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Teatro de Sempre

(1958-1959)

Criado a partir da empresa Laura Alves em 1958, o Teatro de Sempre surgiu com o objetivo de levar à cena textos ainda desconhecidos do público português mas reconhecidamente importantes para o teatro a nível mundial.

  Teatro de Sempre
  Programa O Gebo e a sombra, Teatro de Sempre, 1958 [cortesia do Museu Nacional do Teatro].

Como tal, sob a direção artística de Gino Saviotti, foram apresentadas peças de Goldoni, Pirandello e Raul Brandão, entre outros – aproveitando alguma latitude permitida pelos critérios mais leves de censura e o surgimento de uma tendência experimental no teatro português. Apesar da sua curta duração (extinguiu-se ao final de uma temporada, em 1959), o Teatro de Sempre contou com a colaboração de atores centrais da cena nacional como Carmen Dolores, Rogério Paulo, Adelina Campos ou Fernanda Alves.

A Companhia do Teatro de Sempre, embora projetada para pelo menos três anos, funcionou apenas durante a temporada de 1958-59, no Teatro Avenida, beneficiando ainda do abrandamento da censura verificado no final daquela década, em grande medida devido à proximidade das eleições presidenciais e às causas e efeitos da congregadora candidatura oposicionista de Humberto Delgado. Esta conjuntura revelou-se favorável à encenação, por profissionais, de peças que o salazarismo mantinha proibidas havia muito tempo, como Seis personagens à procura de autor (1921) e O Gebo e a sombra (1923), que tinham podido subir à cena em Portugal somente na década de 20, pela companhia italiana de Dario Niccodemi no Teatro Politeama (1923) e pela Companhia Alves da Cunha no Teatro Nacional (1927), respetivamente. Estas duas peças – a de Brandão no segundo espetáculo (estreia a 5 de dezembro de 1958) e a de Pirandello no quinto (estreia a 3 de abril de 1959) – constituíram os pontos altos do programa do Teatro de Sempre, que teve início com O mentiroso (1750), de Carlo Goldoni (estreia a 31 de outubro de 1958), texto até então inédito entre nós, também adequado ao propósito da Companhia de “dar ao público novo o conhecimento das várias formas representativas, desde os meados do século XVIII até ao fim da Primeira Guerra Mundial”, conforme os objetivos do projeto de candidatura aos subsídios do Fundo de Teatro. Para além das inovações formais que introduziram nas dramaturgias dos respetivos países (em todos os casos recusando o postulado da Poética de Aristóteles e propondo novos modos de olhar e entender a palavra/o texto e a interpretação), no caso dos italianos com repercussões à escala mundial, aquelas três peças tinham em comum preocupações do foro social, distintas mas ajustáveis ao contexto histórico, consentâneas com as motivações de vários membros do grupo.

O conjunto de seis espetáculos montados na temporada foi completado por três comédias de costumes (a primeira beneficiando do êxito de sucessivas adaptações ao cinema e as restantes, portuguesas, de estrutura frágil e abordagem temática convencional), dificilmente adequadas a um reportório que pretendia mostrar o “teatro de sempre” (pretensão que, de resto, baptizou a Companhia): O fim do caminho (1920, com o título original de Smilin’ Through), de Alan Langdon Martin, pseudónimo da parceria criativa constituída por Jane Murfin e Jane Cowl (estreia a 10 de janeiro de 1959); Marido em rodagem (1959), de Henrique Santos (estreia a 6 de fevereiro de 1959); e Fachada (1959), de Laura Chaves (estreia a 18 de maio de 1959).

Uma curiosa iniciativa editorial, paralela à estreia dos espetáculos, conduziu à publicação das cinco primeiras peças na coleção “Reportório do Teatro de Sempre” (a de Laura Chaves manteve-se inédita), expressamente criada sob a chancela técnica da casa Contraponto, que também integrou O mentiroso, Seis personagens à procura de autor e O Gebo e a sombra na sua coleção “Teatro no Bolso” (respetivamente, com os números 5, 7 e 9).

A Companhia do Teatro de Sempre foi criada por iniciativa da Empresa Laura Alves, com administração e gerência entregues ao também empresário Giuseppe Bastos e direção artística confiada a Gino Saviotti, diretor do Instituto Italiano de Cultura e professor do Conservatório Nacional, responsável por quatro das seis encenações (as restantes, de Marido em rodagem e Fachada, foram assinadas por Henrique Santos). O elenco integrou um grupo de atores com diferentes percursos artísticos, desde jovens profissionais (Catarina Avelar, Fernanda Alves, Mário Pereira ou o estreante Armando Caldas) a figuras reconhecidas que haviam passado pelo Teatro Nacional (Samwel Diniz, Adelina Campos, Henrique Santos, Madalena Sotto), destacando-se, neste último grupo, pelo seu “muito prestígio” (lê-se no projecto da Companhia), Rogério Paulo e Carmen Dolores (foram, de resto, os únicos atores que participaram nos seis espetáculos). Redondo Júnior e Grazia Maria Saviotti, nas traduções, ou, para além desta última, com o pseudónimo de Graz, também Manuel de Oliveira, Fernando Ramalho ou Reinaldo Martins, na realização plástica do espetáculo, foram alguns dos que ali prestaram colaboração. É possível que, apesar do apoio do Fundo de Teatro, as dificuldades financeiras tenham estado na base da prematura extinção do Teatro de Sempre, companhia que, todavia, fica grafada na historiografia teatral portuguesa por ter devolvido ao público, no difícil contexto da ditadura salazarista, alguma dramaturgia “de sempre”.

 

Fontes

MNT (Museu Nacional do Teatro), Fundo de Teatro, Pasta Nº 80 (“Expediente das Empresas Subsidiadas, Empresa Laura Alves”). 

Bibliografia

DOLORES, Carmen (1958). “Carta de Carmen Dolores para Robles Monteiro” (s.d)”, in Vítor Pavão dos Santos (selecção e notas) (1989). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974): Correspondência. S.l: Secretaria de Estado da Cultura/ Museu Nacional do Teatro, pp. 113-114.

___ (1984). Retrato inacabado: memórias. Lisboa: O Jornal.

FALCÃO, Miguel (2008). “Companhia do Teatro de Sempre: No cinquentenário de uma temporada ‘única’” in Sinais de Cena n.10. APCT / CET, pp. 121-129.

PAULO, Rogério (1958). “Carta de Rogério Paulo para Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro” (26 de Setembro)”, in Vítor Pavão dos Santos (selecção e notas) (1989). A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974): Correspondência. S.l: Secretaria de Estado da Cultura/ Museu Nacional do Teatro, pp. 134-136.

SAVIOTTI, Gino (1959). “Gino Saviotti fala à Plateia: “Queremos fazer um teatro para todos os públicos”, Plateia, 1 de Janeiro, p. 22.

___ (1958). “Como encenei o Gebo e a sombra” in O Gebo e a sombra, Raul Brandão, Coleção Reportório do Teatro de Sempre. Lisboa: Tipografia Portuguesa.

 

Consultar a ficha de instituição na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Instituicao&ObjId=8362

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Miguel Falcão/Centro de Estudos de Teatro