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Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro

(1921-1974)

Criada pelo casal Amélia Rey Colaço e Manuel Robles Monteiro, ambos discípulos de Augusto Rosa (1852-1918), esta foi das mais importantes companhias da história do teatro português, particularmente do século XX.

  Rey Colaço-Robles Monteiro
  Robles Monteiro e Amélia Rey Colaço recém-casados, Foto Brasil, 1921 [MNT].

A sua primeira apresentação foi a polémica Zilda, de Alfredo Cortez, no Teatro Nacional S. Carlos, que imediatamente os demarcou da companhia do Teatro Nacional, de onde ambos haviam saído para criar esta nova empresa. Oito anos depois, em 1929, a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro ganhou o concurso de exploração do Teatro Nacional, onde ficaram – entre sucessos e fiascos, épocas de ouro e dificuldades económicas – 35 anos, até ao incêndio de 1964 que quase destruiu aquele edifício. Pela companhia passaram os principais nomes da cena portuguesa da primeira metade do século XX (Ângela Pinto, Palmira Bastos, Samwell Diniz, Raul de Carvalho) e lá se iniciaram atrizes e atores que marcaram a segunda metade (como Eunice Muñoz, Carmen Dolores, João Perry, João Mota). Depois de 53 anos de existência da companhia, Amélia Rey Colaço deu por terminado o longo percurso deste projeto e a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro foi extinta em maio de 1974.

A 18 de junho de 1921 apresentou-se ao público, pela primeira vez, uma nova companhia dramática: a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. O nome era inequívoco: o público da época estava familiarizado com a jovem atriz Amélia Rey Colaço, cujo percurso teatral havia sido iniciado auspiciosamente em 1917, e com o também ator Robles Monteiro, seu marido, ambos discípulos de Augusto Rosa. O projeto pretendia romper com o conservadorismo da cena teatral portuguesa, epitomizado pelo Teatro Nacional, que parecia prisioneiro do naturalismo reinante, debatendo-se com a falta de meios (humanos e económicos) viáveis para produções de qualidade. Era precisamente na companhia do Nacional que o casal de atores havia estado na época anterior, de 1920-21, como societários. A apresentação de Zilda, de Alfredo Cortez, com Amélia no papel principal, em março de 1921, havia desencadeado conflitos no interior da companhia, sobretudo pelo não-convencionalismo e pelo caráter desafiador da peça, o que em muito piorou as pequenas guerras de vaidades recorrentes no Nacional. E, embora tendo o aval da crítica – que via em Zilda um sinal de modernismo – e o interesse do público, a peça acabou por ser retirada de cena por ser considerada “moralmente condenável”. Foi a escolha ideal de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro para a estreia da sua própria companhia, apenas três meses depois, no Teatro Nacional S. Carlos.

O projeto contou desde logo com o apoio de António Pinheiro, que, inclusivamente, encenou os primeiros espetáculos da companhia, apresentados no S. Carlos até ao final de 1921. Depois de Zilda, a escolha recaiu sobre Marianela, adaptação dos Irmãos Quintero da peça de Pérez Galdós, o espetáculo onde com tanto sucesso Amélia se tinha estreado como atriz em 1917. As encenações de António Pinheiro e a interpretação de Amélia e Robles foram constantes nesta fase. E foi também durante este tempo que o bom gosto de Amélia se afirmou, aplicado aos figurinos e aos cenários que a pouco e pouco foram ganhando fama e atraindo público às apresentações.

Terminado o seu tempo no S. Carlos no final de 1921, os primeiros meses de 1922 foram passados em tournée, com uma estadia no Porto, onde, paralelamente, aceitaram o convite para participar numa adaptação cinematográfica de O primo Basílio, de Eça de Queiroz, estreada em 1923. Regressaram a Lisboa para se fixarem no Teatro Politeama, onde ficaram cerca de quatro anos, até ao verão de 1926. Seguiu-se o Teatro do Ginásio, que os acolheu na época de 1926-27, e o Trindade em 1928-29. Pelo meio, algumas apresentações no Porto e tournées às ilhas (Madeira e Açores) e ao Brasil. Até que, em 1929, Amélia e Robles se candidataram à exploração do Teatro Nacional (na altura, Teatro Almeida Garrett, só regressando ao nome original de D. Maria II em 1939). Fizeram-no apesar das condições pouco apelativas do concurso, que era bastante exigente quanto à concretização da função de um Teatro Nacional, e aos custos a isso associados, oferecendo em troca poucos e pobres apoios. A exploração foi-lhes adjudicada e, a 30 de dezembro de 1929, a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro estreou-se no palco do Nacional com Peraltas e sécias, peça de Marcelino Mesquita.

O profissionalismo da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro e o requinte das produções apresentadas contrastaram profundamente com a indisciplina e o desprestígio que tinham marcado até então as produções do Nacional. Não foi surpreendente, portanto, o tom laudatório da generalidade das críticas e o entusiasmo do público que acorria àquele teatro. E não foi surpreendente, também, a renovação sucessiva do contrato de exploração, mesmo após o fascínio inicial ter passado e a crítica se ter tornado mais exigente. A verdade é que enfrentaram também fases de difícil equilíbrio financeiro, o que os levou a vários pedidos de revisão das condições do contrato e de ajuda financeira ao governo, tendo Amélia feito alguns apelos diretos a Salazar. Conseguiram, durante a década de 30, construir um repertório nacional apresentando 116 peças portuguesas, das quais 63 em estreia. Nas décadas seguintes a companhia procurou levar à cena grandes autores contemporâneos que já há muito ocupavam os palcos estrangeiros, como Eugene O’Neill, Pirandello, Anouilh, Cocteau, Miller, Dürrenmatt, Ionesco e Lorca, entre outros. Mas o desejo de trabalhar autores modernos, estrangeiros e nacionais (como José Régio, Ramada Curto, Santareno, Rebello) era dificultado – e muitas vezes impedido, como com Sttau Monteiro e Brecht – pela censura, exigindo uma enorme capacidade de negociação e diplomacia da parte de Amélia e de Robles Monteiro. Esta foi uma constante ao longo da vida da companhia, cujo percurso “resume paradigmaticamente a história do teatro português sob o fascismo – no que fez, no que não fez e no que não lhe foi permitido fazer” (REBELLO 2000: 137). Realizou digressões pela província (é exemplo o Grupo dos Cinco, composto por Amélia, Robles, Palmira Bastos, Maria Clementina e Raul de Carvalho, que percorreu o país com várias apresentações a partir de julho de 1934), encenou grandes espetáculos ao ar livre (foram marcantes o Auto de Santo António (1934), no Adro da Sé de Lisboa, a Castro (1935), no Mosteiro de Alcobaça, e Sonho de uma noite de verão (1944) no Parque de Palhavã, atual Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian) e organizou ciclos de conferências no Nacional, convidando oradores portugueses e estrangeiros, e procurando desenvolver um plano cultural bastante mais abrangente que a arte teatral. A companhia protagonizou alguns momentos marcantes do teatro em Portugal, como a estreia mundial de Um sonho, mas talvez não (1931), de Luigi Pirandello, com presença do autor; a utilização de uma placa giratória no palco pela primeira vez no país, em D. Sebastião (1933), de Tomaz Ribeiro Colaço; a estreia mundial de O padre Setúbal (1940), de Maeterlinck, escrita propositadamente para a companhia.

Amélia, além da interpretação (onde brilhava, recolhendo geralmente críticas positivas e ganhando um público fiel), foi responsável pela escolha de repertório, pela distribuição de papéis e, na maioria dos espetáculos, também pela montagem e decoração, que gozava de uma atenção especial, e cujo requinte se tornou quase estandarte da companhia. Robles Monteiro, embora sempre participando como ator na primeira fase, foi assumindo outras funções como a marcação das peças e o ensaio dos espetáculos, além do trabalho de gestão da companhia, encarregando-se do trabalho administrativo (após a sua morte, em 1958, Amélia dedicou-se também as estas tarefas, em detrimento da participação como atriz, e partilhou a direção do grupo com Mariana Rey Monteiro, filha de ambos e também atriz da companhia). Assinaram, em conjunto, muitas das encenações, tendo outras delas ficado a cargo de elementos convidados, como António Pinheiro, Luca de Tena, Meyenburg, Henriette Morineau, Varela Silva. E outras colaborações se traçaram para os cenários e figurinos, tendo Amélia convidado para o efeito artistas como Domingos Rebelo (O milhafre, 1927), Almada Negreiros (Actualidades X.P.T.O., 1927, e Dulcineia ou a última aventura de D. Quixote, 1944, entre outros), Stuart Carvalhais (A severa, 1931), Luigi Manini (Frei Luís de Sousa, 1932) e, de forma quase constante a partir dos anos 40, Lucien Donnat.

O elenco da companhia reuniu intérpretes com vários anos de experiência e reconhecimento público, mas também novos intérpretes. No primeiro caso, podemos citar Ângela Pinto, que com eles fez as suas últimas aparições em palco, Palmira Bastos, que integrou a companhia até ao final da sua carreira e encenou alguns dos espetáculos, Maria Clementina, Emília de Oliveira, Nascimento Fernandes, Samwell Diniz, Lucília Simões. Entre os novos que aqui tiveram a sua principal formação e lançaram as suas carreiras, podemos referir Raul de Carvalho, Maria Lalande, Álvaro Benamor, Augusto Figueiredo, Eunice Muñoz, Carmen Dolores e José de Castro. A coesão do elenco e a disciplina dos seus elementos foi uma das apostas de Amélia e Robles, como o comprova o exigente Regulamento dos ensaios e espetáculos (1965).

A presença da companhia no Teatro Nacional foi abruptamente interrompida com o incêndio de 2 de dezembro de 1964 que, embora tendo ocorrido durante a noite e não deixando vítimas, destruiu por completo o edifício e todo o espólio da companhia (figurinos, cenários, mobiliário, adereços), um espólio acumulado em 43 anos de atividade. Como prova de determinação e força, a 15 de dezembro (apenas doze dias depois), a companhia apresentou Macbeth, o espetáculo que estava em cena aquando do incêndio, no Coliseu dos Recreios, sem cenários e de luto. Para poder cumprir a concessão, a companhia arrendou o Teatro Avenida onde, após obras de recuperação (que implicaram empréstimos e dívidas pesadas que pairaram sobre a companhia e concretamente sobre Amélia durante anos), apresentaram a 6 de fevereiro de 1965 O motim, de Miguel Franco, com a presença do Presidente da República. Não foi surpreendente, poucos dias depois, a proibição do espetáculo e a relativa desorientação que marcou o grupo nos tempos seguintes, agravada em 1967 com outro incêndio no Avenida, quando representavam a peça de Pinter Feliz aniversário. A companhia passou então para o Teatro Capitólio – no Parque Mayer –, onde ficou de 1968 a 1970 (altura em que outro incêndio deflagrou quando tinham em cena Equilíbrio instável, de Edward Albee) e, de seguida, para o Teatro da Trindade, onde a companhia ficou de 1971 a 1974, partilhando a temporada com uma companhia de ópera e opereta, o que limitou os espetáculos a dois ou três por temporada. As crescentes dificuldades financeiras, acompanhadas por uma crítica pouco favorável e algum desinteresse do público, levaram Amélia a encerrar a companhia em maio de 1974, após 53 anos de atividade – um longo percurso de enorme responsabilidade, que mesmo as vozes mais críticas consideravam como tendo sido a companhia que “manteve aceso o único farol de luz decente” (António Pedro apud SANTOS 1989b: 213) e a quem “se devem os progressos que o teatro português possa ter atingido nos últimos anos” (Jorge de Sena apud SANTOS 1989b: 71).

 

Bibliografia

BARROS, Júlia Leitão de (2009). Fotobiografias século XX: Amélia Rey Colaço. Lisboa: Círculo de Leitores.

COLAÇO, Amélia Rey (1967). “Recordação de Pirandello” in Estudos Italianos em Portugal, nº28 (separata). Lisboa: Instituto Italiano de Cultura.

MARQUES, Paulo (2008). Amélia Rey Colaço: a Imperadora (1898-1990). Lisboa: Parceria A. M. Pereira Livraria Editora/Público.

REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.

___ (2010). Três espelhos: uma visão panorâmica do teatro português do Liberalismo à Ditadura (1820-1926). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO, Empresa (1949). Vinte anos no Teatro Nacional Dona Maria II (1929-1949). Lisboa: Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro.

___ (1965). Regulamento dos ensaios e espectáculos. Lisboa: Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro.

SANTOS, Vítor Pavão dos (1989a). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974) [exposição imaginada e organizada por Vítor Pavão dos Santos]. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura/Museu Nacional do Teatro.

___ (1989b). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974): Correspondência [selecção e notas de Vítor Pavão dos Santos]. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura/Museu Nacional do Teatro.

SENA, Jorge de (1988). Do teatro em Portugal. Lisboa: Edições 70.

 

Consultar a ficha de instituição na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Instituicao&ObjId=5759

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro