Pessoas

Alfredo Cortez

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(Estremoz, 29-07-1880 – Oliveira de Azeméis, 07-04-1946)

Alfredo Cortez foi um dos dramaturgos portugueses com maior projeção no período que decorreu entre as duas grandes guerras mundiais.

  Alfredo Cortez, s.d., fot. José Marques [programa O lodo, TNDM II, 1979]
  Alfredo Cortez, s.d., fot. José Marques [programa O lodo, TNDM II, 1979]

Tendo iniciado a sua carreira com um espetáculo de revista em 1918, veio posteriormente a aderir ao naturalismo, com as peças Zilda (1921) e O lodo (1923), e a experimentar o expressionismo e o drama histórico, abordando também os costumes populares portugueses em obras como Tá-mar (1936) e Saias (1938).

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi juiz de investigação criminal em Angola. Apesar do irresistível fascínio que o teatro sempre exerceu sobre ele, foi só a partir da plena maturidade que se dedicou à atividade de autor dramático, estreando-se em 1918 no espetáculo de revista Terra e mar, assinando com o pseudónimo Virgílio Pinheiro. Seguiram-se duas peças de intenções sociais, caracterizadas pela complementaridade dos retratos da sociedade portuguesa da altura: Zilda, que põe a nu a degradação moral das classes abastadas (apresentada em estreia absoluta no palco do Teatro Nacional D. Maria II em 1921), e O lodo que representa não apenas o confronto entre duas irmãs (a angélica Maria da Luz e a perversa Júlia), mas sobretudo a sordidez de um conflito entre mãe e filha (Domingas Capeloa e Júlia) no submundo da prostituição na Mouraria, e que foi levada à cena pelo próprio autor (uma vez que tinha sido recusada por vários empresários) no Teatro Politeama em 1923 numa apresentação única e, em 1979, no Teatro Nacional D. Maria II. De modesto relevo foi uma tentativa de incursão no drama histórico em verso À la fé (Teatro Politeama, 1924), que constituiu apenas um parêntesis entre as primeiras peças e uma nova série de textos de tese e moralizantes, eles também de construção frágil, cuja intenção era defender valores tradicionais, como Lourdes (Teatro Politeama, 1927), O oiro (apresentado pela Companhia Ilda Stichini no Teatro do Ginásio em 1928 e pelo Teatro Experimental do Porto, no Teatro de Bolso, no Porto, em 1961) e Domus (Teatro Nacional D. Maria II, 1931).

A sátira expressionista Gladiadores (1934), que pela sua ousadia parece marcar uma mudança no percurso do autor, revelou-se uma exceção isolada e feliz, quer no plano temático quer do ponto de vista estilístico, nela se cruzando as mais modernas tendências dramáticas, “o expressionismo alemão, o surrealismo francês e o experimentalismo de Pirandello (…) bem como o grotesco à Raul Brandão. Mas o que há sobretudo é a ironia do Cortez intelectual, que sabe não poder ser compreendido por um público até aí fiel e que não quer furtar-se à experiência do insucesso. Insucesso que chegou, pontualmente. E Cortez, pago, volta à temática realista” (PICCHIO 1969: 316).

Depois desta prova, que lhe valeu a hostilidade do público e da crítica no momento da estreia absoluta, Alfredo Cortez regressou aos ambientes regionalistas e à descrição de usos e costumes populares com Tá-mar (1936), e Saias (1938), ambas levadas à cena pela companhia do Teatro Nacional nos mesmos anos da redação (a primeira teve também uma versão parisiense apresentada no Théâtre Hébertot em 1955, e nesse mesmo ano a segunda voltou ao palco do Teatro Nacional). E regressaram de novo as atmosferas urbanas, a denúncia e a caricatura duma burguesia que se preocupa e angustia para exibir intactas as aparências dos antigos privilégios, com Bâton (1936, só apresentada postumamente, em 1946, devido à proibição da censura) e Lá-Lás (1944). Com dois textos menores, caídos no esquecimento – o ato único em verso Ralhos de avô (1922) e o episódio africano Moema (1940) –, fecha-se a resenha de peças de Alfredo Cortez, pois o anunciado drama expressionista Babel, repetição do experimentalismo de Gladiadores, não ultrapassou a fase projetual.

Em síntese, a produção mais conseguida do dramaturgo, segundo a classificação de L.F. Rebello, pode ser dividida em dois grupos distintos: um caracterizado pelas preocupações sociais expressas com um realismo seco (Zilda, O lodo, Bâton e Lá-lás), o outro por descrições de costumes populares marcadas por um realismo lírico (Tá-Mar e Saias), e que dão corpo a uma opera omnia que, recorrendo ao processo da comparação, exalta as virtudes dos humildes e condena os limites da burguesia. Gladiadores, como já referido, é um caso à parte. Quanto às virtudes de Cortez, a “expressão rigorosa e linear, quase ascética”, da sua obra “acusa um perfeito domínio da técnica teatral, uma análise impiedosa dos costumes da sociedade sua contemporânea e uma profunda compreensão anímica do povo português” (REBELLO 1984: 64). Apesar de um talento e intuição inatos, o seu maior limite (mas esta não passa duma voz isolada) poderia ser imputável às “imitações naturais do mundo fútil, desgraçado ou primitivo que pintou. Mas seria injusto não valorizar a continuidade do esforço que dedicou à criação dum teatro representável e com certo nível, que atingiu em Tá-Mar, pela funda identificação do A[utor] com o ambiente, e pela vivificação poética e mítica duma das faces da realidade portuguesa, a expressão mais significativa e duradoira” (ROCHA 1976: 223). A unidade de um percurso dramático entre os mais sólidos do século XX reside nas suas bases éticas e sociais, e isso é suficiente para evidenciar “a realidade admirável do conjunto de peças que formam a sua dramaturgia. Conjunto autónomo, dramaturgia densa, que honra o espírito que a concebeu, a literatura e a cena que a condicionam, a cultura que a recebem. É bem um artista ímpar, destacado, solitário. É um dramaturgo universal” (CRUZ 1969: 50).

Alfredo Cortez dedicou-se também à tradução de Porto-Riche, Henri Ghéon e Schiller. O seu Teatro completo foi reunido e publicado num volume pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda em 1992.

* Este texto é a versão revista e em português da ficha bio-bibliográfica de Alfredo Cortez editada in: Sebastiana Fadda (a cura di), Teatro portoghese del XX secolo, Roma, Bulzoni Editore, 2001. Desta antologia faz parte a peça I gladiatori.

 

Textos de/para teatro

1921: Zilda

1922: Ralhos de Avô (escrito em 1922, inédito)

1923: Lodo

1924: À La Fé! 

1927: Lourdes 

1928: O Oiro 

1931: Domus 

1934: Gladiadores 

1936: Tá-Mar 

1938: Saias

1939: Bâton 

1940: Lá-Lás 

1940: Moema 

Uma Cena Realista (inédito)

S. Paio (inédito)

Babel (inédito)

 

CORTEZ, Alfredo (1992). Teatro completo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.

 

Bibliografia

CRUZ, Duarte Ivo (1969). Introdução ao teatro português do século XX: seguido de uma antologia, Lisboa:Espiral, Biblioteca de Cultura Portuguesa.

___ (1992). “Introdução ao teatro completo”, in Alfredo Cortez, Teatro completo, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Biblioteca de Autores Portugueses, pp. 7-69.

MACHADO, Álvaro Manuel (dir.) (1996). Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa, Editorial Presença.

PICCHIO, Luciana Stegagno (1969).História do teatro português, tradução de Manuel de Lucena sobre a 1.ª edição italiana [Roma, Edizioni dell’Ateneo, 1964] corrigida e aumentada pela Autora. Lisboa: Portugália Editora.

REBELLO, Luiz Francisco (1959). Teatro português do romantismo aos nossos dias: cento e vinte anos de literatura teatral portuguesa, vol.I. Lisboa: Edição do Autor.

___ (1984). 100 anos de teatro português (1880-1980). Porto: Brasília Editora.

___ (2010). Três espelhos: Uma visão panorâmica do teatro português do liberalismo à ditadura  (1820-1926), Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

ROCHA, Andrée Crabbé (1976) “Alfredo Cortês”, in Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de literatura portuguesa, brasileira e galega, vol. I. Porto: Figueirinhas

SANTOS, Etelvina (1996). “Alfredo Cortez”, in Álvaro Manuel Machado (dir.), Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa: Editorial Presença.

SERÔDIO, Maria Helena (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto Camões, Colecção Cadernos Camões, pp. 95-141.

 

Consultar a ficha de pessoa na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Pessoa&ObjId=7938

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Sebastiana Fadda/Centro de Estudos de Teatro