Espaços

Teatro Garcia de Resende

(Praça Joaquim António de Aguiar – 7000-510 Évora, Portugal)

O Teatro Garcia de Resende, assim denominado como homenagem ao poeta eborense do Renascimento, foi construído entre os anos de 1881 e 1890 e inaugurado a 1 de junho de 1892, pela companhia Rosas & Brazão, com O íntimo de Eduardo Schwalbach.

  Teatro Garcia de Resende
  Teatro Garcia de Resende, 2012, fot. Eunice Azevedo [CET].

A sua construção, marcada pela escassez de fundos, foi promovida pela Companhia Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Resende, em especial por Ramalho Diniz Perdigão, e teve como responsável o engenheiro civil Adriano da Silva Monteiro, que desenhou o edifício em estilo neoclássico, fortemente influenciado pelos teatros italianos do séc. XVIII, bem como pelo Teatro de São Carlos, em Lisboa. O declínio do TGR acentuou-se durante o Estado Novo, tendo ficado praticamente ao abandono até que, em 1969, foram realizadas obras que alteraram radicalmente o seu aspeto exterior. Reabilitado após a revolução de Abril, o TGR é, desde ‘75, a casa do CENDREV (Centro Dramático de Évora, que no seu início foi Centro Cultural de Évora), instituição fulcral no processo de descentralização do teatro português.

Antes do aparecimento do plano de construção do TGR como hoje o conhecemos houve, segundo Angélica Fernandes de Barahona, um projeto de construção de um novo teatro “por [ser] velho e deficiente o antigo” (SILVA 1891: 15). Apesar de o projeto ter avançado com a escolha do terreno, a planta e o orçamento da construção, a partida do Inspetor da Fazenda, seu principal impulsionador – João Ferreira Alves –, deitou por terra a ideia da construção de um novo teatro no centro da cidade de Évora.

Todavia, em 1880, alguns sócios do Círculo Eborense formaram – com vista à construção de um teatro – uma sociedade, denominada Companhia Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Resende, contando com centenas de acionistas, incluindo José Maria Ramalho Diniz Perdigão, e um capital social de “vinte contos de réis” (BANDEIRA 2007: 82). O projeto visava a construção, num terreno “na cêrca do demolido convento de S. Domingos” (SILVA 1981: 11), daquele que viria a ser o Teatro Garcia de Resende.

O terreno, com cerca de 3 mil metros quadrados, foi cedido, “pelo fôro anual de 15$000 réis” (SOUSA BASTOS 1898: 229) pelo Conde da Costa, e procedeu-se ainda à compra de uma casa a “Luiz Valente Pereira Rosa pela quantia de 240$000 réis” (ANON. 1892: 203). A escolha do terreno foi feita por uma comissão composta especialmente para o efeito, também responsável pela direção da obra e aprovação da planta, elaborada por Adriano Augusto da Silva Monteiro, o engenheiro civil do projeto.

As obras de construção do TGR, promovidas, em parte, para compensar a falta de emprego que se fazia sentir na região (empregou 1995 operários), tiveram início no dia 16 de abril de 1881 e decorreram a bom ritmo até ao final desse ano, altura em que os fundos começaram a escassear devido à magnitude da obra. Ramalho Diniz Perdigão, um abastado proprietário que assegurou cerca de 90% do capital da sociedade, tentou então uma emissão de novos títulos para recapitalizar a sociedade, mas sem grande êxito. Quando faleceu – em 1884 – estava já o edifício de pé, faltando apenas os acabamentos interiores, bem como a compra e montagem de equipamento, mas as dificuldades financeiras obrigaram à interrupção da obra.

Só em 1888, após o casamento da viúva de Ramalho Perdigão com outro abastado proprietário, Francisco Eduardo de Barahona, as obras foram retomadas, tendo sido escolhidos para a realização dos acabamentos do TGR alguns dos melhores artistas do país: Manini encarregou-se da pintura dos cenários; António Ramalho e João Vaz – ambos pintores do Grupo do Leão – realizaram a decoração da sala; Leandro Braga, entalhador, e o estucador Domingos Meira asseguraram a ornamentação dos interiores do edifício. A maquinaria de cena – que ainda hoje se conserva operacional, sendo um ótimo exemplo de maquinaria barroca (FARIA 1992: 196) – ficou a cargo de João Henriques, então mestre do Teatro de São Carlos.

A decoração do foyer, sala de espetáculos, salão nobre e alguns camarotes suscitou reações diversas: Sousa Bastos garante-nos, não só que “o theatro Garcia de Rezende pode considerar-se dos melhores de Portugal”, como também que “nenhum se lhe avantaja no gosto das suas decorações” (SOUSA BASTOS 1898: 212); enquanto Fialho de Almeida, bastante crítico em relação ao trabalho dos pintores, afirma que a falta de gosto e de harmonia se deveu à “inexperiência d’artistas acordados decoradores por incidente” (ALMEIDA 1923: 242), embora teça rasgados elogios ao trabalho de Leandro Braga, como sendo “delicado, sóbrio, elegante” (ibidem: 247).

Teatro Garcia de Resende  
Theatro ‘Garcia de Rezende’, em Évora, O Occidente, nº494, 11-09-1892, p. 204  

Dos vários elementos decorativos do teatro salienta-se o pano de boca que Fialho de Almeida nos descreve como “bem achado: por uma escadaria de terraço, que tem no fundo verduras e silhuetas d’edifícios eborenses, um pagem desce, em seu costume de côrte” (ibidem), representando o próprio Garcia de Resende na sua mocidade. Apesar de não haver certeza sobre a autoria do magnífico pano de boca, parece hoje consensual o reconhecimento do traço de Luigi Manini, embora Sousa Bastos o atribua a António Ramalho e João Vaz (SOUSA BASTOS 1898: 212).

O aspeto exterior do edifício, de inspiração neoclássica, foi descrito por Fialho de Almeida como tendo a “configuração do piano de cauda, pesadona, que em Lisboa S. Carlos offerece ao desconsolo dos physionomistas de monumentos” (ALMEIDA 1923: 243), denunciando a influência do modelo dos teatros italianos de meados do séc. XVIII. A sua fachada austera, com poucos elementos decorativos, que leva o cronista a fazer o paralelo entre o teatro e um armazém (ibidem), sofreu alterações drásticas – nas obras de recuperação do edifício, em 1969 – que a descaracterizaram ainda mais, destruindo “irremediavelmente o jogo de ritmos e contrastes original” (CARNEIRO 2002: 895), que alimentava a já reduzida graça da fachada primitiva.

A semelhança com o Teatro de S. Carlos é reforçada pela existência de um pórtico, composto por três arcadas frontais e duas laterais, que formam uma varanda ao nível do piso superior e que “continua a ser o ponto central da atenção, por aí se fazendo a entrada” (ibidem: 896), embora tenham sido adicionadas portas laterais à fachada principal, após as obras de 1969. O átrio retangular, ao qual se acede através do pórtico principal, permite o acesso à plateia por meio de uma grande escadaria bifurcada. No piso superior situa-se o Salão Nobre, “ornamentado no stylo chamado de Luiz XVI, em perfeito trabalho de estuque, representando mármores finos de diversas côres” (SILVA 1891: 14). O teto deste salão foi ornamentado com medalhões com os bustos de várias figuras marcantes do teatro português, como João Anastácio Rosa, Taborda, Garrett, Pinheiro Chagas e Lopes de Mendonça.

Os restantes espaços laterais do edifício, “mais residuais do que propriamente dedicados a funções especificas e, tal como no [São Carlos], ocupados com actividades diversas, consoante as necessidades e interesses” (CARNEIRO 2002: 896), demonstravam a incapacidade do edifício para albergar companhias residentes, estando apenas preparado para receber companhias em digressão. Em 1998, um projeto de ampliação do TGR, da autoria dos arquitetos Fernando e Bernardo Távora – que nunca saiu do papel – propunha a construção de “um outro teatro complementar no eixo do já existente e que, embora articulado com o anterior, gozasse de total autonomia, aliando a simplicidade à eficácia e criando, assim, um complexo teatral versátil” (FERNANDES 2007: 112), que serviria de local de acolhimento não apenas de espetáculos, mas também de um centro de documentação e oficinas de formação.

  Teatro Garcia de Resende
  Teatro Garcia de Resende (Évora) boca de cena e pano, s/d, IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana.

A sala de espetáculos – que ocupa pouco mais de 500 m2 da área total do edifício – tinha, inicialmente, capacidade para receber cerca de 700 espectadores, distribuídos pela plateia frisas, três ordens de camarotes e varandas centrais, em bancada. Com o restauro do interior do edifício, em 1998, o TGR viu a sua capacidade diminuída para 400 lugares, embora esta intervenção – merecedora do Prémio Europeu de Conservação do Património – tenha assegurado uma maior comodidade para os espectadores. A ornamentação do teto da sala de espetáculos, de António Ramalho, é descrita por Filomena Bandeira: “O tecto, de pintura figurativa, com musas esvoaçando sob fundo celestial premeia o conjunto. Em lugar do lustre, peça habitual nas salas de espectáculos, uma esfera armilar com o nome de Garcia de Resende inscrito” (BANDEIRA 2007: 87).

Terminadas as obras, em dezembro de 1890, o TGR foi oferecido por Barahona ao município de Évora, mas o processo burocrático que envolveu a doação apenas permitiu a passagem oficial para edifício municipal em abril de 1892, o que implicou que o teatro abrisse as suas portas pela primeira vez apenas em junho desse mesmo ano. Na estreia o público eborense veio em peso assistir à representação – com iluminação a gás da sala – d’O íntimo, de Eduardo Schwalbach, pela companhia que então explorava o Nacional, a Rosas & Brazão. Durante cinco dias esta mesma companhia apresentou vários outros espetáculos, entre eles Amigo Fritz e Leonor Teles.

Apesar da estreia auspiciosa, o TGR não assegurava uma programação muito intensa, uma vez que as companhias de teatro em digressão receavam a apresentação de espetáculos naquela sala, visto que era comum a falta de afluência de público e a consequente perda financeira, o que parece confirmar a opinião de Sousa Bastos de que era uma infraestrutura exagerada para uma cidade como Évora (SOUSA BASTOS 1898: 212).

Os anos 40 do séc. XX marcaram um período de relativa negligência do espaço: um violento vendaval, em 1941, arrancou a cobertura do edifício, e a cedência empresas de projeção fílmica acabaram por danificar ainda mais o interior do teatro, em especial os painéis do foyer, ao afixarem os cartazes promocionais dos filmes em exibição por cima das obras de João Vaz.

Com a revolução de Abril chegou, para o TGR, uma nova vida e uma companhia residente: o CENDREV – elemento fulcral da descentralização do teatro português – que apresenta, desde 1975, uma programação dinâmica. O reconhecimento devido ao edifício surgiu, em 1996, com a sua classificação como imóvel de interesse patrimonial.

 

Bibliografia

ALMEIDA, Fialho de (1923). Os Gatos: publicação mensal d’inquérito à vida portugueza, 5º vol. Lisboa: Livraria Clássica Editora.

Anon. (1892). “Theatro Garcia de Rezende” in O Occidente, nº 494, 11 de setembro, pp. 203-206.

___(2001). Riscos de um século: memórias da evolução urbana de Évora. Évora: Câmara Municipal de Évora.

BANDEIRA, Filomena (2007). “O Teatro Garcia de Resende: A pertinência de um inventário para avaliação de uma herança” in Monumentos: Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, nº26, abril, pp. 76-91.

CARNEIRO, Luís Soares (2002). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. II. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

FARIA, José Carlos et al. (1992). “A recuperação do Teatro Garcia de Resende” in Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais. Lisboa: ACARTE – FCG.

FERNANDES, Maria et al. (2007). “Três projectos para o centro histórico: a biblioteca, o rossio e o novo teatro” in Monumentos: Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, nº26, abril, pp. 112-115

LIMA, Miguel (1991). “Um teatro à italiana” in Adágio, nº 3, março-abril pp. 46-51.

SÁ, José Pinto de (1998). “O novo brilho do velho ‘Garcia’” in Público, 23 de outubro, p.54.

SILVA, D. Bruno da (1891). À posteridade… Esboços biográficos dos excellentíssimos esposos Francisco Eduardo de Barahona Fragoso e D. Ignácia Angélica Fernandes de Barahona. Lisboa: Typographia Castro Irmão

SOUSA BASTOS, António (1898). Carteira do artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português. Lisboa: Imp. Libânia da Silva (há uma edição fac-similada de 1994, Coimbra: Minerva).

 

Sítiografia

http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/333712/

http://www.cendrev.com/

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=59

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro