António Pinheiro

(Tavira, 21-12-1867 – Lisboa, 02-03-1943)

António José Pinheiro foi uma das principais figuras do teatro português de finais do século XIX e da primeira metade do século XX.

  António Pinheiro
  António Pinheiro, s.d., fot. Silva Nogueira [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota 92846].

A sua extensa carreira de ator – em companhias como a Rosas & Brazão, a Sociedade Artística e a Rey Colaço-Robles Monteiro – foi apenas suplantada pelo seu trabalho como ensaiador/encenador, através do qual foi responsável pelo crescimento artístico de muitos atores e companhias na passagem para o modelo realista e naturalista de representação. Impulsionou os principais sistemas de apoio aos artistas dramáticos, entre eles a Associação de Classe dos Trabalhadores de Teatro em 1915, e foi ainda diretamente responsável pela formação de novos atores, promovendo novos currículos do curso de Arte de Representar e assegurando, como professor, a disciplina de Estética e Plástica Teatral no Conservatório Nacional.

Ator de vocação descoberta nos anos de adolescência, António Pinheiro tornar-se-ia um proeminente ator e encenador da cena teatral da Lisboa da 1ª República. Quando em 1900 se notabilizou com a composição da personagem San Vito em Viriato Trágico de Júlio Dantas, já tinha uma esteira de críticas favoráveis como ator secundário da Companhia Rosas & Brazão e, anteriormente, como amador dramático de futuro promissor.

Foi no teatro ambulante e sobretudo no “mambembe” do Brasil – aos quais se dedicou na última década do século XIX – que declarava ter encontrado o seu verdadeiro batismo de fogo e a sua capacidade e versatilidade como ator. Contudo, e fora dessa realidade teatral, empenhava-se em aturados estudos que empreendia – e defendia – na composição de cada personagem, prática que privilegiou desde cedo na sua carreira profissional. Este facto, de resto, está em linha com a doutrina realista e naturalista com que se identificava, adentro das quais se enquadram as suas batalhas em defesa do ator e do teatro português.

O “sarampo do teatro”, nas suas próprias palavras, acabou por contrariar os planos de seus pais, que o queriam formado em Medicina, cujo curso frequentou, de facto, mas que abandonou a favor do Conservatório. Estreou-se em 1886 no Teatro Ginásio em Nobres e plebeus, antes de ser escriturado no Teatro Nacional D. Maria II. Membro da companhia que daria origem à Rosas & Brazão, António Pinheiro trabalhou num palco privilegiado onde se jogava a paciente mas clara mudança de paradigma entre o Romantismo e as tendências naturalistas. Defensor da veracidade da vida em palco, crítico feroz das representações exacerbadas características do Romantismo, escreveu artigos onde expõe a sua defesa do que deve ser a representação, os figurinos e a encenação. Em simultâneo, critica o ensino de teatro e aponta caminhos para um curso bem estruturado. Põe o dedo na ferida sobre o ambiente que se vive nas companhias, sobre o mau profissionalismo dos atores em geral, e a sua falta de camaradagem.

Estas considerações, mais tarde coligidas em Theatro Portuguez (onde também assina como Vero), são o levantar do véu de duas das suas essenciais batalhas, isto é, a reformulação do curso profissional de teatro e a defesa e a responsabilização da classe artística.

António Pinheiro, figura incontornável e pioneira do Associativismo no campo teatral, criou a Caixa de Socorros dos Artistas do Theatro D. Amélia em 1902, e em 1907 fundou a Associação de Classe dos Artistas Dramáticos, organização esta que visava melhorar as condições laborais dos atores, batendo o pé às imposições dos empresários, liderados pelo Visconde de São Luiz Braga. Mais tarde, em 1915, organizou a Associação de Classe dos Trabalhadores de Teatro, cujos estatutos elaborou, e é dessa associação que surgirá o Grémio dos Artistas Teatrais.

António Pinheiro
António Pinheiro, 1929, O cinéfilo, Nº 37 (ed. António Maria Lopes), 4 Maio, p.11.

Em sede da Associação de Classe dos Artistas Dramáticos, elaborou o Curso Livre de Arte de Representar que acabou por ser, sobretudo, um laboratório para preparar o que virá a ser a Escola da Arte de Representar do Conservatório, que o Governo Provisório da República decretou, fundamentando o diploma com base nas considerações de António Pinheiro. Como professor de Estética e Plástica Teatral, elaborou o programa da sua cadeira como lugar de estudo da correta organização da cenografia, guarda-roupa, acessórios e adereços, oferecendo propostas de estudo para uma encenação equilibrada. Propôs o estudo da anatomia do corpo humano e a sua correta utilização na composição verosímil de personagens, aspetos que ficou a dever ao curso de Medicina que frequentara, e que acabariam por trazer grandes avanços na preparação dos futuros profissionais de teatro.

À união da classe teatral e a uma escola que a formasse, Pinheiro juntou, na sua procura de um melhor e mais elevado teatro português, um terceiro aspeto. O Teatro Nacional D. Maria II era, ao cabo de cerca de 60 anos, uma história de rivalidades e conflitos. “Republicano ferrenho”, ascendeu à cadeira de encenador do Teatro Nacional (então Almeida Garrett), lugar que lhe deu acesso, por inerência, a uma comissão de estudo para a reestruturação funcional e financeira da sala do Rossio. E se em 1911 nada de objetivo se concluiu, em 1925 o Governo aprovaria a sua proposta de reestruturação, segundo um modelo de gestão semi-estatal, o qual, por razões políticas também, acabou por não ser aplicado pela alteração entretanto trazida pelo novo regime saído do golpe militar de 1926.

O Teatro Nacional alcançaria uma certa estabilidade com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, à qual António Pinheiro deu um forte contributo no seu primeiro ano de produção artística, e na qual se viria a despedir dos palcos em 1933, na figura do Cardeal D. Henrique em Dom Sebastião. Pinheiro deixou uma vincada marca naturalista pautada por grande versatilidade sem género definido. Como encenador, o Teatro Nacional reforçou a sua notoriedade, mas António Pinheiro era já reputado profissional. Encenava desde 1902, no Teatro D. Amélia, e em 1905 tinha sido o responsável artístico do projeto Teatro Livre que apostava em “transformar pela arte, redimir pela educação”, no rasto de André Antoine, e em sintonia com a propaganda republicana. O Diário de Notícias contabilizava, em 1928, a marca de 2500 atos marcados por Pinheiro entre 1902 e aquele ano, e que são parte do seu património pedagógico.

E a pedagogia acaba por ser, atendendo às vertentes do seu percurso, a palavra que melhor define o trabalho de António Pinheiro.


Bibliografia
GAMEIRO, Luís (2011). António Pinheiro: Subsídios Para a História do Teatro Português. Texto policopiado: dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
PINHEIRO, António (1909). Theatro Portuguez: Arte e Artistas. Lisboa: Tipografia do Archivo Teatral.
___ (1912). Ossos do Ofício…. Lisboa: Livraria Bordalo.
___ (1924). Coisas da Vida…. Lisboa: J. Rodrigues & Ca.
___ (1926). Estética e Plástica Teatral, vol. I. Lisboa: Tipografia Costa Sanches.
___ (1929). Contos Largos…. Lisboa: Tipografia Costa Sanches.



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Luís Gameiro/Centro de Estudos de Teatro