Parque Mayer
(Travessa do Salitre, 1250 Lisboa, Portugal)
Inaugurado a 15 de junho de 1922, o Parque Mayer resultou de uma partilha familiar do palacete Mayer e dos seus jardins.
Parque Mayer (pórtico), 2012, fot. Andreia Brito Silva [CET]. |
Este espaço exterior foi adquirido, em 1920, por Artur Brandão, “primeiro promotor do Parque Mayer” (FRANCISCO/RAMOS 1992: 280), tendo sido comprado no ano seguinte por Luís Galhardo, jornalista, escritor e empresário que, com outros dez sócios, constituiu a Sociedade Avenida Parque, Lda. Aqui se construíram casas de espetáculo que acabaram por se especializar no teatro de revista, sucedendo – ou associando-se – a outras atrações de caráter lúdico, como carrosséis e carrinhos de choque, que juntavam muito público. Situado junto à Avenida da Liberdade, do lado ocidental, entre a Rua do Salitre e a Praça da Alegria, este recinto viveu o seu apogeu entre as décadas de 30 e de 70 do séc. XX, tendo, desde aí, entrado em declínio. Neste espaço estrearam-se e ganharam fama artistas do teatro e da canção, que souberam fidelizar um público entusiasta. No início do séc. XXI apenas o Teatro Maria Vitória apresenta alguma (esporádica) atividade com espetáculos de teatro de revista, por iniciativa do empresário Hélder Freire Costa.
No recinto onde se situava o Palácio Mayer começou por funcionar, entre 1918 e 1920, o Club Mayer. Este clube noturno de recreio e jogo foi vendido em 1930, por Luís Galhardo, um dos dez societários do então Avenida Parque, Lda., vindo a instalar-se aí o Consulado Geral de Espanha em Lisboa. Entretanto, nos espaços adjacentes a este edifício – jardins e lagos – nasceu o que há muito este empresário havia idealizado: um espaço de diversão noturna e um polo de atração teatral. Foi também nesse ano que se efetuaram alguns melhoramentos no recinto, nomeadamente a construção do pórtico de entrada, com desenho do arquiteto Cristino Silva, impondo-se desde então o nome Parque Mayer como designação genérica.
Com instalações precárias, o Parque Mayer foi-se tornando, aos poucos, um sítio carismático de diversão e boémia na cidade de Lisboa. Nos anos 30, começou por funcionar com divertimentos como barracas “dos tirinhos”, carrinhos de choque, carrosséis de feira, “roleta diabólica”, atrações várias, como o circo do El Dorado, e combates de boxe e luta-livre. Deste modo, o Parque Mayer rapidamente se tornou um recinto de convívio e de feira ao ar livre, onde não faltavam restaurantes, bares, cabarets, retiros e tascas, atraindo um público aficionado. Em 1932, por sugestão de Leitão de Barros, realizou-se aí o primeiro desfile de grupos representantes dos bairros lisboetas que, posteriormente, dará origem às Marchas Populares.
Neste espaço, a que acorria um público ávido de diversão, foram sendo construídos vários teatros: o Teatro Maria Vitória (1922), o Teatro Variedades (1926), e o Teatro Capitólio (1931), sendo este – pelo traço de Luís Cristino Silva – um importante marco da arquitetura modernista em Portugal. Em 1956 edificou-se o último dos recintos – o Teatro ABC – que encerrou definitivamente em 1997. Outras casas de espetáculo tiveram vida mais efémera, como foi o caso do Teatro Recreio em 1937, que foi edificado por iniciativa do empresário Giuseppe Bastos e esteve apenas três anos em funcionamento.
A história do Parque Mayer é indissociável do percurso político, social e cultural do país. No início dos anos 70 assistiu-se, neste espaço, a uma completa renovação de autores, artistas e da própria estrutura da revista à portuguesa, como foi o caso, em 1972, de É o fim da macacada, de Francisco Nicholson, Gonçalves Preto e Nicolau Breyner, no teatro ABC. Numa avaliação do que então se iniciava, o crítico de teatro Carlos Porto escreveu: “Estas revistas […] propunham a renovação do espectáculo nos seus aspectos mais caducos: música, coreografia, encenação e o próprio texto […] na vontade de trabalhar o material como um todo orgânico” (PORTO/MENEZES 1985: 31). Tudo o que era intocável na fórmula da revista foi contestado. A esta mudança estão ligados autores como José Viana, Aníbal Nazaré, Francisco Nicholson e Gonçalves Preto que ousaram abordar assuntos até aí interditos. “A revista colocava-se ao lado das forças progressistas e, à sua maneira, contornando astuciosamente os obstáculos levantados pela censura, ajudava a abalar os alicerces carcomidos do regime” (REBELLO 1985: 146).
Após o 25 de Abril, compreensivelmente, os autores apressaram-se a colocar em cena os quadros que tinham sido interditados pela censura. O uso do palavrão passou a ser recorrente em muitos dos textos levados à cena, em muitos casos com alguns excessos despropositados, redundando mesmo em pura obscenidade. Luiz Francisco Rebello conta que as revistas no Parque Mayer oscilavam, neste período, “entre uma difícil e duvidosa neutralidade e uma viragem radical à direita” (REBELLO 1985: 175). Assim, alguns trabalhadores do teatro ABC decidiram sair do Parque para formar, em 1974, uma cooperativa de teatro: o Adoque. Propunham-se fazer um teatro de revista de tendências progressistas, e fixaram-se no Martim Moniz, num teatro desmontável que fora pertença da Companhia Rafael de Oliveira. No Parque Mayer mantiveram-se os artistas com uma ideologia mais conservadora e o repertório ressentiu-se, por vezes, desse excessivo zelo.
Mas nem só de teatro de revista viveu o Parque Mayer: espetáculos de jazz, de fado, operetas, comédias e circo atraíram um vasto público: burguês e popular, lisboeta e de fora. Acima de tudo, porém, o Parque Mayer foi a “capital da revista”, a “Broadway lisboeta”, com uma trepidante vida noturna, consagrando artistas como Raul Solnado, José Viana, Beatriz Costa, Ivone Silva, Henriqueta Maia, Herman José, entre tantos outros. Também Francis Graça abrilhantou os espetáculos do Parque com coreografias inovadoras e técnicas importadas de ballets mundiais, devendo-se a compositores como Frederico Valério e Raul Ferrão êxitos musicais como os fados protagonizados por Amália Rodrigues. Entre os empresários que marcaram alguns dos êxitos do teatro de revista estão Giuseppe Bastos, Vasco Morgado, Eugénio Salvador e, mais recentemente, Hélder Freire Costa.
Nos anos áureos do Parque Mayer, os espetáculos tinham duas sessões durante a semana (incluindo o sábado) e três aos domingos e feriados, empregando centenas de pessoas entre artistas, costureiras, carpinteiros, técnicos de iluminação, e vários outros profissionais envolvidos na produção de espetáculos de revista. Mesmo com os quatro teatros a apresentarem espetáculos em simultâneo, as lotações esgotavam muitas vezes.
Ao longo da sua história, “O Parque Mayer foi o espelho de muitas das mudanças na sociedade lisboeta, nos seus avanços e recuos” (TRIGO/REIS 2006: 8). Testemunha destas mudanças foi o pintor, maquetista, cenógrafo e figurinista Mário Alberto, conhecido como o último “resistente” do Parque Mayer. Ali o artista tinha o seu atelier num primeiro andar, onde passou a morar desde 1973. Conviveu e colaborou com artistas e profissionais do teatro tendo assinado a cenografia e os figurinos de inúmeras revistas que aí subiram à cena.
A madrugada era a altura do dia em que o Parque Mayer parecia mais apetecível para os boémios que conviviam com prostitutas, bêbados, coristas e artistas da revista ou de outras artes de palco, pessoas que “possuem a consciência da noite, porque a noite é um outro mundo.” (AA.VV. 2002: 54) E foi nesse mundo que Mário Alberto viveu até perto do fim da sua vida, tendo no Parque Mayer o seu microcosmo particular.
Ainda que, esporadicamente, o espaço do Parque Mayer tenha servido nos últimos anos como recinto de apresentação de espetáculos ao ar livre, concertos no âmbito dos festivais de verão ou gravações de programas de televisão numa tentativa de restituir a este espaço a vida de outrora, é visível o abandono e a falta de manutenção.
As primeiras ideias de remodelação para o Parque Mayer começaram por surgir no início da década de 70. No ano de 1994, no âmbito de “Lisboa – Capital da Cultura” também se falou numa “renovação dos espaços teatrais” que incluiria o Parque Mayer, o que acabou por não se verificar. Em 1999 este espaço foi adquirido pela empresa Bragaparques e encontra-se no meio de um conflito de interesses que impede a reestruturação deste espaço, embora seja invocada há décadas como compromisso de campanha de quase todos os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa.
Bibliografia
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CABRERA, Ana (2009). “Censura ao teatro nos anos cinquenta” in: Sinais de Cena, nº12. Lisboa: APCT/CET, pp. 27-29.
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FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277- 288.
NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: cinquenta anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.
PORTO, Carlos / MENEZES, Salvato Teles (1985). 10 anos de teatro e cinema em Portugal : 1974-1984. Lisboa: col. Nosso Mundo, ed. Caminho.
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___ (1985). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
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SEQUEIRA, Gustavo Matos (1947). “O teatro de revista” in A evolução e o espírito do teatro em Portugal: 2º ciclo de conferências promovidas pelo “Século”. vol. II. Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografias.
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TRIGO, Jorge / REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952) vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.
___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.
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VIDAL, Isabel (2009). “Duplo sentido” in: Sinais de Cena, nº12. Lisboa: APCT/CET, pp. 30-32.
Consultar a ficha de espaço na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=3132
Consultar imagens no OPSIS:
Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro