Espaços

Teatro Nacional de São Carlos

(Rua Serpa Pinto, nº 9 – 1200-442 Lisboa, Portugal)

As obras de construção do Teatro Nacional de São Carlos tiveram início a 8 de dezembro de 1792, por iniciativa e proteção do Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, cujos esforços para a aceleração do processo burocrático que envolvia a fundação do novo espaço encurtaram substancialmente o tempo de construção do edifício.

  Teatro Nacional São Carlos
  Teatro Nacional S. Carlos (fachada), 1940-1980, fot. Estúdio Mário Novais [cortesia da Fundação Calouste Gulbenkian].

A sua inauguração ocorreu a 30 de junho de 1793, com a ópera em dois atos La ballerina amante, de Domenico Cimarosa, seguida do bailado A felicidade lusitana, de Caetano Gioia. Incluído no programa esteve também um elogio cantado, composto por António Leal Moreira, no âmbito das celebrações da gravidez da princesa Carlota Joaquina, a quem foi dedicado o Teatro de S. Carlos, projetado pelo arquiteto José da Costa e Silva, em estilo neoclássico. O Teatro, cujo estatuto híbrido de teatro público e teatro Real o tornava único no panorama português, foi construído com o apoio financeiro de um poderoso grupo de comerciantes lisboetas, para receber grandes produções operáticas num espaço cuja magnificência era digna da Família Real.

Após a destruição da opulenta Ópera do Tejo pelo terramoto de 1755, Lisboa carecia de um espaço digno do espetáculo operático, visto que os teatros públicos de então – como o Teatro do Salitre, o Teatro do Bairro Alto e o Teatro da Rua dos Condes – não reuniam as condições exigidas para um espetáculo deste tipo. Esta necessidade foi suprida com o aparecimento do Teatro de S. Carlos, projeto que surgiu numa conjuntura de ascensão de uma burguesia enriquecida sob a égide pombalina. Financiaram a obra do novo teatro abastados comerciantes como Anselmo José da Cruz Sobral, Joaquim Pedro Quintela, Jacinto Fernandes Bandeira, João Pereira Caldas, António Francisco Machado e António José Ferreira (CRUZ 1992: 10).

A figura de Pina Manique foi também essencial para a construção do teatro, uma vez que persuadiu o príncipe regente a autorizar o início das obras, sob o pretexto de uma homenagem à princesa Carlota Joaquina, esposa do futuro D. João VI, que esperava um filho. Foi atribuída ao S. Carlos uma dimensão de solidariedade social, uma vez que faria parte integrante da Casa Pia, justificando assim o seu financiamento. Foi o decreto do príncipe regente de 28 de abril de 1793 que concedeu a autorização oficial para a construção do novo teatro, colocado sob a administração da Intendência da Polícia, mas cuja exploração foi posteriormente entregue a empresários (CARVALHO 1993: 53).

Os primeiros empresários a explorarem o S. Carlos foram Francisco António Lodi e André Lenzi, que aí exerceram funções desde a abertura do teatro até 1799. As temporadas sob a responsabilidade desta dupla foram recordadas por Sousa Bastos como "brilhantes pelo esplendor com que as óperas foram postas em cena", bem como pela qualidade dos artistas estrangeiros que, sob a égide destes dois empresários, marcaram presença no teatro (BASTOS 1898: 795). Empresário de destaque foi também o Conde de Farrobo (em funções entre 1838-40), filho do Primeiro Barão de Quintela, que ofereceu ao S. Carlos "um período de grande esplendor artístico, reflexo do bom gosto e da cultura musical" deste benemérito das artes (MOREAU 1999: 60). O teatro foi comprado pelo estado português em 1854, por iniciativa de Fontes Pereira de Melo, por ser "vantajoso que o teatro não pertencesse a um particular, debaixo do ponto de vista da arte e da conservação do edifício" (BENEVIDES 1993: 250).

No espetáculo de inauguração, a 30 de junho de 1793, a família real fez-se acompanhar de toda a corte para assistir à representação de La ballerina amante, de Domenico Cimarosa, seguida de um bailado e de um elogio cantado, tendo este último sido composto pelo maestro que dirigiu o espetáculo, António Leal Moreira, que foi também o primeiro maestro-diretor do S. Carlos, desde a sua abertura até 1800, ano em que foi substituído por Marcos Portugal.

Aquando da sua inauguração, o S. Carlos era um espaço único na capital, não apenas pela sua dimensão, magnificência e boas condições de funcionamento, mas também por ser um espaço concebido especificamente para a representação de teatro lírico. Todavia, uma característica que o tornava ainda mais especial era o seu estatuto híbrido de teatro público — qualquer cidadão pagante seria admitido quando se apresentava vestido a rigor — com uma função representativa da coroa portuguesa (CARVALHO 1993: 54). Este hibridismo, prova das transformações sociais da época, apresentava-se como uma marca clara do esbatimento da distância entre a burguesia e a aristocracia, possibilitando a socialização entre estas duas classes. Deste modo, o S. Carlos representava para a alta burguesia "o símbolo da sua própria ascensão", uma vez que "eram os grandes negociantes quem fazia construir um teatro que exteriormente não se distinguia da cidade burguesa, mas em cujo interior a corte recebia um exagerado lugar de honra e que o rei passava a utilizar desde esse momento como único teatro da corte" (CARVALHO 1999: 59).

O espaço original — edificado à semelhança do Teatro di San Carlo de Nápoles, consumido pelo fogo em 1816 — foi projetado pelo arquiteto José da Costa e Silva. As obras de edificação foram concluídas em apenas seis meses com um custo total de 165,845$196 réis (CRUZ 1992: 14), dando origem a uma sala de espetáculos com atributos técnicos perfeitos, de forma elíptica e com cinco planos de espectadores — um primeiro piso composto por plateia e frisas, camarotes de 1ª, 2ª e 3ª ordem, e um último piso com varandas e torninhas. Uma sumptuosa tribuna real, da autoria de Giovanni Maria Appiani, concluída em 1821, erguia-se ao centro da sala, no lado oposto ao palco, ocupando parte dos três pisos que compreendem a área dos camarotes. Esta sala foi inicialmente dotada de um mobiliário pouco confortável que foi, mais tarde, substituído por verdadeiras cadeiras (CRUZ 1992: 20). Ainda hoje a sala apresenta tanto uma visibilidade como uma acústica bastante boas, apesar das modificações levadas a cabo na estrutura original do edifício (1878-79), que encurtaram o palco em cerca de dois metros para ampliar a plateia, afetando a acústica original. O edifício primitivo era composto também pelo Salão das Oratórias — atualmente Salão Nobre —, concluído em 1796 e "comummente utilizado em recepções, exposições, concertos e mesmo em espectáculos de ópera de câmara" (CRUZ 1992: 25), bem como por botequins, oficinas, uma sala de bilhar, arrecadações, salas de ensaio e biblioteca. Muitas destas salas têm hoje um papel distinto do que fora o seu inicial e outras foram anexadas ao Salão Nobre, expandindo-o.

O edifício – ampliado em 1888 pela integração de um edifício contíguo para acolher camarins, salas de ensaio e outras divisões direcionadas ao funcionamento do teatro (CRUZ 1992: 80) – apresenta uma fachada simples, no estilo neoclássico, que “evidencia grande sobriedade e equilíbrio: três arcadas frontais e duas laterais, em cantaria, são cobertas por uma espaçosa varanda […] constituindo a loggia por onde se faz o acesso principal ao interior do Teatro” (ibidem: 25). A elegante aparência inicial do átrio foi transformada pelas obras de 1906, a cargo de Ventura Terra, que fizeram desaparecer a pintura da queda de Faetonte, elaborada por Cyrillo Volkmar Machado. Na estrutura original os arcos do pórtico estavam fechados por meio de portas de ferro que se abriam apenas em noites de espetáculo, característica alterada na década de 1930, altura em que se realizou uma extensa remodelação para a qual foi necessário o fecho do teatro. Para além deste encerramento temporário (1936-40), registam-se outros dois: o primeiro, devido à Guerra Civil (1828-34), e um outro decretado pelo Governo (1912-20). As já referidas obras de restauro ficaram a cargo do arq. Guilherme Rebello de Andrade — por iniciativa do então ministro das Obras Públicas, o eng. Duarte Pacheco — e vieram dotar o S. Carlos da “beleza e do conforto que ele nunca possuíra” (MOREAU 1999: 182), abarcando o átrio, a escadaria, o Salão Nobre, a plateia, os camarotes, o fosso da orquestra e o palco, que foi reforçado.

A iluminação original era feita por meio de velas de sebo, colocadas em lustres e candelabros distribuídos por todo o edifício. A sua utilização era desagradável devido ao cheiro e fumo que produziam. Estas velas foram posteriormente substituídas por umas inodoras e permaneceram, juntamente com um grande lustre central de candeeiros de azeite instalado em 1819, a única fonte de iluminação do teatro até 1850, ano em que foi instalada a iluminação a gás. A luz elétrica chegou ao S. Carlos em 1885, por meio de um complexo processo de adaptação que demorou um ano a completar. A iluminação elétrica, contrariamente à antiga iluminação, era incapaz de manter a sala a uma temperatura agradável (CRUZ 1999: 27-29), o que motivou o eng. António Teixeira Júdice a criar uma máquina que insuflava ar quente para dentro da sala (ibidem: 29).

Para além do espetáculo operático, o S. Carlos albergou também oratórias e concertos – de entre muitos, destaca-se a presença de Franz Liszt, em 1845 – bem como bailados e teatro declamado. No teatro declamado destaca-se a passagem de Sarah Bernhardt e a sua companhia, em novembro de 1895. Relativamente aos bailados, registe-se a passagem da companhia Bolshoi, da Royal Ballet e da Ópera de Paris. Mais recentemente passaram pelo S. Carlos notáveis intérpretes do espetáculo operático entre os quais se destacam Maria Callas, Renata Tebaldi, Placido Domingo, Alfredo Kraus e Monserrat Caballé.

 

Bibliografia

Anon. (1940). Cenários do Teatro São Carlos. Publicação do Ministério da Educação Nacional. Lisboa: M.E.N.

BENEVIDES, Francisco Fonseca (1993). O Real Teatro de São Carlos de Lisboa, 3 vols. Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do livro.

BRITES, Sara (2011). Gestão dos Corpos Artísticos no Teatro Nacional de São Carlos. Relatório de Estágio da Licenciatura em Estudos Artísticos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

CARVALHO, Mário Vieira de (1993). Pensar é morrer ou O Teatro de São Carlos. Lisboa: IN-CM.

COSTA, Joel (1993). Teatro de São Carlos. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.

CRUZ, Manuel  Ivo (1992). O Teatro Nacional de S.Carlos. Porto: Lello Editores.

MACHADO, Júlio César (2002). Os Teatros de Lisboa. Lisboa: Frenesi.

MOREAU, Mário (1999). O Teatro de S. Carlos: Dois séculos de história, 2 vols. Lisboa: Hugin Editores.

NORONHA, Eduardo de (1945). O Conde de Farrobo. Lisboa: Romano Tôrres.

SEABRA, Augusto M. (1993). Ir a S. Carlos. Lisboa: Correios de Portugal.

SOUSA BASTOS, António (1898). Carteira do artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português. Lisboa: Imp. Libânia da Silva (há uma edição fac-similada de 1994, Coimbra: Minerva).

TRINDADE, Arthur (1910). O Theatro São Carlos. Lisboa: Empresa da História de Portugal.

 

Sitiografia

http://www.saocarlos.pt/ 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=195

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro