Rosas & Brazão
(Lisboa, 1880-1898)
O grupo Rosas & Brazão, que recebeu o nome dos empresários e atores João Rosa, Augusto Rosa e Eduardo Brazão, foi responsável pela exploração do Teatro Nacional durante quase vinte anos, marcando o modo de fazer teatro no Portugal de finais do século XIX.
Houve, associada a esta companhia, uma modernização das práticas teatrais, que derivava do cuidado empregue na preparação dos espetáculos. A cenografia ganhou especial relevo (com uma importante colaboração de Luigi Manini) e a escolha de repertório foi significativa. De facto, além de impulsionadores da dramaturgia nacional levando à cena textos portugueses de autores estreantes, foram também responsáveis pelas primeiras representações de Shakespeare em Portugal, em língua portuguesa. A dissolução do grupo aconteceu pouco tempo após o impedimento de continuar a explorar o Teatro Nacional, tendo a sua última época teatral sido apresentada já no Teatro D. Amélia, em 1898.
O nome Rosas & Brazão engloba, além da companhia de teatro registada em 1893, outros grupos – ou, antes, variações do mesmo grupo – cujo núcleo foi constituído por três atores considerados de excelência na sua geração: Augusto Rosa, João Rosa e Eduardo Brazão. Deste modo, é aceite que esta designação engloba também o que terá sido o grupo precursor da Rosas & Brazão, já em 1880: a Sociedade de Artistas Dramáticos Portugueses, associada à empresa com o nome Brazão, Rosas e C.ª. Este grupo, constituído com o objetivo de se candidatar à exploração do Teatro de D. Maria II (frequentemente designado Teatro Normal) entre os anos de 1880 e 1883, tinha como societários Augusto e João Rosa, Eduardo Brazão, Carolina Falco, Emília dos Anjos, Emília Cândida, Virgínia Dias da Silva, Rosa Damasceno e Pinto de Campos.
Além dos referidos artistas societários, fizeram ainda parte deste grupo os atores contratados (/escriturados) Joaquim de Almeida, César de Lacerda, Augusto Antunes, entre outros. Juntaram-se-lhes, na qualidade de sócios ou escriturados, António Pedro (1882), Ferreira da Silva (1889), Chaby Pinheiro (1891), Lucinda do Carmo (1892), Lucinda Simões (1893) e Taborda (1894), para referir apenas alguns dos mais conhecidos.
Ao fim de doze épocas de exploração consecutiva do D. Maria, o acumular de tensões internas levou a uma reformulação da companhia. Por escritura de 28 de maio de 1893, constituiu-se uma nova empresa denominada Rosas & Brazão, tendo como sócios únicos os irmãos Augusto e João Rosa e Eduardo Brazão, passando os restantes atores do coletivo a escriturados. Foi este último nome que acabou por predominar, designando genericamente o coletivo existente desde 1880. O Teatro Normal foi-lhes mais uma vez adjudicado até à época de 1897/1898.
A colaboração, desde 1880, do cenógrafo italiano Luigi Manini (e, mais tarde, do seu sucessor Augusto Pina) e do figurinista Carlos Cohen, marcaram indelevelmente o estilo deste grupo, ambos orientados pela sensibilidade do próprio Augusto Rosa. O investimento estético nos espetáculos era reconhecido até pelos mais críticos, sendo pautado pelo estudo a que os dramas históricos obrigavam, pelo requinte da decoração de cena e pela riqueza dos materiais (algumas vezes vindos de Paris). A companhia instituiu a prática de pintura de novos cenários e de confeção de um guarda-roupa para cada novo espetáculo (diferente, portanto, do que acontecia antes, quando se reaproveitavam os materiais de espetáculo para espetáculo, fazendo-se alarido quando uma cena fosse nova).
A ação da Rosas & Brazão é referida como tendo contribuído para o desenvolvimento da dramaturgia nacional ao apresentar ao longo dos seus dezoito anos de atividade sessenta peças de vinte e sete autores portugueses, entre os quais alguns estreantes. O contrato de exploração do Teatro Nacional de D. Maria assinado em 1882 estipulava representações de textos de Gil Vicente, Almeida Garrett, Molière, Victor Hugo e Shakespeare – condição assumida pela empresa e impulsionada por Eduardo Brazão, tendo sido apresentadas pela primeira vez em Portugal e em língua portuguesa, por uma companhia profissional, as seguintes peças de Shakespeare: Othelo em 1882, Hamlet em 1887 e A fera amansada em 1896, até então só apresentadas por companhias estrangeiras.
Há quem veja nesta companhia uma precursora das práticas modernas do teatro na procura de uma unidade de estilo e de uma dinâmica global do espetáculo. Chegam, porém, até nós relatos que apontam ainda para antigas práticas de vedetismo romântico: dispensa dos ensaios, monopolização dos “papéis de apetecer”, etc. Outros relatos indicam, contudo, uma modernização, referindo a preparação cuidadosa de cada espetáculo e a distribuição rotativa dos papéis (atores de primeiro plano passam a desempenhar papéis secundários).
O paradigma de teatro da Rosas & Brazão era a Comédie Française, onde se iam comprar mise-en-scènes (peças com as marcações já feitas) recém-estreadas. Neste género, um dos sucessos da companhia foi A sociedade onde a gente se aborrece, de Édouard Pailleron, estreado em 1881 para a “burguesia triunfante de Lisboa” e para o próprio Rei D. Luís, assíduo frequentador do D. Maria e tradutor de teatro. Mesmo no seu melhor, este público não bastava para justificar mais de quatro dias de espetáculo por semana, tornando-se uma importante fonte de rendimento as digressões ao Porto e ao Brasil.
No reportório da fase final da Rosas & Brazão nota-se uma apetência pelo teatro simbolista e pelo novo teatro naturalista. No espetáculo João José, de Joaquim Dicenta, estreado em 1896, podemos ver uma tentativa de abordagem de temas mais afins do naturalismo, fugindo-se deliberadamente quer aos dramas históricos que marcaram uma fase do repertório da companhia (entre 1886 e 1892, possível resposta às frustrações provocadas pelo Ultimatum inglês), quer aos “problemas elegantes” do teatro de boulevard.
Em setembro de 1897, foi indeferido o pedido de prorrogação do prazo de exploração do Teatro de D. Maria pela Rosas & Brazão. Antes da inauguração da nova época de 1897- 1898, saíram Virgínia Dias da Silva, Ferreira da Silva (seu marido) e Augusto Melo - os quais viriam a integrar o coletivo que sucedeu à Rosas & Brazão na exploração do Teatro. Num decreto relativo ao novo programa de candidatura à concessão do D. Maria, publicado em agosto de 1898, um dos artigos proibia que artistas aposentados do antigo Teatro Normal fossem admitidos na nova sociedade artística. Era o caso de João Rosa. A companhia mudou-se a 13 de outubro de 1898 (levando consigo cenários, guarda-roupa, mobiliário, etc.) para o Teatro D. Amélia, onde apresentou o seu reportório durante uma época, ao fim da qual saiu Eduardo Brazão. A Rosas & Brazão acabou por se dissolver. Os irmãos Rosa e alguns elementos da antiga companhia continuaram a apresentar espetáculos no D. Amélia cujo empresário era o Visconde São Luiz Braga.
Às acusações de que a companhia era pouco sensível a inovações que se faziam no teatro com Antoine, Stanislavski e com os dramaturgos que iam surgindo na Europa de então, como Ibsen, Strindberg, Oscar Wilde, Bernard Shaw ou Tchekov, Augusto Rosa deixa-nos uma frase em que circunscreve toda esta realidade a “vanguardas que então mal se divisavam” (ROSA 1915: 198).
Bibliografia
BASTOS, Sousa (1947). Lisboa velha, sessenta anos de recordações (de 1850 a 1910). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.
BRAZÃO, Eduardo (1925). Memórias de Eduardo Brazão que seu filho compilou e Henrique Lopes de Mendonça prefacia. Lisboa: Empresa da Revista de Teatro, Lda.
FLOR, João Almeida (1985). «Shakespeare, Rosas & Brazão», in Miscelânea de estudos dedicados a Fernando de Mello Moser. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, p. 233-246.
REBELLO, Luiz Francisco (1984). 100 anos de teatro português (1880 – 1890). Porto: Brasília Editora.
ROSA, Augusto (1915). Recordações da scena e fóra da scena. Lisboa: Livraria Ferreira.
SANTOS, Vítor Pavão dos (Org.) (1979). A companhia Rosas & Brazão 1880 – 1898 (catálogo da exposição organizada pelo Museu Nacional de Teatro). Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.
SCHWALBACH, Eduardo (1944). À lareira do passado – memórias. Lisboa: Edição do Autor.
SEQUEIRA, Matos (1955). História do Teatro Nacional D. Maria II (publicação comemorativa do centenário 1846 – 1946). Lisboa.
Consultar a ficha de instituição na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Instituicao&ObjId=7761
Consultar imagens no OPSIS:
Cláudia Oliveira/Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro