. Assim, por iniciativa de Manuel Machado (à época, fiscal do Teatro Nacional de S. Carlos) e recorrendo aos pouquíssimos fundos disponíveis, o Novo Ginásio Lisbonense transformou-se em Teatro do Ginásio e estreou a 16 de maio de 1846 o espetáculo melodramático Paquita de Veneza ou Os fabricantes de moeda falsa, um texto de César Perini de Lucca, ensaiado pelo próprio. O espaço continuava a ser pequeno e pouco cómodo, mas compensava em ambiente alegre o que lhe faltava em condições.

A tentativa de afirmar o Ginásio como um teatro sério, apresentando dramas complexos e, na realidade, mais exigentes na sua logística do que as comédias, fez com que a gestão do teatro atravessasse dificuldades e uma grande instabilidade, uma vez que era difícil competir no campo do teatro declamado com outras empresas/espaços cuja experiência, nome e recursos disponíveis garantiam mais público. Foi sob a gestão de Émile Doux, que dirigiu o teatro entre 1847 e 1848, que o Ginásio se orientou para as comédias, género para o qual tanto o espaço como os atores estavam destinados.

E assim se afirmou o Teatro do Ginásio, no panorama teatral português, como um espaço concorrido e frequentado por todas as classes sociais com o objetivo comum de passar um serão divertido com o riso provocado pelas peças e com o convívio social que era parte integrante da experiência. O sucesso do espaço chegou mesmo à família real: Sousa Bastos descreve como “Suas Magestades manifestaram desejos de assistir àquelles espectaculos; mas o theatro era de tal ordem, que não podia recebel-as. Começaram então os socios a pensar em demolir o nojento barracão, sujo, tortuoso, de escadas íngremes e corredores acanhados e no mesmo local mandaram construir uma decente e commoda casa d’espectaculos” (SOUSA BASTOS 1908: 343).

Em 1852 o Ginásio levou nova remodelação, fechando, para o efeito, as portas a 2 de abril e reabrindo a 16 de novembro. O interesse pelo novo Ginásio era generalizado, havendo inclusivamente registo de visitas às obras por parte do rei D. Fernando, acompanhado dos filhos D. Pedro e D. Luiz (SOUSA BASTOS 1908: 344). A empreitada pressupôs empréstimos pesados (facilitados, embora, pela série de ajudas e doações de origens diversas), que pesaram sobre a sociedade exploradora do teatro durante vários anos. O novo espaço, admirado pela inteligência da sua construção e a beleza da sua decoração, atraiu mais público e firmou a sua consagração.

  Teatro do Ginásio
  Teatro do Ginásio (bilheteira) ant. 1921, fot. Alberto Carlos Lima [Arquivo Municipal de Lisboa – Arquivo Fotográfico, cota: LIM001092].

As dívidas contraídas para a grande remodelação não facilitavam a gestão, embora diferentes responsáveis tivessem mais ou menos mão nas contas da empresa. A direção de Taborda foi feliz na gestão de dinheiros, havendo referências ao pagamento sempre atempado a todos os colaboradores, enquanto a direção de Manuel Machado, por exemplo, foi pautada pela contração de novas dívidas e recurso a soluções relativamente desesperadas como as companhias de acionistas. As instabilidades na direção do teatro eram frequentes e, na primeira metade da década de 70, os empresários sucediam-se ao final de poucos meses. A estabilidade voltou em 1878 com José Joaquim Pinto, que dirigiu o Ginásio até 1904.

Vários atores de renome pisaram os palcos do Ginásio, e companhias hoje consideradas basilares do teatro português foram responsáveis pela exploração do espaço:  foi o caso da empresa Maria Matos-Mendonça de Carvalho entre 1916 e 1918, Lucinda Simões na época de 1919-1920 e a companhia Alves da Cunha na época de 1920-1921.

Foi precisamente nesta época, a 6 de novembro de 1921 (estava em cena o espetáculo O célebre Pina), que um incêndio irrompeu de madrugada deixando o teatro em escombros.

O Teatro do Ginásio só voltou a abrir em 1925, com a apresentação do espetáculo A guerra do vinho a 27 de novembro. O novo edifício, com arquitetura de João Antunes e decoração de Joaquim Viegas e Domingos Costa, tinha toda a comodidade necessária, podendo mesmo dizer-se que tinha luxo e tecnologia. Até à década de 30 ocuparam o Ginásio as companhias Rey Colaço-Robles Monteiro, Palmira Bastos, Ilda Stichini e, a partir daí, apresentaram-se sobretudo companhias estrangeiras como o Théâtre de l’Oeuvre e a companhia Roger Manteaux. Mas a afluência do público decresceu e tornou-se parca, acabando a direção por recorrer à solução que muitos espaços adotaram na altura, apresentando cinema a par do teatro. Em 1932 esta solução tornou-se permanente, com o novo nome Cine-Ginásio, e a década de 40 foi pautada quase exclusivamente pela projeção de cinema, sobretudo filmes de propaganda da Alemanha nazi.

O fim do Ginásio ocorreu em 1952 com a demolição do interior para a construção de um espaço comercial. Impedimentos de ordem legal travaram esta construção, mas o Ginásio ficou em ruínas, tendo ainda, no entanto, um último fôlego de teatro: a 16 de setembro de 1987 Mário Feliciano encontrou nas ruínas do Ginásio o espaço ideal para a sua apresentação do espetáculo Calderón, de Pasolini.

A classificação como imóvel de interesse público pela Câmara Municipal de Lisboa em 1980 assegurou a preservação da fachada do edifício, sendo este transformado, em 1992, em “Espaço Chiado – Centro Comercial e Cultural Theatro do Gymnasio”.

 

Bibliografia

BASTOS, Glória & VASCONCELOS, Ana Isabel P. Teixeira (2004). O Teatro em Lisboa no tempo da Primeira República. Lisboa: IPM/Museu Nacional do Teatro.

LOPES, Norberto (1921). “Primeira e última” in Diário de Lisboa, 07-11-1921, p. 8.

MAGALHÃES, Paula (2007). Os dias alegres do Ginásio: Memórias de um teatro de comédia. Texto policopiado: dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

___ (2008). “Teatro do Ginásio: uma fábrica de gargalhadas” in Sinais de Cena, nº9. Lisboa: APCT/CET. pp. 121-128.

REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva). 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=181

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro