Espaços

Teatro Municipal de São Luís (São Luiz Teatro Municipal - SLTM)

(Rua António Maria Cardoso 54, 1200 Lisboa, Portugal)

Edificado entre 1893 e 1894 por um grupo de empresários abastados, este teatro contou com o auxílio da coroa portuguesa, que cedeu os terrenos para a sua construção.

  Teatro São Luís
  Fachada do Teatro São Luiz, s.d.

O desenho do edifício é da autoria do arquiteto francês Louis-Ernest Reynaud, que o concebeu de forma discreta em termos exteriores, ao mesmo tempo que lhe atribuiu um interior sumptuoso, para o qual contribuíram os cenógrafos Emílio Rossi e Luigi Manini. A inauguração – a 22 de maio de 1894, com a opereta A filha do Tambor-mór de Jacques Offenbach - teve casa cheia e contou com a presença do Rei D. Carlos I e da Rainha D. Amélia. O primeiro nome deste espaço – Teatro D. Amélia – foi-lhe atribuído em jeito de homenagem à Rainha, tendo sido renomeado Teatro República em 1910, na sequência da implantação da República, e, novamente em 1918, ano da morte do seu principal mentor, o Visconde São Luiz Braga, com o nome que mantém hoje, relembrando a importância da sua figura. O título de teatro municipal veio apenas em 1971 quando a Câmara Municipal de Lisboa o adquiriu. O edifício que hoje serve o SLTM reproduz o espaço original que, em 1914, sofreu fortes danos devido a um incêndio, tendo reaberto apenas dois anos depois.

O Teatro D. Amélia, situado na antiga rua do Tesouro Velho (atual Rua António Maria Cardoso), teve a sua origem no projeto de uma sociedade de empresários, composta por entusiastas do teatro e profissionais do ramo – denominada Braga e Companhia – e constituída pelo Visconde de S. Luiz Braga, Celestino da Silva, António Ferreira Ramos e Miranda e Guilherme da Silveira, tendo este último sido substituído por Adolfo Wadington aquando da sua morte. Guilherme Silveira, a par do Visconde de São Luiz Braga, revelou-se uma figura capital na história deste teatro, uma vez que foi ele quem, em 1892, impulsionou a fundação da sociedade para a construção do teatro do qual foi o primeiro diretor técnico (BASTOS 1947: 306). Apesar da natureza coletiva da Braga e Companhia, era o Visconde quem se encarregava da direção do Teatro, especialmente após a morte de dois sócios, já que poucos anos após a inauguração do teatro restavam do alinhamento original da sociedade apenas o próprio e António Ramos, cujos negócios no Brasil o mantinham afastado do exercício da direção do D. Amélia.

O Visconde de São Luiz Braga, era o “coração daquele [o Teatro D. Amélia] organismo interior, a mola real da complexa e enorme máquina, que carecia toda andar matematicamente equilibrada para poder trabalhar como um instrumento de precisão [...]. Pensava sempre e exclusivamente em tudo quanto se relacionava com o teatro, desde a escolha das peças em si até à mais simples minudência, os mil nadas que juntos constituem o cosmos formidável que se chama o tablado” (NORONHA 1927: 111-112). O seu trabalho era aclamado pela maioria dos críticos e jornalistas, bem como pelo público em geral, em virtude do vasto leque de artistas estrangeiros que trouxe à capital portuguesa e pelo apoio à produção nacional. Contudo, Joaquim Madureira (que, como crítico, assinava Braz Burity) criticava-o severamente, evidenciando o lado mercantil do empresário como um atributo que muitas vezes se revelava negativo, dando apenas ocasionalmente os seus frutos, como no caso da vinda de Antoine a Lisboa para atuar no então Teatro D. Amélia. Madureira reconheceu, no entanto, que “cada um [se] governa neste mundo de mercantilismo e ganância, e S. Luiz Braga tolo seria se, no palco da sua quitanda de seccos e molhados, não tratasse de se governar” (MADUREIRA 1905: 181).

Relativamente ao espaço, Eduardo de Noronha, em Reminiscências do Tablado, oferece-nos uma descrição do que teria sido o edifício original: “A fachada (...) não prima por formosura arquitectónica. Lá dentro o foyer e o Jardim de Inverno impressionaram bem o público. O vestíbulo e a entrada, acanhados, facultam o acesso à ampla escadaria em cotovelo. Do lado do jardim há outra de ferro em meio passo de espiral. A sala do espectáculo não difere sensivelmente das congéneres, a não ser nos dois balcões, na vasta galeria que rodeia quase todo o perímetro […]. O foyer merecera particulares atenções aos dois pintores, que ali puseram toda a sua arte e grácil bom gosto” (NORONHA 1927: 87-88). Após a inauguração – a 22 de maio de 1894, com a ópera cómica de Offenbach, A filha do Tambor-mór, posta em cena pela companhia italiana Gargano –, o D. Amélia rapidamente se tornou um importante centro cultural e artístico da “Lisboa elegante”, que acorria ao Teatro para ver em palco os grandes nomes do teatro europeu, como Sarah Bernardt, Eleonora Duse, Coquelin Cadet, Coquelin Ainé, Gabrielle Réjane, entre muitos outros artistas de renome e companhias notáveis, incluindo o dramaturgo Maeterlinck e o ator e encenador André Antoine, criador do Théâtre Libre. Por vezes, esses grandes artistas chegavam a contracenar com o que de melhor se movimentava no palco português de então, proporcionando, desta forma, “à maioria da população de Lisboa, impossibilitada de viajar, o prazer de admirar certas individualidades de eleição” (NORONHA 1927: 91). Para além desta fervorosa e aclamada atividade teatral, o D. Amélia de S. Luiz Braga abrigava, também, um círculo de artistas e intelectuais – que frequentemente se reuniam no Jardim de Inverno onde “palestraram de dia os críticos, jornalistas, actores, actrizes, amigos da empresa” (NORONHA 1927: 88), entre os quais se destacam Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, Teixeira Lopes, Henrique Lopes de Mendonça, Júlio Dantas, Eduardo Schwalbach, Marcelino de Mesquita e Alfredo Keil. Juntamente com estas tertúlias o Teatro D. Amélia albergou, também, um cinematógrafo, instalado em 1896, bem como bailes de carnaval, coros de companhias de canto, e muitos almoços.

Assim continuou o D. Amélia – nomeado Teatro República em 1910 – durante toda a primeira década do século e até à madrugada de 13 de setembro de 1914, dia em que as chamas consumiram quase todo o edifício e respetivo recheio, bem como parte da sanidade do Visconde de São Luiz Braga, que ficou profundamente abalado com a destruição do seu sonho e esforço. Houve quem referisse o acontecido a uma hipotética “vingança da História” pelo facto de o Diretor o ter renomeado de forma tão expedita logo em 1910, deixando cair o nome D. Amélia, apesar do apoio que a coroa dera ao teatro desde o início.

Apressou-se a reconstrução do República e deu-se a passagem provisória da companhia residente – Rosas & Brazão – para o Teatro S. Carlos, quando todos “se supunham sem tablado, e por consequência sem pão” (NORONHA 1927: 110). A estreia do novo edifício deu-se a 14 de Janeiro de 1916, com Os postiços de Eduardo Schwalbach. O República encheu-se de público, críticos e jornalistas para o verem rejuvenescido e praticamente idêntico ao que fora outrora. Aquando da morte do Visconde, em 1918, o Teatro República vê-se novamente rebatizado, passando a ser o Teatro S. Luiz.

É impossível falar do Teatro São Luiz sem referir a companhia que mais marcou aquele espaço, a Rosas & Brazão que, em 1898, após a rescisão do contrato de exploração que mantinham no Teatro Nacional D. Maria II, foi acolhida, pelo Visconde, sem reservas, juntamente com o seu extenso reportório ensaiado, cenários, guarda-roupa, adereços e profissionais de topo. A estreia da companhia, no ainda Teatro D. Amélia,deu-se a 1 de outubro de 1898 numa festa artística composta por duas comédias: O amigo Fritz, de Émile Erckmann e Alexandre Chatrian, escrita em 1864, e O ditoso fado, de Manuel Roussado, que data de 1872, e com Augusto Rosa, Eduardo Brazão e Rosa Damasceno nos principais papéis. O que restou da companhia após a saída de Eduardo Brazão em 1899, ainda assim, não se esgotava nessas figuras, pois nela se integraram, também, outros artistas entre os quais João Rosa, António Pinheiro, Chaby Pinheiro, Carlos Santos, Ângela Pinto, Lucinda e Lucília Simões, Emília Cândida, Adelina Abranches e Taborda. As principais figuras desta companhia, os irmãos Rosa, em consonância com o Visconde, influenciaram em muito o reportório do D. Amélia durante os anos em que exerceram neste espaço as suas atividades, pelo que foi principalmente constituído por reportório francês, bem como por uma cuidada atenção a originais portugueses.

O dinamismo da sua direção, amplamente reconhecido, não o isentou de críticas relativamente ao modo como tratava os atores, como o fez, com alguma benevolência, Adelina Abranches (ABRANCHES 1947: 194) e como o fez, de modo mais contundente, António Pinheiro (PINHEIRO 1929: 27-29), que apontou o Visconde, inclusivamente, como um dos motivos de decadência do teatro brasileiro (ibidem, 20). Lucinda Simões, citada por António Pinheiro, apresenta o Visconde como uma figura pouco profissional nos primeiros anos da sua carreira, misturando assuntos pessoais e profissionais (ibidem, 21-22), bem como um empresário pouco humano no que tocava ao tratamento dos atores, testemunhando que frequentemente ouvira o Visconde dizer que “os artistas eram como os limões, espremiam-se até deitar suco. E que depois de bem espremidos, deitavam-se para o lado, por inúteis” (ibidem, 25).

Foi Eduardo de Noronha quem, de forma mais entusiástica, resumiu o impacto do Teatro D. Amélia na vida teatral de Lisboa, apontando-o como um espaço de destaque no panorama cultural português por promover os artistas e reportório nacionais, pela passagem pelo seu palco de importantes artistas estrangeiros e pela atenção dada à música que até então tinha só a proteção do Teatro de São Carlos (NORONHA 1927: 116-117). Contudo, este espaço de excelência teatral (e também cinematográfica – recorde-se a exibição acompanhada por uma orquestra, em 1928, de Metropolis de Fritz Lang, num espaço adaptado ao grande ecrã concebido por Leitão de Barros, bem como a estreia, em 1933, da Canção de Lisboa), acabou por entrar em declínio com o decorrer do século XX. Este facto levou a Câmara Municipal de Lisboa, em 1971, a adquirir o espaço de modo a revitalizá-lo através de espetáculos montados pela nova companhia residente, que integrava Eunice Muñoz e que tinha Luiz Francisco Rebello como Diretor, tendo tido por espetáculo de estreia A salvação do mundo, de José Régio, a 29 de novembro desse mesmo ano. Em 1991 o Teatro Municipal São Luiz cedeu parte do seu espaço para acolher o Teatro-Estúdio Mário Viegas e, em 1999, foi dado início às obras de reabilitação do teatro (concluídas em 2001) vindo a reabrir oficialmente a 30 de novembro de 2002.

 

 Bibliografia

ABRANCHES, Aura (1947). Memórias de Adelina Abranches. Lisboa: Edição da Empresa Nacional de Publicidade, pp. 183-187; 191-197.

Anon. (1914). “Incêndio do Teatro da República” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 1286, 20-09-1914, pp.309-310.

BASTOS, António de Sousa (1898). Carteira do Artista. Lisboa : Antiga Casa Bertrand.

___ (1947). Recordações de Teatro. Lisboa: Editorial Século.

___ (1994). Dicionário do Teatro Português. Coimbra: Minerva.

BASTOS, Gloria et. al. (2004). O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República. Lisboa: IPM.

BRAZÃO, Eduardo (1925). Memórias. Lisboa: Empresa da Revista de Teatro.

LOBATO, Gervásio (1894a). “Chronica Occidental” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 555, 21-05-1894, p.122.

___ (1894b). “Chronica Occidental” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 556, 01-06-1894, pp.129-130.

MADUREIRA, Joaquim (1905). Impressões de Teatro: Cartas a um Provinciano e Notas Sobre o Joelho. Lisboa: Ferreira e Oliveira Editores.

NORONHA, Eduardo de (1927). Reminiscências do Tablado. Lisboa: Guimarães Editores.

PICCHIO, Luciana Stegagno (1969). História do Teatro Português. Lisboa: Portugália Editora.

PINHEIRO, António (1929). Contos largos … Lisboa: Tipografia Costa Sanches.

REBELLO, Luiz Francisco (1988). História do Teatro Português. Mem Martins: Publicações Europa-América.

ROSA, Augusto (1915). Recordações da Scena e de Fóra da Scena. Lisboa: Livraria Ferreira.

___ (1917). Memórias e Estudos. Lisboa: Livraria Ferreira.

SANTOS, Vítor Pavão (org.) (1979). A Companhia Rosas & Brasão: 1880-1898. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.

 

Sitiografia

http://www.teatrosaoluiz.pt/

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=189

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro