Teatro da Trindade

(Largo da Trindade, 7-A, 1200-466 Lisboa)


O Teatro da Trindade, inaugurado em 1867, é um dos mais antigos teatros lisboetas ainda em atividade. Situa-se na zona da Trindade, entre o Chiado e o Bairro Alto, que já na época se assumia como centro cultural e de sociabilização.

  Teatro da Trindade
  Teatro da Trindade (entrada, Rua Nova da Trindade), 2012, fot. Joana d’Eça Leal/CET

A iniciativa da sua construção partiu do empresário Francisco Palha que, com o apoio de financiadores e o desenho do arquiteto Miguel Evaristo, construiu o teatro mais cómodo, elegante e tecnicamente avançado da capital no seu tempo. A par dos espetáculos no Teatro, o Trindade programou também concertos, bailes, recitais e palestras no Salão. Em 1921, adquirido pela Anglo-Portuguese Telephone Company, o Salão foi demolido e todo o recheio do teatro vendido, regressando à sua vocação teatral em 1924, pela mão do empresário José Loureiro. Nele foram apresentados espetáculos de teatro declamado e teatro musicado, fantasias, óperas e dramas, mas foi com a opereta que fez mais sucesso e atraiu um público fiel. Acolheu companhias fulcrais da cultura portuguesa, como a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, a Companhia Portuguesa de Ópera, Os Comediantes de Lisboa ou o Teatro Nacional Popular, além das sessões de animatógrafo e cinema, que ajudaram a ultrapassar períodos de crise financeira. Em 1962 foi adquirido pela FNAT [Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho], atual INATEL [Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores], que continua a assegurar a gestão do teatro.

Foi Francisco Palha de Faria Lacerda (1824-1890), empresário teatral, ex-comissário régio no Teatro Nacional de D. Maria II, quem idealizou a criação de um teatro na zona da Trindade. O Chiado já se havia estabelecido como o coração da sociedade lisboeta, e a cena teatral encontrava-se em crescimento – sinal disso havia sido a inauguração do Teatro de S. Carlos (em 1793) e do Teatro de D. Maria e do Ginásio (ambos em 1846). A ideia ganhou forma com a criação, em 1866, de uma sociedade para a construção do Teatro da Trindade: uma sociedade de ações com o capital de 80 contos, cujos principais acionistas eram o Duque de Palmela, Fortunato e Francisco Chamiço, Frederico Biester, Ribeiro da Cunha, António Tomás Pacheco, Oliveira Machado, entre outros. O local escolhido foi o terreno do antigo Palácio dos Condes de Alva, onde em 1735 o empresário italiano Alessandro Paghetti havia criado a Academia da Trindade, “o primeiro teatro popular de Ópera” (ARAÚJO 1993: 66), que funcionou apenas três anos, tendo sido encerrada em 1738. Após o terramoto de 1755 o local albergava apenas restos do palácio e alguns casebres, que em 1865 deram lugar às obras de construção do teatro, sob a direção do arquiteto Miguel Evaristo de Lima Pinto.

O Teatro da Trindade foi construído com uma enorme atenção ao pormenor, sendo o conforto do público um dos pontos mais valorizados. Segundo Norberto de Araújo, “o teatro, incluindo edifício, salões e materiais, custou 120 contos” (ARAÚJO 1993: 66). A sala era equipada com um sistema de ventilação e a distribuição dos assentos procurava corresponder à hierarquia social: cadeiras de mogno na primeira plateia (custavam 500 reis), bancadas com costas de palhinha na segunda plateia (400 reis) e bancos simples na geral (200 reis). Um lugar no balcão custava 600 reis e nas galerias 100 reis. Duas grandes novidades eram os ganchos nas costas das cadeiras (estas, “de assento movediço”) para pendurar chapéus, “inovação adorável” (MACHADO 1991: 151), e as frisas com reixas de madeira, pintadas de dourado, para salvaguardar os espectadores que não quisessem ser observados – esta última com pouco efeito prático, uma vez que o público se acumulava à saída das frisas para ver os espectadores que de lá saíam. A própria plateia era elevável, possibilitando o nivelamento com o palco para a realização de outro tipo de eventos. O teto, pintado por Jorge Procópio (discípulo de Cinatti e Rambois), segurava um enorme lustre e era adornado por medalhões com retratos de grandes figuras do teatro português (Gil Vicente, Sá de Miranda, Correia Garção, Almeida Garrett, Bocage, António José da Silva, entre outros). Esta homenagem também se fazia na fachada virada para o Largo da Trindade, com bustos de Gil Vicente, António Ferreira, Damião de Góis e Sá de Miranda. Era um teatro “vistoso, elegante”, no qual “se pensou em tudo” (MACHADO 1991: 151), que teve lugar de destaque em varias publicações, desde os folhetins de Júlio César Machado – por exemplo, todo o folhetim d’A Revolução de Setembro de 05-12-1867 foi dedicado à inauguração, e tanto os vários espetáculos como os atores da companhia eram comentados regularmente – aos romances de Eça de Queiroz – a apresentação de O Barba Azul, incluindo o teatro, o público e o ambiente estão presentes n’A tragédia da Rua das Flores, como uma referência da sociedade lisboeta de então.

O Salão da Trindade, anexo ao Teatro, foi o primeiro a inaugurar, abrindo as portas ao público no Carnaval de 1867 com uma série de bailes de máscaras. Destinado a bailes, concertos e conferências, tinha cerca de 200m² e uma galeria sobre colunas à volta do espaço, assim como um anfiteatro para a orquestra e, mais tarde, um proscénio.

A inauguração do Teatro teve lugar a 30 de novembro de 1867, com os espetáculos A mãe dos pobres, drama de Ernesto Biester, e a comédia espanhola O xerez da Viscondessa, traduzida e adaptada por Francisco Palha. O empresário esforçou-se por reunir um elenco de qualidade e, como tal, a primeira companhia do Trindade era composta pelos artistas Delfina do Espírito Santo, Rosa Damasceno, Emília Adelaide, Emília dos Anjos, Gertrudes Carneiro, Lucinda da Silva, Tasso, Izidoro, Eduardo Brazão, Leoni, Bayard, Lima, Queiroz, entre outros. Nos meses que se seguiram, de consolidação de elenco e de equipa, foi assinalável o êxito do espetáculo As pupilas do sr. Reitor, adaptação por Ernesto Biester do romance de Júlio Dinis, onde brilharam Rosa Damasceno e Brazão. Mas foi com a aposta na opereta que Francisco Palha encontrou a verdadeira fonte de sucessos do Trindade. O Barba Azul, estreado a 13 de junho de 1868, ficou em cena durante meses e revelou o talento de Ana Pereira, que nos anos seguintes ali brilhou, “fadada para as cenas de capricho, de gracejo, e de fantasia [...], a actriz do repertório de Offenbach” (MACHADO 1991: 164). De facto, até ao final do século XIX, o público teatral sabia exatamente onde ir consoante o género de espetáculo procurado: a ópera no S. Carlos, os dramas e tragédias no D. Maria, as comédias no Ginásio e, no Trindade, as tão famosas operetas, onde o repertório de Offenbach fez furor.

Com a morte de Francisco Palha, em janeiro de 1890, a direção do teatro passou por várias mãos até 1893, ano em que o Trindade foi vendido a António Serrão Franco e este cedeu a exploração do mesmo a uma sociedade artística que, por sua vez, nomeou Sousa Bastos para a direção em 1894. Até 1900, e sob empresas com nomes e sócios diferentes, Sousa Bastos dirigiu o Trindade no que foi “um dos mais brilhantes, significativos e gloriosos períodos da sua história” (RIBAS 1993: 30-31). A companhia residente incluía nomes como Augusto Rosa, Ana Pereira, Mercedes Blasco, Palmira Bastos, Joaquim de Almeida, Lucinda do Carmo, Ferreira da Silva, etc. Em 1901, a direção da empresa e da companhia recaiu sobre o empresário Afonso Taveira, a quem coube guiar o Trindade através de um período de enorme instabilidade política, social e económica – o regicídio e consequente instauração da República e, mais tarde, a Primeira Guerra Mundial – até à sua morte, em 1916. Foram várias as companhias, portuguesas e estrangeiras, que passaram pelo Trindade nesta época sem deixar marca, como a de Italia Vitaliani em 1903 ou a (tentada) companhia lírica portuguesa em 1908. A estabilidade voltou em 1919, com uma empresa de exploração liderada por Augusto Pina, que apresentava uma companhia com Ângela Pinto, Emília de Oliveira, Etelvina Serra, Carlos Santos, Ferreira da Silva, entre outros. Este elenco fez sucesso nas encenações de António Pinheiro e assegurou, segundo Matos Sequeira, uma “temporada brilhante” (apud RIBAS 1993: 41). 

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Teatro da Trindade (fachada, Largo da Trindade), 2012, fot. Joana d’Eça Leal/CET  

A 22 de janeiro de 1921 o proprietário Serrão Franco vendeu o Teatro da Trindade, por 350 contos, à Anglo-Portuguese Telephone Company, que ali instalaria os seus escritórios. O Salão da Trindade, palco de eventos como a palestra de Serpa Pinto sobre as colónias (1879), a apresentação do fonógrafo de Edison (1879), a conferência dos exploradores Capelo e Ivens, à qual assistiu a Família Real (1880), foi totalmente demolido. Uns meses depois, a 18 de outubro, Luís Nobre presidiu a um leilão de todo o recheio do teatro, incluindo cadeiras, móveis, adereços, arquivos, etc. A ideia de terminar assim o Teatro da Trindade causou indignação e “uma montanha de lamentações saudosas” (Matos Sequeira, apud RIBAS 1993: 42). Sabendo que a nova empresa proprietária necessitaria apenas do espaço do Salão e anexos, José Loureiro propôs a aquisição da parte do teatro, que foi aceite. Como tal, em 1923 o Teatro da Trindade foi vendido a José Loureiro pela quantia de dez mil libras esterlinas e foram iniciadas as obras de remodelação do interior do edifício, dirigidas pelo eng. Alexandre Soares – data desta altura o famoso frontão com a Trindade, da autoria de Leopoldo de Almeida, que ainda hoje encima o proscénio.

Alguns meses depois, a 5 de fevereiro de 1924, o Teatro da Trindade teve nova inauguração, com o espetáculo Fogo sagrado, de Eduardo Schwalbach, pela companhia de Aura Abranches e Pinto Grijó. A dimensão do palco permitiu grandes produções que noutros espaços seriam complicadas ou mesmo impossíveis. Isto verificou-se com espetáculos de revista, que já antes do interregno tinham alternado com as operetas. Com as novas condições, as grandes montagens que eram impensáveis no Parque Mayer tinham lugar no Trindade e, a pouco e pouco, foram tomando o lugar das operetas (género já em declínio), dividindo os cartazes com o teatro declamado. Foram marcantes as revistas Pó de Maio (1929), de Eva Stachino, uma luxuosa montagem onde brilharam Vasco Santana e Beatriz Costa, e Arraial (1933), com António Silva, Maria das Neves e Costinha. Nas décadas seguintes o Trindade foi palco de companhias centrais do teatro português, como a de Lucília Simões e Erico Braga em 1926-27 ou a Rey Colaço-Robles Monteiro em 1928-29. Nestes anos da exploração de José Loureiro, embora com grandes êxitos de bilheteira, viveram-se alguns períodos difíceis em termos financeiros. Para fazer frente às crises, foi instalado equipamento de cinema e, a partir de 1938, o Trindade passou a realizar curtas temporadas cinematográficas, estreando A Rosa do adro, de Chianca de Garcia, com Adelina Abranches e Maria Lalande.

Dois anos depois, em 1940, outro projeto teve estreia no Trindade: os Bailados Portugueses Verde Gaio, companhia de dança impulsionada por António Ferro, na altura Diretor do Secretariado Nacional da Informação, Cultura e Turismo. A reação do público foi fraca, sobretudo em comparação com o sucesso que tiveram, pouco tempo depois, Os Comediantes de Lisboa, companhia dos irmãos Francisco Ribeiro (Ribeirinho) e António Lopes Ribeiro. Estiveram no Trindade entre 1944 e 1947, apresentando temporadas brilhantes apenas equiparadas, alguns anos depois, pelo Teatro d’Arte de Lisboa (em 1955-56) e o Teatro Nacional Popular, entre 1957 e 1960 – este último responsável, a 18 de abril de 1959, pela primeira encenação de Beckett em Portugal, com À espera de Godot. Durante estes anos, o percurso do Teatro da Trindade foi intermitente, consequência, por um lado, do movimento dos grupos experimentais, em crescimento, cujas apresentações teatrais eram feitas em espaços periféricos ou improvisados, e, por outro lado, da ação castradora da censura, que limitava muito as companhias de repertório e de teatro declamado. Todas estas evoluções sociais e económicas fizeram com que o Trindade passasse a ser o palco de companhias já formadas que ali faziam temporadas curtas.

Em 1962 o Teatro da Trindade mudou de novo de mãos. Os herdeiros de José Loureiro venderam-no, por 8000 contos, à FNAT, atualmente designada INATEL. Sofreu novas obras de remodelação em 1967 e, embora com novos equipamentos técnicos, a atenção recaiu sobre a decoração, coordenada por Maria José Salavisa – a sala, antigamente em tons de vermelho e dourado, vestiu-se de dourado e azul. O novo Trindade, com novas cores, acolheu a Companhia Portuguesa de Ópera e todas as suas produções até à sua extinção, em 1975. Pelo meio, um pequeno período de temporadas partilhadas com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (entre 1970 e 1974), que havia sido desalojada do Nacional pelo incêndio em 1964 e que passara, entretanto, pelo Teatro Avenida e pelo Teatro Capitólio antes de se apresentar no Trindade. O 25 de Abril trouxe de novo ao Teatro da Trindade a variedade de espetáculos e companhias, com apresentações de ópera, teatro profissional e amador, cinema, bailados, operetas, a par das conferências e exposições.

Uma nova remodelação, desta vez profunda, teve lugar entre 1991 e 1992, com obras no telhado, na fachada, no átrio, na sala de espetáculos, no palco, no foyer, nos camarins, nas oficinas – no fundo, em todo o edifício, procurando torná-lo mais funcional e adequado às novas exigências de um teatro lisboeta daquela dimensão: o estúdio de ensaios foi transformado na Sala-Estúdio, destinada à apresentação de teatro experimental; o bar foi ampliado, possibilitando a realização de eventos e pequenas apresentações; novas instalações de luz, som e canalização; assim como novas instalações para os serviços administrativos.

 

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de (1993). Peregrinações em Lisboa, livro VI, 2ª ed. Lisboa: Vega.
BASTOS, Glória & VASCONCELOS, Ana Isabel P. Teixeira (2004). O Teatro em Lisboa no tempo da Primeira República. Lisboa: IPM/Museu Nacional do Teatro.
FERREIRA, Licínia Rodrigues (2011). Júlio César Machado cronista de teatro: Os folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias. Texto policopiado: dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
MACHADO, Júlio César (1991). Os teatros de Lisboa, reedição do original de 1875. Lisboa: Editorial Notícias.
MAGALHÃES, Paula (2007). Os dias alegres do Ginásio: Memórias de um teatro de comédia. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).
MATOS SEQUEIRA, Gustavo de (1967). O Carmo e a Trindade, vol. III, 2ª ed. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa.
REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.
RIBAS, Tomaz (1993). O Teatro da Trindade: 125 anos de vida. Porto: Lello & Irmão.
SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva), pp. 372-373.
___ (1947). Recordações de Teatro. Lisboa: Editorial Século.

Sitiografia
http://www.inatel.pt/content.aspx?menuid=516
http://www.inatel.pt/content.aspx?menuid=117
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7176

Consultar a ficha de espaço na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=80

Consultar imagens no OPSIS:
http://opsis.fl.ul.pt/


Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro