Cine-Teatro Monumental

(Praça Duque de Saldanha, Lisboa – Portugal: 1946 - 1984)

Edificado numa das mais emblemáticas praças lisboetas, o Cine-Teatro Monumental foi projetado, em 1946, pelo arquiteto Raúl Rodrigues Lima (1909-1980), correspondendo nos seus traços à estética modernista do Estado Novo.

  Cine-Teatro Monumental
  Cine-Teatro Monumental (bilhete-postal), s/d, ed. Torres [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 32514].

Com uma sala de cinema e outra de teatro que comportavam mais de 1000 espectadores cada, o Monumental foi arrendado pelo empresário Vasco Morgado com o intuito de ali apresentar espetáculos de teatro declamado, operetas, revistas e atrações musicais, incluindo mesmo artistas estrangeiros. Foi nessa sala de teatro que Laura Alves protagonizou os maiores êxitos da sua carreira teatral. Nos anos de 1970, acrescentou-se uma nova sala de cinema, de reduzidas dimensões, no último piso do edifício, como espaço alternativo à grande sala de projeções. Com dificuldade em manter uma corrente de público que suportasse as despesas, acabou por ser decretada a sua demolição em 1982. Apesar da enorme onda de contestação que a decisão do executivo camarário liderado por Nuno Krus Abecasis gerou, o Cine-Teatro Monumental teve o seu fim em meados de 1984.

Decorrendo de um despacho (24 de março de 1943) do Ministro da Educação Nacional, Dr. Mário de Figueiredo, que propunha a edificação “de uma casa de espectáculos como ainda não há em Lisboa [...] com salas independentes para teatro de declamação ou música ligeira, concertos e cinema” (LIMA. s/d: 3), este edifício teve a sua construção aprovada em 1946. Com traço do arquiteto Raúl Rodrigues Lima – que havia já participado na Exposição do Mundo Português de 1940 – iniciou-se assim um projeto pioneiro de construção de cine-teatros que depressa se estendeu a outras cidades no país.

Inserido na corrente modernista que marcou algumas das obras públicas do Estado Novo (por alguns denominada “Português Suave”), a sua composição arquitetónica servia as duas grandes salas que ali iriam nascer – uma sala de cinema, com eixo paralelo à Avenida Fontes Pereira de Melo, com lotação de 1967 lugares, e uma de teatro, paralela à Avenida Praia da Vitória, com 1086 lugares.
 Este edifício “monumental” foi revestido de pedra e ornamentado numa das suas esquinas com uma grande coluna encimada por uma esfera armilar (um símbolo caro ao Estado Novo) e estátuas em cada um dos lados da frontaria. A entrada principal do público, orientada para a Praça Duque de Saldanha, tinha sete portas em forma de arco com acesso direto ao átrio principal (onde se situavam as bilheteiras) e aos vestíbulos que antecediam as salas. Os artistas e trabalhadores do cine-teatro tinham uma entrada distinta que se fazia pela Avenida Praia da Vitória.

No interior, a decoração requintada, quase “versailliana”, esteve a cargo de José Espinho, e apresentava lustres imponentes, maples requintados, grandes escadarias, mármores e apontamentos dourados. Os foyers e os salões tornaram-se “um sítio de encontro, quase de estar” (FERNANDES 1995: 102) para uma burguesia lisboeta que apreciava o ambiente, bem como a sua atrativa localização nas avenidas novas. Cada piso tinha um salão de acesso exclusivo aos portadores de bilhete para os lugares do cinema e do teatro. No último andar estava situada a administração e a gerência a quem estava reservada uma sala de projeção privada. A sala de cinema abrigou dois grandes painéis – que ladeavam o gigantesco ecrã – da autoria da pintora Maria Keil e as estátuas exteriores, bem como as figuras que decoravam alguns pisos no interior, ficaram a cargo do escultor Euclides Vaz. Para garantir uma boa insonorização Manuel Bívar ocupou-se dos isolamentos fónicos e acústicos das duas grandes salas.

Cinco anos depois de se ter iniciado a construção, o edifício foi inaugurado – a 8 de novembro de 1951 – com a opereta As três valsas (1951), protagonizada por Laura Alves e João Villaret. Lisboa nova (1952) foi o segundo espectáculo a ser apresentado e a primeira revista a ser levada à cena neste espaço. Musicada pelo maestro Frederico Valério, a revista contou com as atuações de Laura Alves, João Villaret e Eugénio Salvador, entre outros. A sala de cinema, que acolheu a recém chegada tecnologia do cinemascope, inaugurou-se com o filme O facho e a flecha, de Jacques Tourneur, com Burt Lancaster e Virginia Mayo nos papéis principais.

Nem só de teatro e cinema viveu esta emblemática casa de espetáculos. Na década de 1960, Vasco Morgado contratou aquela que se tornou a mais famosa banda de rock portuguesa da época, os Gatos Negros, para assegurarem espetáculos no Monumental durante cinco anos. A banda colecionou seguidores e reuniu multidões na praça do Saldanha numa época em que eram estritamente proibidos os “ajuntamentos”, por imposição do regime ditatorial. Também, pela mão do empresário, ali se apresentaram artistas internacionais como os cantores Charles Aznavour, Sylvie Vartan e Rita Pavone, entre outros. No entanto, a vedeta do Monumental foi, incontestavelmente, Laura Alves que, durante décadas, foi a atração principal de dezenas de espetáculos do empresário Vasco Morgado.

Em 25 de fevereiro de 1971, a imprensa anunciou a abertura de um novo cinema no Monumental. No último piso do edifício passou a existir o Satélite: uma pequena sala com 208 lugares que oferecia ao público projeções que se mostravam uma alternativa aos filmes da grande sala de cinema. Foram reponsáveis por este projeto o arquiteto Rodrigues Lima em parceria com os engenheiros Ângelo Ramalheira, Barroso Ramos e Bustorff Silva. O espaço foi inaugurado com o filme Les choses de la vie, de Claude Sautet, com Romy Schneider no principal papel.

Contudo, a década de setenta marcou o início do declínio do Monumental, com uma quebra significativa de espectadores que dificilmente enchiam já aquelas salas de tão grandes dimensões. A aposta da televisão em vários formatos de entretenimento, o aparecimento de salas de cinema de dimensão mais reduzida e programações mais atrativas, as alterações políticas e sociais entretanto trazidas pela Revolução de Abril, a irrupção de outras formas de espetáculo que atraíam espectadores mais jovens, tudo se juntou para afastar cada vez mais o público daquelas salas. Assim, por decisão de Nuno Krus Abecasis e com “aval de todos os organismos oficiais” (FERNANDES 1989: 186) – incluindo o Instituto Português do Património Cultural que se recusou a classificá-lo (Anon. 1983b: 24) – em 1982 foi decretada a demolição do edifício. A onda de protestos não se fez esperar e foram vários os que se insurgiram contra esta polémica deliberação, inclusivamente representantes de órgãos institucionais que acusaram o líder da Câmara Municipal de estar a atentar contra a memória cultural do país. Os que se opunham à demolição alegaram que esta decisão estaria ligada à conotação do Monumental com o Estado Novo apesar de o argumento apresentado pelo executivo camarário ser a elevada despesa que o edifício acarretava e que não justificava o seu funcionamento. Além disso, e segundo palavras do presidente Krus Abecasis, o “Monumental nunca [tinha sido considerado] uma obra de arte” (PACHECO 1984: 20). Nem as “ténues manifestações de defesa [da obra] sob pretexto de se estar a ferir gravemente o património nacional” (ibidem) bastaram para embargar a destruição desta casa. A salvo ficaram as estátuas e a esfera armilar que se encontram ainda em locais públicos da cidade.

O último espetáculo apresentado no teatro do Monumental foi Pai precisa-se, de Júlio Mathias, com Laura Alves no elenco, estreado a 30 de setembro de 1982, e a 27 de novembro de 1983 o cinema do Monumental abriu as portas ao público pela última vez, numa altura em que já se procedia à retirada de todo o equipamento da sala que fora de teatro.

No espaço onde se situava o Monumental foi posteriormente erigido um centro comercial – de fachada espelhada, com lojas, escritórios e quatro salas de cinema – muito distinto do projeto que Rodrigues Lima tinha imaginado para aquele local.

 

Bibliografia

Anon. (1983a). “Monumental: demolição à vista com substituição a complicar-se” in Diário de Lisboa, 28 de novembro, p. 24.

___ (1983b). “Monumental” começou a ser demolido”, in Diário de Lisboa, 31 de maio, p. 1 / 24.

___ (1971). “Satélite – nova sala de cinema com 208 lugares” in A Capital, 26 de fevereiro, p. 18.

CRUZ, Duarte Ivo (2005). Teatros de Portugal. Lisboa: Ed. Medialivros, pp. 75-78.

DIAS, Marina Tavares (1987). Lisboa desaparecida. 2ª ed., Lisboa: Quimera Editores, p. 149.

DUARTE, Maria João (1982).  “Era uma vez... o Monumental” in Se7e, 30 de junho, p. 6.

FERNANDES, José Manuel (1989). Lisboa: arquitectura e património. Lisboa: Livros Horizonte

___ (1995). Cinemas de Portugal. Lisboa: Ed. Inapa.

___ (2003). Português suave – Arquitecturas do Estado Novo. Lisboa: IPPAR.

FRÉTIGNÉ, Hélène (2005). Uma praça adiada – Estudo de fluxos pedonais na Praça do Duque de Saldanha (Lisboa). Coord. Maria João Ramos, Edição Digital.

LIMA, Raúl Rodrigues; et al.  (s/d). Monumental – Algumas notas sobre a sua construção e exploração. Anuário comercial, Tip. Emp. Nacional.

OGANDO, Alice (1960). Laura Alves – Êxitos de 20 anos da sua carreira. Agência Portuguesa de Revistas.

PACHECO, Nuno (1984). “Cine-Teatro Monumental: a derrocada que ninguém evitou” in Expresso, 19 de maio, pp. 20-21.

PINHEIRO, Pedro (2003). “As salas de teatro, os contratos, os actores profissionais e os outros” in AAVV. Teatro em debate(s) – I congresso do teatro português. Lisboa: Ed. CET/APCT.

RAMOS, Carvalho (1984). “Vida e morte” in Plateia, 2ª quinzena de Janeiro, p. 41.

RIBEIRO, Nuno (1985). “Arquitectos criticam Câmara de Lisboa” in Diário de Lisboa, 24 de julho, p. 10.

SANTOS, Vítor Pavão dos (2002). “Guia breve do século XX teatral” in AA.VV. Panorama da cultura portuguesa do século XX – Artes e Letras I, Porto 2001 e Fund. Serralves: Ed. Afrontamento.

 

Sítiografia:
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/as-sete-vidas-do-gato-negro

Consultar ficha de espaço na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=203

Consultar imagens no OPSIS:
http://opsis.fl.ul.pt/

Andreia Brito Silva / Centro de Estudos de Teatro